Se é suficientemente estranho (e raro) encontrar espécies em que as fêmeas têm pénis e os machos apenas vaginas, ainda mais surpreendente é perceber que estes pénis evoluíram de forma independente em dois grupos de insetos das cavernas aparentados —os Neotrogla da América do Sul e os Afrotogla do sul da África. Os resultados foram publicados na revista científica Biology Letters.

O alimento nas cavernas não abunda, nem mesmo para os insetos que têm o árduo trabalho de raspar material orgânico das superfícies. Por isso, algumas espécies de fêmeas terão evoluído no sentido de se tornarem mais competitivas na busca por alimento — e por parceiro sexual. Até porque o sémen dos machos é altamente nutritivo.

Este incentivo nutricional faz com que as fêmeas procurem ativamente machos com quem acasalar e se esforcem por manter cópulas prolongadas — numa das espécies, por exemplo, pode chegar às 70 horas. Aos machos, às vezes presos por pénis com pequenos espinhos, não lhes resta alternativa se não continuar a fornecer sémen às fêmeas (uma vez que, apesar de não terem pénis, o sémen é sempre produzido pelos machos). Aqui, a competição das fêmeas não é só para garantir que deixam descendentes, mas para assegurarem a própria sobrevivência.

O macho (à esquerda) e a fêmea (à direita) de ‘Neotrogla curvata’ durante o acasalamento. O pénis da fêmea (destacado a vermelho) tem a base inchada para servir de âncora — Yoshizawa et al. Biology Letters, Nov. 21, 2018

A análise morfológica dos pénis de Neotrogla e Afrotogla — há ainda um terceiro grupo aparentado, mas as fêmeas não têm órgãos tão desenvolvidos —, assim como a geografia e a árvore evolutiva, levaram os investigadores a concluir que os pénis evoluíram de forma independente nos dois géneros de psocídeos (os tais insetos das cavernas). Mais: mesmo dentro dos Neotrogla (o grupo da América do Sul), uma das espécies acabou por simplificar o tipo de pénis e perdeu os espinhos. Para esta espécie, a pressão dos predadores pode ser menor ou os machos podem ter um papel mais ativo na escolha das parceiras, apontam os investigadores.

Do lado dos machos também houve evolução: para as espécies cuja fêmea tem espinhos, as vaginas têm bolsas para acomodar esses espinhos, de tal forma que os investigadores não encontraram lesões nos machos resultantes da cópula, ainda que estes machos possam ser forçados ao acasalamento. A quantidade de sémen nutritivo que o macho oferece à fêmea pode, segundo a equipa, depender do estímulo que esta lhe consegue dar durante a reprodução.

Perceber a evolução dos pénis destas fêmeas cavernícolas pode trazer mais informação do que os hábitos invulgares destes insetos com órgãos genitais trocados — pode mesmo ajudar a explicar a evolução e enorme diversidade dos pénis de machos das outras espécies de animais. “Uma das mais importantes funções do pénis e da vagina é assegurar a entrega do sémen em meios não aquáticos. Contudo, acho que a seleção sexual é um fator mais importante para a evolução dos pénis dos machos”, diz Kazunori Yoshizawa, investigador na Universidade Hokkaido (Japão) e coordenador do trabalho.

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