Nem o Ministério da Economia, nem a Direção-Geral de Energia e Geologia, nem o Tribunal de Contas, nem a Boston Consulting Group (BCG). Nenhuma destas entidades conseguiu encontrar o contrato de prestação de serviços de João Faria Conceição, então quadro da consultora BCG, ao gabinete do ex-ministro da Economia, Manuel Pinho, de acordo com informação enviada à comissão parlamentar de inquérito às rendas da energia, a que o Observador teve acesso.

Por iniciativa do Bloco de Esquerda, os serviços da comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas dos produtores de eletricidade solicitaram a várias entidades informação específica sobre a contratação entre o Ministério da Economia e a consultora onde João Conceição era quadro. E perante a constatação de que não foi encontrada documentação que encaixa neste pedido, o Bloco vai pedir PGR informação sobre o inquérito judicial às rendas da EDP.

Questionado sobre o vínculo contratual do seu consultor, Manuel Pinho respondeu: “Parto do princípio que seria o Ministério, mas como ministro não tenho de saber.” Na audição realizada esta semana, o ex-ministro referiu não se lembrar das circunstâncias do convite para o seu gabinete, apesar de recordar que João Conceição “era licenciado num dos cursos de mais difícil entrada, engenharia aeronáutica” e que “tinha experiência na área da energia”.

Apontado como um dos especialistas que preparou a solução jurídica e técnica dos custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC), o regime de venda de energia das centrais da EDP, João Conceição é atualmente administrador da REN (Redes Energéticas Nacionais).  O percurso do gestor que foi da consultora para o Ministério da Economia e depois para a administração de uma empresa de energia tutelada pelo mesmo Ministério é um dos casos que sustentam a tese das portas giratórias, uma das matérias que tem estado sob o escrutínio da comissão de inquérito.

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Conceição não foi o único quadro da Boston a ir parar a empresas de energia depois de ter passado pelo Governo com funções de apoio técnico a decisões políticas e diplomas que diziam respeito às empresas que os vieram a contratar. Ricardo Ferreira, atual diretor da EDP, também deu esse salto.

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Os dois quadros testemunharam na comissão de inquérito sobre a solução que ajudaram a construir quando passaram pelos gabinetes para compensar as centrais da EDP pela venda da energia no mercado. O regime dos CMEC, defenderam, é equilibrado e não gerou rendas excessivas para a elétrica.

Questionado sobre a passagem dos gabinetes ministeriais para as empresas, João Conceição respondeu:

Quando estamos a falar de “empresas com o tamanho da EDP e da REN num país com o tamanho de Portugal, é muito pouco provável que qualquer prestador de serviços que tenha trabalhado para o setor da eletricidade o tenha feito sem ser para estas duas empresas”.

Já Miguel Barreto que foi diretor-geral da Energia, vindo da Boston, não foi trabalhar para uma empresa de energia portuguesa, mas criou uma empresa de certificação energética com a Martifer, que mais tarde foi vendida à EDP.

Pela sua intervenção neste dossiê, João Conceição foi constituído arguido no quadro do inquérito judicial às suspeitas de favorecimento da elétrica. A Boston Consulting Group, que também colaborou com vários governos nestes temas, foi alvo de buscas no quadro do inquérito a decisões que alegadamente favoreceram a EDP.

O antigo quadro da BCG esteve no gabinete de dois ministros da Economia, a trabalhar em temas de energia, nomeadamente relacionados com o mercado ibérico de eletricidade e o regime legal aplicável às empresas de produção de eletricidade que veio a dar origem aos CMEC. Primeiro, com Carlos Tavares e o secretário de Estado, Franquelim Alves, mas através de requisição à consultora Boston Consulting Group feita em 2003. A comissão de inquérito recebeu a informação sobre este contrato da secretaria-geral do Ministério da Economia.

A requisição terminou em julho de 2004 com a demissão de Durão Barroso e a substituição do ministro da Economia. Mas João Faria Conceição voltou a colaborar com o Ministério da Economia de Manuel Pinho a partir de 2007, segundo o próprio declarou na comissão parlamentar de inquérito.

