Os partidos tradicionais espanhóis são os grandes derrotados da consulta deste domingo, quando estão escrutinados 98% dos votos, com o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) a passar de 47 deputados regionais (num total de 109) para 33, menos 14 deputados do que o que conseguiu em 2015 e alcançando o pior resultado da sua história.
Já o Partido Popular (à direita) passa de 33 deputados para 26 e, feitas as contas, os partidos de centro-direita juntos conseguiram eleger 59 deputados, passando em quatro os que precisavam de eleger para estarem em maioria absoluta no parlamento andaluz. O candidato Juanma Moreno afirmou que as eleições foram “históricas”. “A Andaluzia quer mudar e, por isso, vai mudar”, disse.
Mas quem marcou as eleições deste domingo em Espanha foi o Vox, que conseguiu eleger 12 deputados, marcando a entrada fulgurante da extrema-direita no parlamento espanhol, que desde 1982 não tinha expressão eleitoral num parlamento regional. Durante a campanha, o líder do Vox, Santiago de Abascal, aparecia a cavalgar com um grupo de outros membros do partido num vídeo que tinha por título Andaluzia pela Espanha. O vídeo era uma referência à ‘Reconquista’ espanhola nos séculos XIII-XV dos territórios muçulmanos, que agora seria feita a partir desta região para o norte.
[Que partido é este que quer ver Espanha “orgulhosa do seu passado”? Veja no vídeo o perfil do VOX]
O PSOE pode ter sido o partido mais votado, mas não vai ser fácil encontrar um parceiro para governar durante a campanha eleitoral, depois de todos as forças políticas terem recusado apoiar um executivo regional liderado pela socialista Susana Díaz, atual presidente. Segundo o El Espanol, Díaz não vai ter hipóteses de formar uma coligação que a leva à maioria absoluta. Ao todo, a esquerda perdeu 17 deputados no parlamento.
O PP também foi muito penalizado, mas tem a consolação de se ter aguentado na segunda posição, não tendo sido ultrapassado pelo Ciudadanos (direita liberal), que traçou esse cenário como o seu objetivo principal. Mesmo assim, o Cidadãos foi o partido que mais subiu, passando de nove deputados regionais para 21, mantendo intacta a sua pretensão de vir a liderar a direita espanhola.
A explosão do Vox: “Somos um partido regenerador e viemos para ficar”
O partido de extrema-direita Vox alcançou este domingo o marco histórico de estar representado, pela primeira vez, no parlamento regional (12 deputados). A par da transferência de votos da esquerda para a direita, foi esta a grande novidade do escrutínio regional. O jornal El Español chega a dizer que a vitória pode ser premonitória daquilo que acontecerá nas futuras eleições municipais, autonómicas e europeias, já que se formou uma conjuntura favorável para a continuação do crescimento do partido.
“Somos um partido regenerador e viemos para ficar”, atirou Francisco Serrano — ex-juiz e cabeça de lista pelo Voz — no rescaldo das celebrações.
???? "Adiós Susanita adiós" pic.twitter.com/bzE0Nn3xSS
— VOX ???????? (@vox_es) December 2, 2018
Falando para uma multidão que momentos antes cantava “Adiós Susanita, adiós”, diSantiago Abascal, o líder nacional do movimento de extrema-direita, afirmou que “alguns riam-se de nós” mas isso nunca foi motivo para “atirar a toalha ao chão”. “Hoje estamos aqui porque também nenhum de vós atirou a toalha ao chão“, afirmou o líder partidário, falando para os “400.000 votantes” que apoiaram o Vox. “Vocês foram sistematicamente insultados durante esta campanha. […] hoje têm a chave para expulsar a corrupção da Junta de Andaluzia”, afirmou ainda Abascal.
De acordo com o polémico líder político, na Andaluzia também se votou em protesto contra o “golpe de Estado separatista” que “mudou de residência” e “passou do Palacio de la Generalitat para o Palacio de Moncloa”, uma clara crítica ao governo de Pedro Sanchez.
Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional francesa, não passou ao lado da vitória do Vox e acabou mesmo por dar os parabéns ao movimento pelo seu resultado eleitoral.
???????? Mes vives et chaleureuses félicitations à nos amis de @vox_es qui, ce soir en #Espagne, font un score très significatif pour un jeune et dynamique mouvement. ???????? MLP #Andalousie Cc @Santi_ABASCAL
— Marine Le Pen (@MLP_officiel) December 2, 2018
Qual será o futuro de Susana Díaz? “Que cada um dia o que quer”
“Há um retrocesso real da esquerda na Andaluzia“, estas foram as primeiras palavras proferidas por Susana Díaz, a candidata do PSOE que tentava conquistar mais um mandato à frente dos desígnios da região espanhola. Foi de cara circunspecta que a ainda presidente da Junta da Andaluzia se dirigiu ao seu eleitorado. Reconhecendo o mau resultado, rapidamente lançou um “chamamento” às “forças constitucionalistas”, para que digam se realmente querem associar os seus votos ao Vox. “Que cada um diga que é isso que quer”, atirou. E voltou a insistir no assunto ao perguntar se queriam “vincular os seus votos à extrema direita” ou impedir que ela “entre com contundência” no Governo da Andaluzia.
