Está em marcha um golpe de Estado no PSD. Os opositores a Rui Rio já reuniram as tropas, contaram espingardas e estavam só à espera de um sinal do general desejado. “Este estado de coisas tem de acabar e isto tem de mudar”, avisou esta quarta-feira Luís Montenegro. Estava dado o “pontapé de saída”, mas a frente anti-Rio quer mais: um compromisso mais claro para avançar para a batalha final. Até isso Montenegro promete: “Muito em breve falarei sobre o estado do PSD e falarei mesmo sobre o futuro do PSD”, disse aos microfones da TSF. O campo de batalha (um Conselho Nacional extraordinário) e a arma (uma moção de censura) já estão escolhidas, só falta mesmo quem se disponibilize a enfrentar Rui Rio em diretas a nove meses das Legislativas. E esse é o passo que Montenegro (ainda) não deu.

O calendário dos opositores não é inocente. “É agora ou não é”, explicou um dos descontentes ao Observador. O timing escolhido foi esperar que Rui Rio completasse um ano à frente do partido — o que acontece no próximo domingo, dia 13 — para dar o “benefício da dúvida”, por um lado e, por outro, permitir que seja escolhido um novo líder a tempo do arranque do calendário eleitoral: as eleições europeias são já em maio, a alguma distância das legislativas, que são a 6 de outubro.

O objetivo inicial dos conspiradores, sabe o Observador, era que não fossem tornadas públicas as discussões sobre a possibilidade de afastar Rio, de forma a causar um “efeito-surpresa” que deixasse mais vulnerável a atual direção. Mas, na terça-feira, o Público noticiou que tinha existido uma “reunião secreta” entre alguns líderes distritais, onde foi discutida a possibilidade de afastar o atual presidente por via do Conselho Nacional.

Ao que o Observador apurou, a reunião realizou-se na Assembleia da República e uniu os presidentes da distrital de Lisboa (Pedro Pinto), de Viseu (Pedro Alves), de Coimbra (Maurício Marques), de Setúbal (Bruno Vitorino) e de Santarém (João Moura). O Observador tentou contactar todos estes líderes distritais, mas não conseguiu chegar à fala com alguns e outros não quiseram confirmar a presença. No entanto, todos foram vistos, juntos, no Parlamento por outros deputados da bancada social-democrata. Pedro Pinto terá sido, sabe o Observador, um dos mais ativos na reunião, tendo levado as contas todas feitas: quantos conselheiros são precisos e quanto tempo levaria todo o processo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Vários dos críticos de Rio que já aguardavam um sinal de Montenegro (ou de alguém) há algum tempo, gostaram de ouvir a declaração desta quarta-feira à TSF: “Vi com agrado o sinal que deu, mas tem de ser mais claro”, diz um deles. “Cinco distritais apenas não chegam, é preciso mais”, diz outro, referindo-se à reunião “secreta” de sexta-feira. Um dos argumentos usados pelos apoiantes de Rio é que as maiores distritais estão do lado de Rio, como é o caso do Porto e Aveiro (ou até Braga, que tem uma lógica própria e mais distante da direção). Mas o argumento usado pelos críticos é outro: as distritais, nesta fase do campeonato, valem todas o mesmo. Não interessa se são grandes ou pequenas.

A “bomba atómica” e o poder das distritais

A arma que têm em mãos é o artigo 68 dos estatutos do PSD, que diz respeito às moções de confiança e de censura. Dizem os estatutos que “as moções de censura deverão ser subscritas por um mínimo de um quarto dos membros da assembleia competente, no pleno gozo dos seus direitos” e que “a aprovação de uma moção de censura exige o voto favorável da maioria absoluta dos membros presentes da assembleia competente (…) e implica a demissão da Comissão Política”. Ou seja, é preciso recolher assinaturas de um quarto dos conselheiros nacionais para avançar com uma moção de censura, que, sendo aprovada pela maioria absoluta dos conselheiros, obrigaria, “num prazo de 120 dias”, à convocação de um congresso extraordinário.

Diz o ponto 7 do mesmo artigo: “A aprovação de uma moção de censura à Comissão Política Distrital ou a demissão desta, fazem cessar os mandatos da Mesa, do Conselho de Jurisdição Distrital e dos membros eleitos à respetiva Assembleia”. É essa a pista onde os críticos de Rio querem correr.

