O Ministério Público (MP) quer ouvir João Correia Neves, o atual secretário de Estado da Economia do Governo de António Costa, como testemunha no caso EDP. E não é para lhe fazer uma pergunta qualquer. Entre outros temas, os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto querem saber se teve “conhecimento, ou não, de que esse arguido [Manuel Pinho] recebia mensalmente e enquanto ministro da Economia cerca de 15 mil euros do Grupo BES/GES”?, lê-se num despacho datado de 21 de novembro que consta dos autos do caso EDP consultados pelo Observador esta quinta-feira. É que João Correia Neves também não foi um homem qualquer para Manuel Pinho. Foi seu chefe de gabinete na rua da Horta Seca entre 2005 e 2007, tendo sido quem mais tempo esteve nesse cargo — um posto de total confiança política.
A avença de 15 mil euros que Manuel Pinho recebeu da sociedade offshore Espírito Santo Enterprises, e que está na origem das suspeitas de corrupção passiva pelas quais está indiciado no caso EDP (assim como Ricardo Salgado é arguido pelas mesmas razões, mas como alegado corruptor ativo), não será o único assunto que será analisado na inquirição de Jorge Correia Neves. As suspeitas de alegadas irregularidades nos contratos CMEC, assim como a extensão do Domínio Público Hídrico à EDP sem qualquer concurso público, serão igualmente abordadas.
Correia Neves já fazia parte da lista de testemunhas que os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal queriam chamar, mas a circunstância de ter de tomado posse como n.º 2 do ministro Pedro Siza Vieira na remodelação governamental de 17 de outubro faz com que existam consequências legais na forma como a inquirição deve prosseguir. Ou seja, sendo membro do Governo, Correia Neves tem o direito de depor por escrito. Os procuradores deram-lhe 10 dias — prazo que termina a 1 de dezembro — para informar se pretende testemunhar presencialmente ou por escrito.
A inquirição de Correia Neves insere-se num conjunto de audições de testemunhas próximas de Manuel Pinho. Além de Correia Neves, também Teresa Moreira e António Teixeira Souta (ambos também ex-chefes de gabinete de Pinho) serão igualmente ouvidos. O mesmo acontece com ex-secretárias e ex-assessores.
Pinho regularizou 2,7 milhões de euros com perdão fiscal de 2012
A primeira decisão da juíza Ana Peres, a nova titular no Tribunal Central de Instrução Criminal do caso EDP após Ivo Rosa ter ficado em exclusividade com a instrução da Operação Marquês, foi autorizar o Ministério Público a ter acesso aos processos administrativos do Banco de Portugal (BdP) sobre a adesão de Manuel Pinho ao Regime Excepcional de Regularização Tributária (RERT).
Os dados dos RERT que foram enviados a 6 de novembro pelo Banco de Portugal para o Tribunal Central de Instrução Criminal revelam que Manuel Pinho declarou no dia 12 de julho de 2012 que tinha 2.721.982, 73 euros depositados no Deutsche Bank Suisse (1.112.458 euros em nome da sociedade offshore Mandalay Asset Management Corp) e no Banque Privée Espírito Santo (1.609.524, 73 euros em nome da Tartaruga Foudation, sociedade offshore com sede no Panamá).
No caso da Mandalay, a esmagadora maioria dos fundos depositados estavam convertidos em títulos do mercado monetário avaliados em 1.109.028 euros, sendo certo que esse é o valor da carteira a 31 de dezembro de 2010. Pois, apesar de Pinho ter aderido ao RERT de 2012, os documentos do Deutsche Bank apresentados no Banco de Portugal referem-se a valores àquela data.
Já no caso da conta da Tartaruga Foundation, Manuel Pinho tinha investido à data de 31 de dezembro de 2010 cerca de 1,4 milhões de euros em ações e, essencialmente, em obrigações de diversas holdings do GES, como a Espirito Santo International (ESI). Ignora-se se Pinho conseguiu recuperar os fundos investidos nesses títulos ou se os perdeu com a insolvência da ESI e de outras sociedades de topo do GES.
A OP 100276 que tramou Manuel Pinho nos pagamentos que recebeu do ‘saco azul’ do GES
Pela adesão ao RERT, Manuel Pinho pagou o imposto fixo de 7,5% pela regularização destes fundos. Ou seja, pagou 120.714, 35 euros de imposto pela regularização dos fundos depositados em nome da Tartaruga e pagou 83.435, 14 euros pelos depósitos da Mandalay. No total, o ex-ministro da Economia pagou 204.149, 49 euros de imposto.
Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto suspeitam que o alegado recurso de Manuel Pinho ao RERT serviu para ‘limpar’ a alegada origem ilícita dos fundos recebidos da ES Enterprises, o ‘saco azul’ do GES. É que estas contas bancárias e os seus fundos não eram conhecidos da Autoridade Tributária portuguesa. Daí o RERT ser apelidado como ‘perdão fiscal’.
A documentação do RERT demonstra ainda que Manuel Pinho e a sua mulher assumiram perante duas instituições financeiras suíças (o Banque Privée Espirito Santo e o Deutsche Bank) de que eram os donos das duas sociedades offshore fundamentais no caso da avença do BES que foi revelado em exclusivo pelo Observador: a famosa Tartaruga Foundation e a Mandelay Asset Management Corp.
Ou seja, já não é apenas a documentação contabilística da Espírito Santo (ES) Enterprises quem o diz, mas também os próprios Manuel Pinho e mulher quem confirmam que são os beneficiários das contas bancárias na Suíça que que receberam uma parte de mais de 2,1 milhões de euros entre julho de 2002 e abril de 2014. Pinho detém ainda uma terceira offshore, chamada Masete II, que também recebeu fundos do GES no mesmo período de tempo.
Pinho detém ainda uma quarta offshore, chamada Blackwade Holdings, que é proprietária de um apartamento no centro de Nova Iorque que terá sido adquirido por cerca de 1 milhões de euros.