Um babuíno sobreviveu durante mais de seis meses com um coração de leitão geneticamente modificado com a ferramenta CRISPR-Cas9, a mesma que um cientista chinês usou para editar o genoma de duas bebés na tentativa de as tornar imunes a infeções pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH). Este é um passo em frente na possibilidade de transplantar órgãos de porcos para humanos, uma técnica chamada xenotransplante.

Os órgãos dos porcos têm a mesma anatomia e o mesmo tamanho que os órgãos humanos. No entanto, não é possível usá-los para transplante por dois motivos. Primeiro, porque os porcos podem estar infetados com vírus que nós não conseguimos atacar com eficácia, como o da hepatite E. E, segundo, porque eles têm informação genética de vírus incorporada no ADN, uma estratégia para identificar e combater mais rapidamente esse vírus se ele voltar a atacar o animal.

Para resolver o primeiro problema, já existem vacinas eficazes no mercado. Para resolver o segundo problema, há o CRISPR-Cas9, que, quando introduzido nas células do órgão de um porco, pode cortar ou inibir a informação genética vírica que estava incorporada no genoma do animal. Com essa estratégia, os cientistas podem desligar as características genéticas do porco que desencadeiam uma resposta imunitária agressiva pelo organismo do humano.

Mais uma vitória do CRISPR. Estamos mais perto de transplantar órgãos de porcos para humanos

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Foi este o procedimento que os investigadores da Universidade de Munique usaram para transplantar os corações de leitões para os corpos de babuínos. Um deles ficou doente e morreu ao fim de dois meses. Dois sobreviveram durante três meses antes de serem submetidos a eutanásia pela equipa. Outro viveu precisamente seis meses — 182 dias — antes de ser morto. E um quinto babuíno foi acompanhado durante 195 dias e manteve-se completamente saudável até ser eutanasiado.

Esta não foi a primeira vez que o coração de um porco foi transplantado para o corpo de primatas, mas nunca antes eles tinham sobrevivido durante tanto tempo. Já houve experiências em que um coração de porco sobreviveu durante dois anos e meio dentro do abdómen de um babuíno, mas a saúde do primata não estava em causa: continuava a ser o coração original do animal o responsável por bombear o sangue ao longo do corpo.  No entanto, em situações em que a vida do babuíno dependia desse transplante, os resultados eram menos entusiasmantes.

O segredo do sucesso esconde-se em três passos que nunca tinha sido usados. O coração foi mantido a 8ºC (temperatura mais baixa do que a usada em experiências anteriores) dentro de uma sopa com oxigénio, hormonas, glóbulos vermelhos e nutrientes. Enquanto isso, o babuíno recebeu medicamentos ao longo de todo procedimento para baixar a pressão sanguínea do babuíno para se igualar à de um porco. E, além disso, recebeu medicação para que o coração de leitão não crescesse demais dentro do corpo dele.

Até agora, o máximo de tempo que um primata tinha sobrevivido com um coração transplantado de um porco foi 57 dias. Agora, esse prazo foi alargado para mais do triplo. E isso é notável: a Sociedade Internacional de Transplante de Coração e Pulmão diz que o xenotransplante pode ser seguro o suficiente para ser testado em pessoas, se um primata não-humano sobreviver a um procedimento igual durante mais de 90 dias. Mas essa possibilidade ainda não está em cima da mesa por motivos éticos.