Se há uma maioria anti-Rio no Conselho Nacional, essa é a questão. Segundo várias fontes ouvidas pelo Observador, desde o primeiro dia, quando Rio e Santana fizeram listas conciliatórias para o Conselho Nacional, ficou claro que Rio não tinha uma maioria clara naquele órgão máximo entre congressos — que reúne 70 conselheiros eleitos, mais 10 elementos da JSD, 5 dos TSD, 5 dos ASD e os presidentes das distritais sociais-democratas. Mas todos reconhecem que não é muito fácil saber, em alguns setores, quem está com quem. “Nestas alturas, em partidos grandes, nunca sabemos ao certo: há sempre pessoas que dizem que vão fazer uma coisa e depois fazem outra, há de tudo”, confidencia uma fonte.

A verdade é que, para fazer aprovar uma moção de censura, não importa o peso que cada distrital tem no seio do PSD, porque valem todas o mesmo no Conselho Nacional. “Aqui não interessa se as distritais maiores estão com o Rio, porque não há nada intermédio, só há a bomba atómica”, diz uma fonte ao Observador, comparando a moção de censura que os conselheiros têm em mãos, e que fará cair a direção de Rio, com o poder presidencial de dissolver a Assembleia da República, apelidado na gíria de bomba atómica.

A bomba atómica vale para os dois lados, sublinha a mesma fonte: se os críticos podem avançar com a moção de censura, também a comissão política nacional podem avançar com uma de confiança. “No lugar deles eu já tinha apresentado uma moção de confiança”, diz a mesma fonte, admitindo que se essa moção fosse aprovada, deixava de haver margem de manobra para os conspiradores.

O peso das distritais entra na segunda fase do processo: se a moção de censura for aprovada, terá de haver eleições diretas para a escolha de um novo líder. E aí sim, entra não só a contagem de espingardas a sério como também a possibilidade de outros rostos irem a jogo, como Paulo Rangel ou Pedro Duarte, ou Miguel Pinto Luz, que se têm posicionado como futuros candidatos à liderança do partido. Portanto, o terreno está cheio de minas, resta saber o que fará Luís Montenegro. Para já, fica apenas a promessa: “Muito em breve falarei”.

Rui Rio não está preocupado e responde com ida para a estrada

Enquanto as movimentações decorriam esta terça-feira, Rui Rio convocava os jornalistas para uma pouco habitual conferência de imprensa na sede do partido a propósito da reunião da comissão política nacional, que ali decorria. Sobre as conspirações internas, contudo, pouco ou nada disse. “Não vou comentar”, começou por dizer o presidente do PSD. Os jornalistas insistiram: então a direção ignora então as críticas de Luís Montenegro? “Uns ignoram, outros não. Eu não ouvi, já me contaram”. Mas teme uma moção de censura? Nesse caso, Rio limitou-se a sorrir.

A resposta aos críticos surgiu de outra forma, mais indireta: com Rio a mostrar trabalho, a mostrar quantos novos militantes aderiram ao PSD no sei reinado e a mostrar que está na estrada a preparar o ano eleitoral que agora arranca. Primeiro, os novos  militantes de 2018: 5821 militantes entraram e 872 tiveram vontade de sair, ou seja, um balanço positivo de mais 4949 militantes. Com isto Rio quis dizer que os militantes que o elegeram, o PSD das bases, está com ele e que este é um sinal que a sua estratégia não tem de mudar.

Rio diz que “PSD não é pequeno” e desvaloriza críticos: “Não ouvi, já me contaram”

Depois, a obra em andamento. Disse que ia já a partir de quinta-feira arrancar com a parte logística das Europeias — tarefa para a qual mandatou o secretário-geral José Silvano — como também ia começar a resolver a “parte política”. Ou seja: escolher a lista e o cabeça de lista. “Ainda não tratei de nada, mas a partir de agora vou começar a tratar”, atirou. O presidente do PSD consegue assim dois objetivos: mostra que já está a meio de um processo eleitoral (logo não é aconselhável afastá-lo) e condiciona eventuais dissidentes, sobretudo os que desejam integrar a lista a Bruxelas.

Mais: a 16 de fevereiro vai realizar-se uma mega-convenção do Conselho Estratégico Nacional, em Santa Maria da Feira, onde são esperadas cerca de 1500 pessoas. O evento terá 17 reuniões, 17 salas a funcionar (as 16 secções temáticas do CEN, e uma 17ª com a reforma do sistema político). Ou seja, está tudo a andar, na óptica de Rio. Interromper agora seria parar um comboio em andamento, e o desastre podia ser ainda maior do que deixá-lo chegar à paragem.