A HBO vai chegar a Portugal, isso é certo. Mas também é quase certo que não deverá chegar a tempo da estreia de “Brexit”, marcada para o dia 19 de janeiro. Bom, mas também é verdade que muitos pensavam que não era possível que a campanha pela saída da União Europeia saísse vencedora no referendo britânico de 23 de junho de 2016. Portanto, esperemos para ver. E o que é o “Brexit”, além de uma das campanhas políticas mais polémicas dos últimos tempos? É um filme que a conta a história do movimento que aprovou a saída do Reino Unido da UE. Ou pelo menos assim é apresentado por quem o fez e produziu.
Benedict Cumberbatch, o Sherlock Holmes moderno e psicótico da série de Steven Moffat e Mark Gatiss, o Billy Bulger de “Black Mass”, o Alan Turning de “O Jogo da Imitação”, é o protagonista do filme. O ator inglês é Dominic Cummings, o homem que dirigiu a campanha do Vote Leave, o mesmo a quem é atribuída a criação do slogan “Take Back Control”, a mente mais ou menos anónima que delineou a estratégia a seguir pelo Brexit.
Consultor político, Cummings era visto com algum ceticismo até por responsáveis do partido Conversador mas foi com ele que o movimento ganhou força. Nick Cohen descreveu-o, no Guardian, como “a figura contemporânea mais importante que 99% da população nunca ouviu falar”. Desses 99%, é provável que uma parte fique a conhecê-lo em 2019, através deste filme da HBO.
Quem já escreveu sobre a interpretação de Benedict Cumberbatch foi Mary Wakefield, a mulher de Dominic Cummings. Num texto publicado a 15 de dezembro no site da revista Spectator, Wakefield, que ainda não viu o filme mais apenas o trailer, diz que são “parecidos”, apesar do ator lhe ter dito que acha que o marido é “mais alto” do que Cummings e que tem “um maxilar mais proeminente, os dentes inferiores um pouco mais altos”. A mulher do ideólogo do Brexit conta até que mostrou uma fotografia de Cumberbatch na rodagem do filme ao filho de dois anos e perguntou-lhe quem era: “Olhou para mim como se estivesse louca. Papá. Esse é o papá, mãe”.
Cansada de ouvir teorias da conspiração sobre o que originou o Brexit e sobre a vida do marido, Mary Wakefield diz que ficou surpreendida com a elegância de Benedict Cumberbatch no trato, quando receberam o ator na casa em que vive com Dominic Cummings, apesar de Cumberbatch ter feito campanha pela permanência do Reino Unido na União europeia, em vésperas de referendo.
Presumi, temi, que tivesse aceitado o papel do Dom pelas mesmas razões que o Ralph Fiennes aceitou o papel do Voldemort e o Cristopher Lee o Drácula. Mas foi amigável, curioso — não veio a nossa casa para julgar o Dom. Disse-me: ‘Aceitei o papel por causa do guião. (…) Achei que era simplesmente extraordinário estar a ler um guião como se fosse um thriller, quando já sabia o desfecho. Fui sugado para dentro dele — para as personagens, a sua inteligência e sagacidade, o poder emocional da narrativa dramática”, apontou a mulher de Dominic Cummings.
Apesar de não tencionar dar grandes entrevistas a propósito do filme, o ator aceitou falar com a mulher de Dominic Cummings depois de uma visita noturna no início de junho à morada de Cummings, que se prolongou “até às primeiras horas da manhã”. Cumberbatch chamou à campanha do Brexit “uma das histórias mais extraordinárias da história da política”, à possibilidade de interpretar o ideólogo da campanha pela saída “um papel do caraças” e mostrou que a sua atenção às personagens e às pessoas é tão pormenorizada quanto o olho clínico de Sherlock Holmes, que já interpretou, para o crime:
“Reparei no modo como o Dom coloca a mão por cima da cabeça. O modo como ele abana muitas vezes a cabeça. E como ele pousa a dobra do cotovelo no cimo do crânio. Ele dá as suas opiniões fortemente, mas também ouve com muita atenção. O que mais? Aquele “R” [pronunciado] suavemente. Não sei se é algo da família Durham ou especificamente do Dom. Tem uma moldura de mandíbula diferente da minha, o que faz com que imitar o sotaque não me seja fácil”, referiu Benedict Cumberbatch.
O ator disse ainda à mulher de Dominic Cummings que sente sempre “uma empatia natural em relação à personagem” que interpreta e que gosta da ideia de tentar “habitar parte da vida delas, intelectualmente e fisicamente”, para que o desempenho seja o mais verosimilhante possível. Com a personagem de Cummings, não foi diferente, até porque o ideólogo do Brexit “tem sentido de humor e consegue rir-se de si mesmo e de outras coisas”. Em suma, “não é um sociopata”. Concluiu Mary Wakefield no site da Spectator: “Depois de algumas coisas que li sobre o Dom, ouvir isto é um alívio”.