Díaz não esclareceu se essa frente anti-Vox se transformará num pedido de apoio, como líder do partido mais votado, ou se aclamava por uma abstenção do PSOE perante um pacto PP-Cs sem Vox. Pablo Iglesias, líder do Podemos, também lançou um “alerta antifascista” e afirmou que era necessário criar um cordão sanitário contra o Vox. A socialista disse, por isso, que ia “assumir a responsabilidade de falar com todas as forças políticas”.
El resultado de las elecciones en Andalucía debe ser una llamada a la responsabilidad frente al fascismo. Hay que proteger el Estado del bienestar y la justicia social. Están en juego el futuro y la democracia de España. pic.twitter.com/E6HJ5vThfU
— Pablo Iglesias ????{R} (@PabloIglesias) December 3, 2018
A líder do PSOE foi a derrotada da noite, disso não há dúvidas, mas Moreno, o representante do PP, pode vir a ser um candidato viável à Junta da Andaluzia. Apesar de o resultado baixo que conquistou — 33 deputados — e de ter de navegar cada vez mais por uma direita muito fragmentada, o candidato do PP não deixa de ser um possível sucessor a Díaz, caso consiga o apoio do Ciudadanos e do Vox.
Seja qual for o cenário, Susana Díaz não aparenta ter muitas soluções. Não consegue garantir maioria nem com o Adelante Andalucía (coligação do Podemos com a IU) nem com o Ciudadanos, partido com o qual esteve coligada desde 2015 mas do qual se separou já na reta final da última legislatura. Para Díaz, o seu partido pode ser “o dique de contenção para que não seja a extrema direita a decidir o futuro da Andaluzia”.
A quebra de votos que a impossibilitou de continuar a governar com estabilidade, segundo a própria, deve-se à já mencionada perda de força da esquerda no sul de Espanha (também visível no fraco resultado obtido pelo Adelante Andalucía, a coligação do Podemos com a IU) e à fraca participação eleitoral.
Em setembro passado, Díaz anunciou a decisão de antecipar a ida às urnas com a falta de estabilidade do seu executivo, depois de o Ciudadanos ter retirado o apoio que há três anos dava aos socialistas, acusando-os de não cumprirem as medidas negociadas de regeneração democrática.
O PSOE governa a maior e mais populosa das comunidades Autónomas espanholas desde 1982, há 36 anos. As eleições andaluzas eram um teste importante para o Governo minoritário socialista, que chegou ao poder há seis meses, e também para as forças de direita, a alguns meses das eleições autárquicas, autonómicas e europeias de maio próximo.
“Os resultados na Andaluzia são a primeira pedra que representa uma falha histórica de Pedro Sánchez”
Albert Rivera, líder do Ciudadanos, partido que este domingo elegeu 21 deputados para o parlamento regional, também se manifestou sobre os resultados da direita: “Arrimadas venceu os separatistas na Catalunha e hoje vamos tirar o PSOE da Junta de Andaluzia”, afirmou Albert Rivera, “Pedro Sánchez também foi derrotado nas urnas”, acrescentou. Juan Marín, o candidato do Ciudadanos na Andaluzia, disse que o partido demonstrou que “realmente podíamos ter esperança numa comunidade autónoma e continuaremos a lutar para que nossos filhos tenham melhores oportunidades.”
Surpeendentemente, também se celebra na sede do PP. Apesar da derrota histórica sofrida pelo Partido Popular (tiveram os piores resultados desde 1990), não deixa de haver um travo doce na boca de quem apoio Juanma Moreno — que muito provavelmente poderá vir a liderar um governo de coligação das direitas unidas. Pablo Casado entretanto lançou uma mensagem a Pedro Sanchéz, afirmando que o atual líder de Espanha pode “começar a pensar em eleições” antecipadas. Casado também já avançou que Moreno se vai candidatar à liderança da coligação entre as direitas.
???? @pablocasado_ anuncia que @Juanma_Moreno se va a presentar a la sesión de investidura: "El mandato de los andaluces es claro: han pedido un cambio, encargando al PP que configure una mayoría alternativa para acabar con cuatro décadas de malas políticas". #EleccionesAndalucía pic.twitter.com/6v7LDgnlY3
— Partido Popular (@ppopular) December 2, 2018
Casado lembrou que disse, desde o início, que o seu partido “estaria envolvidos em todos os eventos eleitorais, o projeto do PP tinha que reivindicar os nossos princípios: esta é a casa de centro-direita comum e os resultados na Andaluzia são a primeira pedra que representa uma falha histórica de Pedro Sánchez. Nós temos o projeto que trouxe Espanha para fora da crise duas vezes”. Juanma Moreno acrescentou que o seu partido “propôs uma mudança” e que “hoje sabemos que a Andaluzia também a quer”.
Olhando para a união de esquerdas entre o Podemos e o Izquierda Unida, vê-se na reação dos seus dois líderes, Pablo Iglesias e Alberto Garzón a mesma opinião sobre o resultado do escrutínio. Ambos atribuem o crescimento da extrema direita aos discursos “do PP e do Vox”, resalvando porém que não têm “medo” deste aumento de popularidade junto dos eleitores andaluzes.
O executivo nacional, liderado por Pedro Sánchez, tem tido dificuldade em aprovar as suas políticas em Madrid e esperava ter agora um bom indicador de apoio popular. A Comunidade Autónoma da Andaluzia, com mais de 87 mil quilómetros quadrados, é a segunda maior de Espanha (a primeira é Castela e Leão) e tem quase o tamanho de Portugal (92 mil).