Quando a Opinião Pública pensa numa cara do Ministério Público (MP) da luta contra a corrupção, o primeiro nome que costuma surgir é Maria José Morgado. Assim deverá continuar mas com a procuradora-geral adjunta num novo contexto: o da reforma. Com 67 anos, e com 41 anos e 6 meses de serviço, a magistrada decidiu requerer a sua jubilação. Atendendo que os anos de serviço superam os requisitos legais exigíveis, o requerimento de Morgado foi um mero pró-forma, sendo aprovado pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) e pela Caixa Geral de Aposentação.  A publicação da sua passagem à reforma foi oficializada no Diário da República do dia 7 de dezembro.

O CSMP vai substituir Maria José Morgado no cargo de procuradora distrital de Lisboa no próximo dia 18 de dezembro — é o segundo ponto da agenda dos trabalhos do órgão de gestão desta magistratura.

Trata-se do segundo procurador distrital que requer a jubilação nos últimos dois meses. O primeiro foi Euclides Dâmaso, procurador distrital de Coimbra, tal como o Observador noticiou aqui — também ele um magistrado com uma carreira ligada ao combate à criminalidade económico-financeira.

Contactada pelo Observador, Morgado confirmou a sua jubilação mas não quis fazer declarações.

A carreira marcada pela luta contra a corrupção

A jubilação de Maria José Morgado acaba por definir o encerramento de um ciclo na magistratura do MP. Militante do MRPP na sua juventude, juntamente com o seu marido José Luís Saldanha Sanchez, Morgado abandonou a política após o PREC — Processo Revolucionário em Curso de 74/75 para concluir o curso de Direito, entrando posteriormente na magistratura do MP.

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Foi colocada inicialmente no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, onde este de 1980 a 1986. Neste último ano foi transferida para os serviços do MP nas Varas Criminais do Tribunal da Boa Hora, onde foi nomeada coordenadora em 1988.

Maria José Morgado começou a ficar conhecida da Opinião Pública quando liderou a acusação durante os famosos julgamentos do caso faxe de Macau. Na prática, foram dois julgamentos: o do governador Carlos Melancia (acusado de corrupção passiva por alegadamente ter recebido um suborno de 50 mil contos e que foi absolvido em primeira instância) e do julgamento de três ex-responsáveis do PS (Rui Mateus, Tito de Morais e Menano do Amaral — muito próximos de Mário Soares, então Presidente da República e ex-líder do PS) que foram condenados em primeira instância por corrupção ativa.

Mais tarde, em novembro de 2000, quando já era procuradora-geral adjunta, foi nomeada como diretora nacional adjunta da Polícia Judiciária, com o pelouro da Direção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira — hoje Unidade Nacional contra a Corrupção. Esteve dois anos no cargo, tendo liderado investigações importantes a Vale e Azevedo (então presidente do Benfica), Pimenta Machado (então presidente do Vitória de Guimarães) e o chamado caso Universidade Moderna. Este último inquérito, que investigava a gestão fraudulenta daquela universidade privada — e que chegou a envolver, de forma indireta, o nome de Paulo Portas (então líder do CDS) –, estaria na origem da sua saída da PJ em agosto de 2002 por alegada pressão de Celeste Cardona, sucessora de António Costa na pasta da Justiça e dirigente do CDS.

Em dezembro de 2006, o procurador-geral Pinto Monteiro nomeou-a coordenadora do processo Apito Dourado — iniciado na comarca de Gondomar mas que tinha mais de 50 certidões espalhadas por todo o país. Quatro meses mais tarde, tomou posse como diretora do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, onde esteve até janeiro de 2016 — tendo sido substituída por Lucília Gago, atual procuradora-geral da República.

Foi no DIAP de Lisboa que Maria José Morgado deixou a sua ‘obra’ judicial mais duradoura. Durante os nove anos do seu mandato, a 9.ª secção do DIAP de Lisboa, dedicada exclusivamente ao combate à criminalidade económico-financeira, investigou alguns dos principais casos judiciais dos últimos 10 anos, como, por exemplo, as suspeitas de fraude no BCP liderado por Jardim Gonçalves e no Banco Privado Português liderado por João Rendeiro, as suspeitas de corrupção da administração dos CTT liderado por Carlos Horta e Costa, o caso das Secretas que levou à acusação de Jorge Silva Carvalho (ex-diretor da secreta militar) ou o caso Taguspark que levou à acusação de Rui Pedro Soares (amigo de José Sócrates e ex-administrador da PT), entre outros casos.

No inicio do seu mandato como diretor do DIAP de Lisboa, Pinto Monteiro voltou a nomeá-la como coordenadora de uma equipa especial de investigação aos casos relacionados com a gestão da Câmara de Lisboa durante os mandatos de Pedro Santana Lopes e de Carmona Rodrigues após a realização de uma sindicância à gestão daquelas duas vereações.

No DIAP de Lisboa, Morgado dedicou também atenção a outras áreas, como a criminalidade violenta que levou à criação de uma unidade especial para combater esse tipo de criminalidade, nomeadamente aquela que tinha origem em claques de futebol, carjacking e em assaltos especialmente violentos.

Em janeiro de 2016, tomou posse como procuradora distrital de Lisboa, por proposta da então procuradora-geral Joana Marques Vidal.

Maria José Morgado deverá ser formalmente substituída no início de 2019, após a nomeação de um substituto na reunião da próxima terça-feira do Conselho Superior do Ministério Público.