Estamos em junho de 2018. Os corações dos amantes de futebol americano começam a palpitar com a aproximação de uma nova época desportiva – sempre no fim-de-semana seguinte à primeira segunda-feira de setembro. As equipas estão escolhidas e os adeptos prontos. Os jogadores anseiam para que setembro chegue depressa. Todos os jogadores. Ou melhor, todo menos um: Julian Edelman. Tudo porque, na primeira semana de junho de 2018, saiu a confirmação que o jogador natural da Califórnia estava suspenso por acusar positivo num teste anti-doping, violando as regras da NFL.

Foram quatro jogos de suspensão e logo num momento frágil para o atleta. Não que haja bons momentos para se ser suspenso por questões deste género, mas naquele junho de 2018 aquilo que Edelman mais quereria era entrar no relvado e jogar: na temporada anterior, de 2017, não fez um único jogo devido a lesão. Bastou uma “simples” partida de pré-época, frente aos Detroit Lions, para romper o ligamento cruzado anterior e ficar afastado até ao ano seguinte.

Regressou a 4 de outubro de 2018, na quinta ronda da fase regular do campeonato. Até ali, com quatro jogos disputados, os New England Patriots, a sua equipa, tinham perdido dois e vencido outros tantos. Não havia motivos para uma extrema felicidade. A partir do regresso, frente aos Indianapolis Colts, foram seis vitórias consecutivas na melhor fase da temporada. Uma sequência muito importante para deixar os Patriots no segundo lugar da conferência na fase regular.

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A partir daqui, Edelman fez aquilo de que mais gosta. Receber, correr e levar os New England Patriots a mais uma vitória na Super Bowl. Para ele foi a quinta final. Perdeu duas, ganhou três. A última foi especial: foi o MVP (Most Valuable Player, que é como quem diz Jogador Mais Valioso) da final deste domingo, que venceu, frente aos Los Angeles Rams, tornando-se apenas o terceiro jogador da equipa a receber a distinção depois de Tom Brady (quatro) e Deion Branch. Tudo numa história que começou como 232.º no draft de 2009, onde teve de esperar pela sétima ronda para ser escolhido. Agora, restará cumprir a “promessa” que fizera antes deste capítulo de sonho no final de uma década de carreira: desfazer-se da barba.

Mas as conquistas vão para além disto. Para além dos números, para além das conquistas por si só. As grandes vitórias de Edelman são conseguidas pela marca e história que tem. Edelman foi o MVP do último Super Bowl mas muitos já o foram. Mas nenhum era judeu, como várias publicações destacaram no domingo. Julian nem sempre o foi, mas quando se tornou devoto, dedicou-se 100% à crença. No ano passado, depois do assassinato de 11 fiéis durante os cultos matinais do Shabat, na sinagoga Árvore da Vida em Pittsburgh, Edelman tweetou o nome das vítimas e usou umas chuteiras especiais.

Uma dedicação que não é só religiosa e que vai até à filosofia de trabalho do wide receiver. É o chamado workaholic, um viciado em trabalho. “Já houve situações, mais do que uma vez, em que os seguranças do ginásio dos Patriots o tiveram de mandar embora, porque ele estava a treinar fora de horas”. Quem o diz é Duarte Carreira, comentador de futebol americano da Eleven Sports. A frase faz lembrar alguém? “Olhando para a filosofia de trabalho, ele é um pouco como o Cristiano Ronaldo”. A opinião não é só de quem vê NFL, mas também de quem a vive. “Ninguém trabalhou mais na minha carreira para desenvolver as suas habilidades numa posição do que o Julian”, diz Bill Belichick, treinador dos Patriots.

Mas o legado de Edelman não se fica pelos relvados e pela bonita história de superação desta temporada. Fora de horas é escritor de livros infantis. Já lançou dois, da mesma coleção. Flying High conta-nos a história de superação de um esquilo que gosta de jogar futebol americano mas que tem uma série de obstáculos pela frente, alguns dos mesmos que Julian encontrou. O principal é o facto de ser pequeno e franzino – Edelman mede apenas 1,78 m, baixa estatura para a sua profissão e posição. A escolha do protagonista também não é inocente, já que o jogador era conhecido como “Esquilo” em criança por ser pequeno e irrequieto.

Agora é aproveitar a glória. Mais uma vitória numa Super Bowl e pela primeira vez MVP do jogo que parou os EUA. Pode não ser o jogador mais famoso. Pode não ter sido o melhor receiver ou não ter feito mais jardas do que muitos outros. Pode não ser o “Cristiano Ronaldo do futebol americano”, no que toca à relevância, à técnica e à fama. Mas, neste momento, a NFL é de Julian Edelman. E sobre não ser Cristiano: se não se aproxima no reconhecimento global, está lá perto em dotes de modelo. E até já dividiu o palco com Sara Sampaio numa produção, uma conquista que o CR7 ainda não conseguiu.

Julian Edelman já partilhou o foco com Sara Sampaio em algumas campanhas publicitárias de uma marca de roupa