Meng Wanzhou, de 46 anos, filha do fundador da tecnológica chinesa Huawei e também vice-presidente da administração da empresa, foi detida no sábado, no Canadá, depois de Washington ter pedido a sua extradição por supostamente ter violado as sanções impostas pelas autoridades norte-americanas contra o Irão. O governo de Pequim exigiu a libertação da empresária e, enquanto se espera por uma decisão judicial que explique a detenção, aumentam as tensões entre as já difíceis relações comerciais entre os EUA e a China. A detenção de Meng é, portanto, o símbolo mais visível de como decorre a guerra aberta entre as duas superpotências pelo controlo do universo tecnológico nos próximos anos.
Embora pouco se conheça dos motivos da detenção, já que Meng pediu desde logo para que não fossem divulgadas informações, os ecos e as consequências fizeram-se sentir de forma imediata. A questão é que a Huawei é vista nos EUA como uma ameaça à segurança nacional, por ser alegadamente uma extensão tecnológica do regime chinês, mas também há quem diga que as motivações se devem apenas ao facto de aquele gigante chinês ser o maior concorrente da Apple no negócio dos smartphones.
China pede libertação imediata da diretora financeira da Huawei detida no Canadá
Na origem da detenção da diretora financeira da Huawei está o facto de a empresa de telecomunicações chinesa enviar para o Irão produtos fabricados em solo norte-americano, o que, no entender do departamento de justiça norte-americano, constitui uma violação das sanções impostas pelos EUA a Teerão. Curioso é que a detenção aconteceu na mesma altura em que Donald Trump e Xi Jinping acordavam, em Buenos Aires, no âmbito de uma cimeira do G20, um acordo de tréguas comerciais de 90 dias até ao próximo dia 1 de março.
Não é certo se Trump estava informado da detenção no momento em que contracenava com o homólogo chinês, mas a verdade é que o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, disse numa entrevista, horas depois, que estava informado da detenção — o que não quer dizer necessariamente que om presidente americano também estivesse, mas é provável. “É uma informação que recebemos do departamento de justiça”, disse. Por sua vez, o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, esclareceu já que não houve “intervenção política” na decisão, sublinhando a separação de poderes.
“Este caso é como puxar um fio solto que poderá vir a ser o início do desmoronamento do relacionamento entre os dois países”, disse à CNN Scott Kennedy, especialista em economia chinesa no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington. “Ambos os lados precisam de proceder com cautela e com um claro sentido sobre os seus interesses de longo prazo”, acrescentou.
Mas a preocupação com o agudizar das tensões comerciais foi tal que levou a uma queda acentuada nos mercados internacionais. A verdade é que, segundo explica a CNN, o uso de tecnologia Huawei há muito que tem sido desaconselhado entre os membros da Administração Trump por alegarem risco de espionagem por parte das autoridades de Pequim — uma acusação que o governo chinês nega.
A competição é evidente, na medida e que a Huawei se tornou recentemente a segunda maior fabricante de smartphones do mundo, apenas atrás da coreana Samsung — ou seja, destronado a norte-americana Apple. A China sempre rejeitou as acusações de que a Huawei fosse um braço usado pelo governo chinês, mas uma nova lei chinesa diz que as empresas nacionais devem ajudar o regime — o que aumenta as dúvidas sobre a independência da empresa de telecomunicações face ao governo chinês.
Certo é que foi o próprio governo chinês, por via da embaixada da China em Otava, Canadá (onde a empresária foi detida quando fazia escala no aeroporto), que emitiu um comunicado a exigir que EUA e Canadá corrigissem o erro que levou à detenção de Wanzhou Meng e que procedessem à sua libertação. “Acompanhados de perto o desenrolar do problema e tomaremos as medidas necessárias para proteger os direitos e interesses dos cidadãos chineses”, lia-se no comunicado.
Quem é Meng Wanzhou e o pouco que se sabe sobre a detenção
Chama-se Meng Wanzhou mas, segundo a CNN, é também conhecida por Sabrina Meng ou Cathy Meng. É a filha do CEO e fundador da Huawei, Ren Zhengfei, e é a provável herdeira da gigante tecnológica — onde já é CFO (diretora financeira). O seu irmão, Meng Ping (também conhecido por Ren Ping), trabalha numa subsidiária da Huawei, sendo ela a mais bem colocada na empresa de telecomunicações onde trabalhou toda a vida, à parte um breve período de um ano no Banco de Construção da China, depois de ter estudado contabilidade.
Com 46 anos, Meng é assim a diretora financeira da maior empresa tecnológica e de telecomunicações chinesa, de capital privado, que conseguiu vingar no mercado internacional ao ultrapassar a Apple norte-americana. Segundo explica o El País, Meng não partilha o apelido com o pai porque aos 16 anos, quando os pais se divorciaram, decidiu adotar o da mãe, algo que não é habitual nos países asiáticos. Chegou à empresa do pai em 1993, começando como secretária. Com o passar dos anos foi subindo na hierarquia, sempre em cargos ligados à contabilidade e às finanças. Em março deste ano tornou-se vice-presidente do grupo e responsável máxima pelas finanças — o que foi imediatamente visto como um passo de gigante para se assumir como a herdeira da companhia quando o pai, de 74 anos, passar a pasta.
Os contornos da detenção da empresária não são muito claros, esperando-se novidades esta sexta-feira na sequência da audiência prevista. Sabe-se apenas que foi detida no aeroporto de Vancouver no sábado por ordem dos EUA, que alegou fazer parte de uma investigação em curso. Em abril passado, o Wall Street Journal dava conta de que o departamento de justiça norte-americano tinha iniciado uma investigação judicial sobre as supostas violações da Huawei às sanções impostas ao Irão.
De resto, pouco mais se sabe. “A empresa recebeu muito pouca informação sobre as acusações e não está a par de nenhuma irregularidade cometida pela senhora Meng”, escreveu a Huawei em comunicado. A China não gostou da detenção pouco fundamentada e, além do pedido de libertação da embaixada, também o governo local da cidade de Shenzhen (onde a Huawei está sediada) emitiu um comunicado semelhante, pedindo a libertação “imediata”.
A verdade é que a detenção no Canadá e o pedido de extradição para os EUA atinge em cheio o já precário acordo de cessar-fogo assinado na semana passada para serenar o conflito entre os Estados Unidos e a China sobre o comércio e a tecnologia. A opacidade da empresa chinesa, que se assume como “uma empresa privada totalmente da propriedade dos seus funcionários”, e que não revela quase nada sobre os nomes e sobrenomes dos acionistas que estão por detrás dela, também adensa o conflito.