Controlar o ritmo cardíaco, a temperatura do corpo e saber quantos quilómetros percorremos naquela corrida matinal. Tudo isto através de um pequeno sensor integrado na roupa, que está por sua vez ligado a uma app. Este é um cenário cada vez mais comum no nosso dia a dia, no qual os wearables – produtos tecnológicos pensados para usar na roupa ou no corpo – têm conquistado cada vez mais utilizadores. Por isso, ser diferente e fazer diferente é um desafio. Sabine Seymour, um dos nomes mais conhecidos na moda tecnológica, conhece bem o panorama do mercado no qual trabalha há 20 anos. E sabe também que há uma lacuna por preencher, que combina adolescentes com saúde, moda, desporto, tecnologia e uma nova forma de aproveitar os dados que geramos, sem que nunca se percam do nosso controlo.
“Reparei que não existem [disponíveis] dados de pessoas jovens e saudáveis, para que depois se possa perceber qual é o padrão de uma doença”, começou por contar ao Observador, depois de ter passado pela conferência “The Future of Fashion and Retail”, promovida pelo Centro de Tecnologia, Inovação e Empreendedorismo da Universidade Católica de Lisboa. A explicação é simples: “Se tens 15 anos agora e não há nada de errado contigo, daqui a 20 anos o teu médico vai perguntar o que fizeste há uns anos, o que comeste, onde viveste, qual era o ambiente, quanto exercício fazias, qual era a tua disposição genética e tu vais dizer ‘ups, não sei’”.
Foi a pensar nesta premissa — a necessidade de facilitar o diagnóstico futuro e incentivar estilos de vida mais saudáveis — que, em 2016, Sabine Seymour criou a SUPA, uma startup que quer permitir aos mais jovens – a chamada “geração Z” –recolherem os seus dados biométricos (características físicas e dados biológicos) e ambientais e, ao mesmo tempo, obterem retorno financeiro com isso. Como? Ao permitirem que esses dados, que são anónimos, sejam utilizados por empresas que trabalham em mercados relacionados com o corpo das pessoas, como as áreas da nutrição, desporto e moda, para desenvolverem o seu produto ou serviço. Mas não é só: cada utilizador poderá guardar os seus dados e utilizá-los no futuro para, por exemplo, facilitar um diagnóstico médico.
Através da app da SUPA, disponível para IOS, o utilizador vai entrar num mundo que mistura vários mundos: surgem monitorizados dados como o ritmo cardíaco, a temperatura, os níveis de poluição, a disposição genética ou outras informações captadas, mas há também uma zona de partilha entre os utilizadores – a SUPA comunidade. Esta app é modular, o que significa que está dividida consoante as empresas com quem trabalha e as experiências que elas queiram criar com os dados, bem como a adaptação às especificidades de cada utilizador. Uma das componentes, por exemplo, pode ser um jogo que permite captar os dados biométricos com recurso à realidade aumentada.
É muito importante a app ser modelar. Podemos ter alguém que faz natação, alguém que não faz desporto, alguém que tem muito interesse em nutrição ou alguém que tem diabetes: damos a todos a oportunidade de serem parte da SUPA. Isto é uma app que é aplicada a ti, ao que queres, mas ao mesmo tempo permite trabalhar com outras marcas”, explica Sabine Seymour, a fundadora da SUPA.
Depois de fazer essa recolha de informação biométrica, o utilizador é recompensado por fornecer esses mesmos dados através de SUPA Tokens. Por outras palavras: um token é como se fosse um ponto. Ao acumular os pontos, o utilizador pode trocá-los por produtos, serviços ou por dinheiro. “Queremos que tudo isto seja simples, porque muita gente neste momento, quando ouve falar em tokens, ou criptomoedas ou bitcoins pensam que é difícil, instável ou perigoso. Mas não, nada disso”, assegura Sabine. Além de obterem retorno financeiro pelos dados que fornecem, os utilizadores podem também, a qualquer momento, utilizar esses dados para diagnósticos futuros. A app acaba por servir como um diário da saúde dos mais jovens e hábitos ao longo do tempo mas, tal como considera a empreendedora, implementado de uma forma “cool” — a começar pelas coleções de roupa que disponibilizam.
“Estamos a capacitar e a permitir aos adolescentes, e utilizadores em geral, a terem com eles os seus próprios dados sobre o seu corpo em todos os momentos”, reforça Sabine, que sempre trabalhou na área da programação, mas também no mundo da moda e do desporto. Os adolescentes são o público-alvo eleito, tendo em conta que são mais novos, têm mais predisposição para a tecnologia e há uma maior oportunidade de poderem guardar os seus dados durante mais tempo e utilizarem-nos no futuro.
Apesar de a fundadora não querer revelar muito das novidades da SUPA, os dados são captados através de um sensor que é integrado em peças de roupa — estes wearables poderão ser comprados numa loja ou disponibilizados pelos parceiros — ou podem ser captados através de um Apple Watch.
Encorajar uma vida saudável
Atualmente, o projeto decidiu “fazer uma pausa”, em termos de vendas, até ao próximo ano, tendo em conta que a primeira coleção que foi lançada esgotou e a equipa está agora em mudanças de sede. No entanto, o ano passado serviu para a startup fazer um teste piloto interno com a FILA Sports: a partir de um Apple Watch ou de um soutien desportivo, detetava-se o ritmo cardíaco, o movimento e também o local onde o utilizador estava a correr. Se esse mesmo utilizador conseguisse correr um determinado número de quilómetros, recebia um par de sapatilhas da marca. Os tokens funcionam de forma semelhante. “Ao mesmo tempo, serviu para encorajar as pessoas a viverem um estilo de vida saudável através do produto”, explicou Sabine.
