António Godinho, o candidato da Lista C às eleições da Associação Mutualista Montepio Geral, quer que o vencedor da votação, o atual presidente Tomás Correia, “tire as consequências” de ter sido eleito com menos votos do que as restantes candidaturas. Tomás Correia ganhou com 43,2% dos votos, mais 6,8 pontos percentuais do que os 36,3% obtidos por Godinho e os 20% do candidato da lista B, Fernando Ribeiro Mendes.
Os resultados da votação, que saíram já às primeiras horas de sábado, indicam que uma candidatura única da oposição a Tomás Correia — o que foi equacionado inicialmente entre Godinho e Ribeiro Mendes — poderia ter sido suficiente para suplantar o atual presidente da mutualista, acusado por ambos os concorrentes de falta de idoneidade para liderar a instituição. Mas não foi possível formar essa lista única porque, nas palavras de Godinho esta sexta-feira, “não se pode obrigar as pessoas a entenderem-se”.
No entanto, apesar de não ter formado uma equipa única com Ribeiro Mendes antes da votação, António Godinho considerou este sábado, em comunicado, que “todos deveriam tirar ilações”, incluindo Tomás Correia, do facto de as listas opositoras terem tido mais votos do que o incumbente.
“É politicamente relevante o facto de pela primeira vez a Lista A ter tido menos votos do que a soma dos votos das listas opositoras: isto quer dizer que Tomás Correia já não conta com o apoio expresso eleitoralmente da maioria dos associados da AMMG e deveria tirar consequências desse facto”, afirma.
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De acordo com o apuramento do escrutínio provisório fornecido ao Observador pela lista C, foram considerados válidos 43.430 votos (de um total de 47.010 expressos. O número de votos em urna foi de apenas 1.561 (dos quais 23 foram rejeitados), sendo que os restantes foram votos por correspondência. Nos votos por correspondência 291 pertenciam a pessoas sem direito de voto (menores, sem quotas em dia ou há menos de dois anos na associação), 2023 foram descartados por não estarem assinados (o que é obrigatório pelos estatutos da mutualista) e em 925 casos a assinatura não conferiu, ou seja, não passou na inspeção feita pela equipa de apoio às eleições.
Por outras palavras, o número de votos por correspondência considerados não válidos (3.239) terá sido superior à diferença de votos entre Tomás Correia e António Godinho, inferior a três mil (18.051 para o incumbente e 15.133 para o líder da lista C).
António Godinho também perdeu para Tomás Correia as eleições de 2015 e, nessa altura, impugnou o ato eleitoral, alegando irregularidades no processo de votação, nomeadamente o voto por correspondência e a conferência de assinaturas dos associados. A decisão final dessa impugnação surgiu já em 2017 e não lhe deu razão.
No comunicado deste sábado, o candidato da lista C reitera os mesmos argumentos, desta feita para as eleições de 2018.
“Estas eleições não foram nem justas, nem democráticas; entre as várias irregularidades, avultam o facto de a comissão eleitoral ser composta maioritariamente por membros da Lista A, que tomou todas as decisões favoráveis à incumbente, rejeitando as propostas que visavam uma efetiva fiscalização do ato eleitoral; e a autenticação das assinaturas dos votos por correspondência não cumpre a legislação em vigor, designadamente o novo código mutualista”, escreve.
Apesar de não o referir, em nenhum momento, no comunicado, uma fonte da candidatura de António Godinho não afasta a possibilidade de vir mesmo a impugnar as eleições desta sexta-feira, tal como o próprio candidato tinha admitido durante a campanha.
Tomás Correia e António Godinho terão ficado separados por menos de três mil votos, menos do que o número de votos considerados inválidos durante o processo eleitoral que foi mais de 3.585. Num universo de cerca de 460 mil associados da mutualista com direito a voto, apenas foram registados cerca de 43.200 votos válidos, uma quebra significativa face aos mais de 56 mil da eleição anterior, em 2015.
Nos dias que antecederam as eleições, e no próprio dia da votação, as listas opositoras de Tomás Correia lançaram dúvidas sobre a transparência e a equidade do processo eleitoral, afirmando que todo o processo estava cheio de irregularidades que favorecem a lista do incumbente.
Mas, em comunicado enviado por fonte oficial da candidatura, Tomás Correia defende que essas dúvidas foram lançadas por “pessoas que recorrem a expedientes que colocam em causa o bom nome do Montepio” e “não estão à altura de honrar a sua história e os seus fundadores”.
“Chegados a esta noite, os associados fizeram a sua escolha, redobrando agora a responsabilidade dos que acabam de ser eleitos, que vão tomar posse e que irão gerir esta nossa grande instituição nos próximos três anos.”
No mesmo comunicado de vitória, e falando em nome da associação, Tomás Correia rematou que “chegados a esta noite, a Associação Mutualista Montepio está grata a todos os que participaram neste ato eleitoral, nomeadamente aos seus associados, que, mais uma vez, souberam separar o trigo do joio”.
Na tarde das eleições, Tomás Correia já se mostrava confiante na vitória e dizia estar preparado para voltar a ouvir “as mesmas charlatanices” da boca de quem sair derrotado, como pedidos de impugnação (como em 2015) ou outras suspeições.
Nessa manhã, por outro lado, António Godinho, o que viria a ser o segundo candidato mais votado, salientou: “isto já passa para um nível de responsabilidade dos reguladores e das entidades oficiais, e não apenas dos associados”, dando a entender que poderá haver nova impugnação destas eleições que, na sua opinião, tiveram um grau “similar” de irregularidades.
Além disso, a frase de António Godinho pode indicar que o empresário tem confiança de que a nova supervisão financeira da ASF poderá impedir Tomás Correia de cumprir o mandato, por falta de idoneidade — uma questão que Tomás Correia garantiu, esta sexta-feira, que não lhe “tira ponta de sono, ponta de serenidade”.
Estas eleições destinavam-se a escolher os dirigentes para os órgãos sociais da AMMG para o triénio 2019/2022.
Nos últimos anos, o Banco de Portugal impôs uma maior separação na gestão do banco e da associação mutualista, que entre 2008 e 2015 foi acumulada por António Tomás Correia, tendo vindo também a defender uma melhor diferenciação entre as duas entidades.
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Em 2015, precisamente por imposição do regulador bancário, o sistema mudou, ficando Tomás Correia à frente da mutualista e passando o banco a ter uma gestão autónoma, com Carlos Tavares a assumir a presidência da Caixa Económica Montepio Geral, que irá ficar com uma nova designação comercial até final do ano, embora estatutariamente mantenha o nome.
Fundado em 1840 por um grupo de funcionários públicos liderados pelo professor e funcionário da Contadoria da Junta do Crédito Público Francisco Álvares Botelho, o então “Monte Pio dos Empregados Públicos” pretendia colmatar, através do apoio mútuo, a ausência de um quadro público de apoio social em Portugal.