“Em abril de 2007, na sequência de uma solicitação de apoio de consultoria por parte do Ministro da Economia, Dr. Manuel Pinho, fui incumbido, pela BCG [Boston Consulting Group], de apoiar o gabinete, como consultor, em diversas áreas do setor. Em concreto, participei inicialmente na coordenação das diversas atividades técnicas necessárias para o arranque efetivo do MIBEL (mercado ibérico de eletricidade), a 1 de julho de 2007.”

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Foi na sequência destas declarações produzidas na audição de João Conceição que o Bloco de Esquerda pediu informação específica sobre a contratação que terá durado até 2009. No entanto, as entidades contactadas do lado do Estado, nomeadamente Ministério da Economia, que remeteu para a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), a DGEG e o Tribunal de Contas, responderam não ter identificado nos seus arquivos qualquer documento que confirme um contrato de prestação de serviços com a consultora.

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Também a BCG, em resposta à comissão de inquérito, afirmou que não foi possível encontrar nos respetivos arquivos “qualquer contrato de prestação de serviços que tenha enquadrado especificamente a presença do Engº João Conceição no gabinete do ministro da Economia no período referenciado, entre 2007 e 2009”. Miguel Abecassis, senior partner da consultora, ressalva que “isso não significa, necessariamente que tal documento não tenha existido, mas apenas que o mesmo não se encontra atualmente nos arquivos da BCG”. Acrescenta ainda que tal ausência poderá ser explicada pela antiguidade do documento e pelo acervo documental da consultora ser removido com regularidade, uma vez terminado o prazo legal para manter documentos.

Contactado pelo Observador para prestar esclarecimentos sobre o contrato que o levou a trabalhar com o Ministério da Economia entre 2007 e 2009, João Conceição não respondeu, para já.

A consultora informa que João Conceição rescindiu contrato com a BCG em agosto de 2008. No entanto, e de acordo com a informação prestada pelo próprio na comissão de inquérito, no início de 2009 ainda estava a colaborar no lançamento de várias medidas do Ministério na vertente da eficiência energética, nomeadamente a medida de promoção do solar térmico residencial. Em maio de 2009 é comunicada a entrada de João Faria Conceição na administração da REN para concluir o mandato de Fernando Soares Carneiro, tendo sido reconduzido em futuras assembleias gerais no cargo de administrador executivo que ainda desempenha. Na altura, o Estado era o maior acionista da gestora das redes, mas o convite veio de um acionista privado, disse Conceição no Parlamento.

Entre as atividades que desempenhou no ministério de Manuel Pinho, Conceição destacou a conclusão de questões legais, regulatórias e operativas cuja responsabilidade estava cometida à DGEG, à ERSE, à REN e ao OMIP, algumas das quais relativas ao processo de cessação antecipada dos CAE (contratos de aquisição de energia), que foram substituídos pelos CMEC. Também referiu estar envolvido em trabalhos no quadro da presidência portuguesa da União Europeia, em especial no projeto da BCG de apoio à elaboração do Plano Tecnológico para a Energia (SET Plan), lançado durante a referida presidência, e que se prolongou para o início de 2008.

Este documento também é referido pela Boston que o envia em versão reduzida (150 páginas), e em português, aos serviços da comissão. Além deste documento, a empresa não encontrou outros estudos ou relatórios feitos por João Conceição enquanto consultor em funções de assessor do Ministério da Economia.

Perante esta ausência de provas documentais do pedido de apoio do gabinete de Manuel Pinho à consultora BCG, o Bloco de Esquerda considera que é importante identificar quem efetivamente financiou a prestação de serviços da consultora ao então ministro da Economia. Nessa medida, pede à comissão que solicite à Procuradoria-Geral da República que remeta ao Parlamento todos os documentos associados à investigação em curso na denominada “Operação Ciclone”, ou a outra com relevância no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito, e que não tenham ainda sido remetidos nesta data, nomeadamente aqueles que já estão disponíveis para consulta na PGR e noticiados pela comunicação social nas últimas semanas.