A rainha era a favorita e a favorita venceu. Olivia Colman e a sua Rainha Ana de Inglaterra, Escócia e Irlanda levou o Óscar de Melhor Atriz para casa. Surpresa? Não, era a favorita de todas as favoritas, das nomeadas e das suas colegas – Emma Stone e Rachel Weisz – que estavam nomeadas para Melhor Atriz Secundária pela sua prestação em “A Favorita”, de Yorgos Lanthimos. Sim, repete-se muitas vezes “favorita” neste parágrafo. Mas há uma razão: isto, apesar de tudo, foi algo inesperado. E “A Favorita” é um ótimo exercício das suas atrizes. E, bem, um ótimo documento sobre os riscos de se pisar os calos a alguém. Há sempre alguém com saltos maiores.
Colman, 45 anos, parecia mais surpresa do que nós por estar a levantar a estatueta. Talvez por ir um bocado contra a corrente do sistema, talvez pela sua cara estar mais associada à televisão. À televisão britânica. A sua carreira tem-se alimentado – sobretudo – disso. Deu nas vistas em “Peep Show”, “That Mitchell and Webb Look”, “Rev”, “Broadchurch”, “Fleabag” – a fabulosa série de Phoebe Waller-Bridge, também responsável pela não menos esquizofrénico-fabulosa “Killing Eve” – e neste ano vamos poder vê-la noutro papel de rainha, no de Isabel II na terceira temporada de “The Crown”.
Tanta rainha? Há mais, em “Hyde Park On Hudson” interpretou a mãe de Isabel II, ou seja, a Rainha Mãe, e enquanto Meryl fazia de Margaret Thatcher em “A Dama de Ferro”, Colman estava ocupadíssima em ser a sua filha, Carol Thatcher. Foi a única Thatcher na sua carreira? Também não, tem uma personagem chamada Doris Thatcher em “Hot Fuzz – Esquadrão de Província”. Isto já no cinema.
“A Favorita”: a rainha instável, a favorita arrogante e a jovem usurpadora
A inglesa já havia trabalhado com Yorgos Lanthimos, em “A Lagosta”, mas no geral a sua carreira no cinema é discreta, preenchida com papéis secundários ou de pouco destaque, com alguns filmes de relevo como “Tyrannosaur”, de Paddy Considine, ou quando foi só uma voz em “Locke”, de Steven Knight. Uma mulher da televisão transformada em estrela de cinema? Não, o humor e a extrema passividade em constante pânico de Olivia Colman só estavam à espera do momento certo que lhes servisse para um papel principal.
Em “A Favorita” serviu-nos o prato inteiro. Também mostra como sabe estar presente quando está ausente e contamina as outras duas protagonistas – Stone e Weisz – sem fincar o seu pé. Aliás, quando finca o seu pé, dói, mete um ponto final. É quando se percebe que ela esteve sempre lá e dominou a atenção do espectador durante mais tempo do que este entendeu. É uma conquistadora nata e, por isso, a figura de líder fica-lhe bem. A Rainha Ana foi certamente um estágio para aquilo que se verá em “The Crown”, de volta à televisão, mas agora com mais olhos a saberem o seu nome.