Sabine começou a programar aos 12 anos, a mãe era designer de moda e o desporto sempre esteve presente na sua vida. “Foi um passo a seguir ao outro”, explica. A empreendedora adorava tecnologia, mas gostava de estar “sempre fora” quando era snowboarder profissional e praticava também surf. Antes da SUPA, aliás, já trabalhava com sensores corporais, num projeto chamado Moondial, dando também aulas de tecnologia da moda em Nova Iorque.
Sabine Seymour tem também um objetivo com a SUPA: incentivar a um estilo de vida mais ativo e saudável. O projeto, explica, permite fornecer “aplicações divertidas para os jovens conseguirem obter dados suficientes, mas também para se mexerem, para incentivarem o ritmo cardíaco” e, assim, também mudarem hábitos e serem impulsionados para mudar o estilo de vida.
A importância da propriedade dos dados e a mudança para a Europa
Todos os dados que são recolhidos pela SUPA são tornados anónimos através de uma camada de blockchain, ou seja, as empresas vão receber os dados, mas não sabem de quem são ou de onde vêm essas informações. E essa característica, conta Sabine, foi uma das principais prioridades desde o início. “A questão da propriedade dos dados é muito importante para nós. Tu, como adolescente, possuis os teus dados e o que nos dás é feito de forma anónima. Adicionamos uma camada de Blockchain e contextualizamos os dados”, explicou a empreendedora, acrescentando que “nunca vai ser possível rastrear de volta de quem veio determinada informação”
Podemos fazer o que quisermos com os dados, mas nunca rastreá-los de volta para o dono desses dados. É absolutamente inútil para alguém que te queira magoar ou queira esta informação de ti.”, assegura a empreendedora.
A informação que é analisada, explica a investigadora austríaca, pode ser guardada e utilizada no futuro pelo próprio utilizador. “Vocês possuem os vossos dados e ficam com eles”, volta a sublinhar. É isso que Sabine diz distinguir a SUPA de outros projetos: o facto de ser possível utilizar as informações para atingir determinados objetivos ou para ser utilizada a longo prazo no caso da saúde, mas mantendo sempre o controlo dessas mesmas informações. “É ver a SUPA não como um produto, mas definitivamente como um serviço”.
Foi também pela questão da privacidade dos dados, e com o Regulamento Geral sobre Proteção de Dados (RGPD), que a equipa da SUPA decidiu mudar-se este ano dos Estados Unidos para a Europa, tendo até montado a sede do desenvolvimento tecnológico em Lisboa, enquanto desenvolve a tecnologia na Suíça. “Temos legislação que nos permite criar tokens seguros e permitir que as pessoas utilizem os tokens com segurança. Foi a razão principal para nos mudarmos para a Europa”, refere Sabine Seymour ao Observador.
Em Lisboa, explica, a SUPA encontrou a “qualidade a nível técnico”, bem como a experiência de quem já trabalhou com Sabine. “É uma cidade muito boa nesse sentido”, referiu, sublinhando que o projeto já está incluído na Startup Lisboa. A proximidade ao Porto, “que tem muitas fábricas de têxtil”, e as viagens mais curtas a Nova Iorque, onde se localiza a sede da SUPA, e a Zurique, onde estão outros escritórios, foram também fatores de influência para a mudança. “Tem tudo o que precisamos neste momento…e também há o surf”. Para o ano, também Sabine vai mudar-se para a capital portuguesa.
A SUPA também é sustentabilidade
Na equipa da SUPA há “pessoas de tecnologia, pessoas com doutoramentos em Neurociência, licenciatura em Física, pessoas com mestrado em Engenheira Espacial, em ciência computacional, em Design, em Marketing Digital, em Economia da Saúde”, enumera Sabine.
O projeto, que estará disponível no início do próximo ano, aposta também na sustentabilidade como pilar. Na coleção limitada que a empresa colocou à venda, por exemplo, havia outro propósito que não apenas a questão dos dados ou a vida saudável: “Na sweater que vendemos, por exemplo, trabalhamos com a Surf Rider Fundation: és um surfista, queres ter um oceano limpo. Se adquirires um produto nosso, doamos para essa fundação”, explicou. Na lista estiveram também um kit de wearables para as mulheres grávidas na Etiópia, que tinha como objetivo diminuir a taxa de mortalidade na região, tendo o projeto sido selecionado para o Unicef Wearables for Good.
A SUPA já fez também parcerias com empresas como a Intel e a Mercedes, sendo o próximo passo voltar a colocar oficialmente o projeto em funcionamento, chegar aos jovens e incentivá-los a manter uma vida saudável.
Apesar de ainda estar a dar os primeiros passos com a SUPA, há algo que Sabine tem a certeza: “Não gastem demasiado tempo a explicar a tecnologia. Têm de fazer com que funcione, mas não tentem explicar a tecnologia, porque eles [os adolescentes] sabem o que é. Tem de ser útil, funcional e, ao mesmo tempo, tem de ser algo que possam partilhar com os seus amigos e que seja viral. Se uma pessoa gostar, temos de garantir que é estável”.
(Texto editado por Ana Pimentel)