Os norte-americanos Maroon 5 vão ser os protagonistas do intervalo do Super Bowl, oficializou a National Football League (NFL), a liga desportiva de futebol americano, em meados de janeiro. O espetáculo, que vai ser coordenado por Hamish Hamilton, o mesmo realizador dos Óscares e dos MTV Music Awards, também vai contar com a presença dos rappers Travis Scott e Big Boi, natural de Atlanta, a cidade que acolhe a grande final. Mas o programa previsto para o momento musical mais visto do ano levantou tantas críticas que a NFL cancelou a tradicional conferência de imprensa com os artistas. Tudo porque o efeito Colin Kaepernick ainda paira no futebol americano.
O fantasma remonta a 2016, e ao dia em que o quarterback dos San Francisco 49ers se ajoelhou quando o hino norte-americano começou a tocar poucos minutos da partida com os Green Bay Packers. “Não me vou levantar e defender o orgulho por um país que oprime as pessoas de cor. Para mim, isso é maior que o futebol e seria egoísta da minha parte olhar para o lado. Há cadáveres nas ruas”, explicou. Colin Kaepernick repetiu o protesto em dois jogos da pré-época e, mais tarde, contra os San Diego Chargers. Depois disso nunca mais foi contratado por nenhuma equipa.
O protesto de Colin Kaepernick, que ao ajoelhar-se queria mimetizar uma bandeira a meia haste, tinha como raízes as histórias de violência policial alegadamente cometida contra negros nos Estados Unidos à época. O atleta tornava-se assim um dos principais símbolos do movimento Black Lives Matter. A seguir veio Beyoncé, que naquela mesma época aceitou atuar no intervalo do Super Bowl mas apareceu vestida de forma semelhante ao grupo extremista revolucionário Black Panthers. Também ela foi alvo de críticas.
Obama elogiou-o, Trump criticou-o. E a NFL ressentiu-se e entrou num ano assombrado. A época seguinte, a de 2017, não tinha recolhido mais de 14.772 milhões de telespectadores à oitava semana, um recuo de 5% nos valores da primeira metade da época de 2016 e muito abaixo dos 18.167 milhões que tinham assistido aos jogos em 2015. Quase um terço das pessoas sondadas estava a assistir a menos jogos, e entre aquelas que viam as partidas, 52% admitia estar menos motivado para o fazer por causa dos protestos dos atletas durante o hino nacional.
A NFL disse que a culpa era das presidenciais norte-americanas, que estariam a desviar atenções, tanto que as audiências aumentaram depois de Trump ter sido eleito. No entanto, uma coisa era evidente: “As pessoas estão a reagir a algo que não veem, porque normalmente o hino nacional não é transmitido”, dizia um estudo da Seton Hall Sports Program. Mesmo que a diminuição das audiências não fosse motivada pelo protesto de Colin Kaepernick, ela tinha chamado a atenção para a ação do quarterback.
O ano assombrado da NFL. Como o duelo Trump-Kaepernick arruinou as audiências do futebol americano
Passaram-se três anos desde que Colin Kaepernick se ajoelhou perante o hino norte-americano, mas o fantasma ainda ronda o mundo do futebol americano sempre que o Super Bowl se aproxima. É que desde o protesto que o quarterback não é contratado por qualquer equipa. Treina diariamente para não perder as características físicas de que precisa para jogar, mas dedica-se quase exclusivamente a causas solidárias e a participações em grupos ativistas. No mesmo dia em que fez o protesto transferiu um milhão de dólares a instituições de caridade centradas em questões raciais. E é nisso que se concentra desde então.
Acontece que muitos artistas acreditam que o desaparecimento súbito de Colin Kaepernick da NFL é, na verdade, um afastamento forçado, como se o quarterback tivesse sido posto na lista negra do futebol americano. Banido. Nenhuma equipa quereria contratá-lo porque seria uma associação às causas que ele defende. E porque é que isso seria um risco para o negócio? Alegadamente porque, embora 80% dos fãs afro-americanos da NFL tenham uma imagem favorável de Colin Kaepernick, essa opinião só é partilhada com 36% dos fãs caucasianos. Mas 77% dos afro-americanos e 56% dos caucasianos concordam que o desaparecimento do quarterback está relacionado com as visões políticas do jogador.
À conta disso, vários artistas têm sido sondados para participar no intervalo do Super Bowl mas recusaram. Rihanna foi a primeira escolha para o intervalo do Super Bowl LIII mas rejeitou o convite “porque apoia Colin Kaepernick”. Os representantes da cantora tentaram convencê-la a aceitar, mas a artista negou porque queria “manter-se leal àquilo que está certo aos olhos dela”.
A seguir, Cardi B seguiu-lhe o exemplo e disse que não atuaria no Super Bowl “enquanto não voltassem a contratar Colin Kaepernick”. E essa não era a única vez em que protegeria o quarterback. Quando entregou o prémio a Demi Lovato durante o MTV Video Music Awards, Cardi B repetiu: “Colin Kaepernick, enquanto te ajoelhares por nós, nós vamos manter-nos de pé por ti, querido. É isso mesmo. Já disse”.
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Disse e não foi a primeira a fazê-lo. Jay-Z era dado como garantido na atuação do Super Bowl em 2018, mas o espetáculo acabou por ser conduzido por Justin Timberlake. Bastava estar atento à letra da canção “Everything is Love” para perceber que o marido de Beyoncé não estava disponível: “Eu disse não ao Super Bowl, vocês precisam de mim, eu não preciso de vocês. Todas as noites estamos na end zone, digam à NFL que estamos nos estádios também”.