António Costa nunca escondeu as críticas ao Tratado Orçamental, e esta quinta-feira voltou a fazê-lo ao lado do comissário europeu Pierre Moscovici, em Lisboa. “Não sou defensor do Tratado Orçamental, impõe regras arbitrárias”, disse. O primeiro-ministro respondia a uma pergunta de Francisco Louçã, durante um debate sobre o futuro da União Europeia (UE) que decorreu esta tarde no ISEG.

A frase não surpreende pelo conteúdo, mas pelo contexto. Enquanto respondia ao ex-líder bloquista, num tom cordial-diplomático – muitas vezes visto ao longo desta legislatura em diálogos, precisamente, com o Bloco de Esquerda -, Costa parecia aproximar-se das posições do BE. Mas rapidamente se distanciou. “Não vejo no horizonte – embora não vá ao oculista há algum tempo – possibilidade de renegociar o Tratado Orçamental. Por isso é melhor aceitarmos as regras”, afirmou, recordando que era preferível entrar no jogo com as leis estabelecidas e conseguir alcançar a melhor solução orçamental. Durante a resposta, Pierre Moscovici, que deu uma entrevista à agência Lusa onde aponta riscos nas metas orçamentais portuguesas, manteve-se atento, mas não reagiu.

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Ambos já tinham estado de acordo quando discutiram a saída do Reino Unido da União Europeia. Para evitar mais “exits“, sugeriram que se olhasse para UE como um todo composto por vários estados. “A resposta deve ser comum, mas há diferenças geográficas que não podemos ignorar”, começou por dizer o comissário europeu. “Não aceitamos a ideia de uma Europa a várias velocidades, prefiro falar numa Europa com geometrias variáveis“, completou António Costa.

Para Pierre Moscovici, o maior desafio que a Europa enfrenta é o crescimento dos populismos numa União Europeia que ainda não consegue responder de forma conjunta. “Há forças políticas que querem destruir a Europa e nós temos de as conter”, alertou. Apesar de reconhecer que “é necessário uma resposta mais convergente” por parte dos estados membros, lembrou que nos últimos anos tem havido melhorias nessa tentativa de “falar a uma só voz”.

Recusando-se a aceitar “a ideia de que a Europa é ingovernável”, o comissário europeu reforçou a narrativa de que é preciso dar sinais de força contra aqueles que pretendem desintegrar a UE. “Há movimentos mais periféricos e outros mais metropolitanos. É necessário compreendê-los para conseguirmos dar a resposta adequada. É por isso que considero que as eleições europeias do próximo são tão difíceis quanto importantes“, acrescentou. E antecipou três possíveis cenários: “um negro, em que os populismos triunfam sobre as democracias livres; um cinzento, em que estas forças não derrotam as democracias, mas conquistam-lhes espaço; e um cor-de-rosa, em que a Europa surge como uma potência positiva e coerente”.

O primeiro-ministro identificou ainda uma tendência relacionada com os cenários traçados por Moscovici. “Hoje a rutura entre os países do norte e os países do sul da Europa já se esbateu. A fratura atual é entre o leste e o oeste“, considerou. Para o primeiro-ministro, a divisão é entre aqueles que defendem uma liberdade democrática por oposição àqueles em que o populismo tem tomado o poder. “Atualmente, não é incomum ver o primeiro-ministro grego a concordar com a chanceler alemã no Conselho Europeu”, revelou. “Ambos têm um discurso [face a este desafio] cada vez mais convergente”.

Já sobre as eleições europeias, António Costa anteviu um impasse pós-eleitoral: “a maioria no Conselho Europeu será diferente da maioria que se formará no Parlamento Europeu, e vai ser difícil encontrar sucesso”. Uma situação que pode levar a que Moscovici “fique mais tempo no cargo do que imagina”, ironizou o primeiro-ministro, já que a nova Comissão Europeia só tomará posse depois de ser encontrado um acordo entre as duas entidades”.

No fim, responderam a uma questão da plateia sobre as alterações climáticas. Tanto o comissário europeu como o primeiro-ministro mostraram agrado pela consciencialização dos estados membros em torno do tema, mas alertaram para a necessidade de proceder a mais reformas. “Com o Acordo de Paris continuamos a ir em direção ao abismo. De forma mais lenta, mas vamos cair. É preciso ir além do Acordo de Paris”, proclamou António Costa.

Este debate encerrou o roteiro “Encontros-Diálogos com os Cidadãos”, organizado pela Comissão Europeia e pelo Governo, com o objetivo de colocar os europeus a pensar sobre o futuro do continente.