Pela primeira vez, em França, a faixa etária dos 18 aos 34 anos levou vantagem na procura de intervenções estéticas em 2018, antecipando-se ao intervalo dos 50 e 60 anos. Os dados foram divulgados durante o IMCAS de 2019 – um importante congresso de medicina estética que teve lugar em Paris — no início de fevereiro, e partilhados pelo Le Figaro. 

A confirmar a tendência, nos Estados Unidos da América, por exemplo, segundo dados da American Society of Plastic Surgeons de 2017, foram feitos mais de 7 milhões de injeções de botox e quase 3 milhões de preenchimentos faciais. De acordo com o mesmo relatório anual sobre as intervenções estéticas, o número de mulheres americanas com idades entre os 19 e os 34 anos a realizar procedimentos estéticos não invasivos aumentou 41%.

Também em Portugal, “as pessoas mais novas procuram cada vez mais” este tipo de intervenções e pelas razões mais variadas. Segundo Francisco Ibérico Nogueira, cirurgião plástico que esteve presente no congresso de Paris, os portugueses procuram alterar o contorno dos lábios, por exemplo, ou até mesmo as maçãs do rosto. “Hoje em dia há uma pequena cirurgia que as raparigas procuram muito: a bichectomia. Esta faz com que a face fique um pouco mais cavada”, partilha o médico, com 40 anos de experiência na área da estética.

Ainda no capítulo das intervenções mais requisitadas, em França são as injeções de ácido hialurónico, as de botox e os peelings. Estes métodos, não invasivos, permitem aumentar o volume de algumas áreas do rosto – lábios ou maçãs do rosto, por exemplo -, corrigir imperfeições na pele ou retardar o envelhecimento da mesma. Segundo o jornal francês, as intervenções demoram cerca de 30 minutos e podem chegar aos 300 euros.

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Porque quer esta geração mudar toda a sua aparência?

Mas uma das principais questões em cima da mesa é o fator redes sociais, assunto que fez parte do alinhamento do referido congresso de especialistas do setor. O Instagram, ou até as aplicações de manipulação de imagem, surgem como as principais referências dos jovens na hora de retocarem algumas caraterísticas faciais, já que cada vez mais influencers partilham os resultados das suas intervenções nas suas redes sociais. As selfies também podem ter alguma influência neste fenómeno. “Ultimamente tenho percebido que o fenómeno das redes sociais tem uma importância impressionante na capacidade de precisão das pessoas no tipo de tratamentos que procuram”, admite Ibérico Nogueira ao Observador.

O tema desperta alarme dos dois lados do Atlântico. De acordo com uma publicação no Jornal da Associação Médica Americana (JAMA), as redes podem alterar a perceção de beleza e levar a que os utilizadores procurem aproximar-se dessa realidade através de intervenções estéticas.

Kim Kardashian é das maiores referências quando se fala em intervenções estéticas. Foto: AFP/Getty Images

E não são apenas as mulheres quem mais procura este tipo de tratamentos. “Há uma procura cada vez maior da parte dos homens. Tratamentos de pele, botox, tirar manchas ou pelos em excesso são preocupações cada vez mais recorrentes”, adianta o médico.

A dismorfia corporal e o papel dos psicólogos na área da estética

Se antes havia uma procura de referências de beleza em pessoas reais, o panorama atual afasta-nos dessa tendência. As intervenções estéticas já são procuradas como forma de potenciar as caraterísticas de cada um. “Há uns anos existiam umas personagens copiadas por todas as outras pessoas e hoje o fenómeno é diferente. Cada pessoa procura potenciar as suas próprias caraterísticas, preservando cada vez mais a sua identidade. Os programas de tratamento de imagem facilitam muito essa pesquisa, uma vez que as nossas pacientes já vêm à consulta com um determinado objetivo”, destaca Ibérico Nogueira.

A procura incessante por este tipo de procedimentos pode esconder algo mais profundo. O facto de estar, aparentemente, mais fácil redesenhar e retocar o aspeto com apenas alguns cliques, pode originar comportamentos desviantes que, em casos extremos, trazem à tona distúrbios psicológicos.

Em conversa com o Observador, Filipa Jardim Silva, psicóloga clínica, alerta para a possibilidade da existência de um problema patológico em algumas das pessoas que recorrem a intervenções estéticas e que tem o nome de dismorfia corporal. “As pessoas com dismorfia corporal não se percecionam como são e, independentemente das intervenções que façam, nunca vão ficar satisfeitas”, realça. Segundo a psicóloga, este transtorno faz com que a procura por estes procedimentos se massifique, de tal forma que chega a assumir proporções desmedidas e desfechos a este nível. O facto de nunca estarem completamente satisfeitas com os resultados pode originar “processos na Ordem [dos Médicos] ou reclamações” constantes, alerta.

Botox e preenchimentos: ainda são o bicho papão da cosmética?

Este extremo faz com que, tanto psicóloga, como médico, concordem na necessidade de equipas multidisciplinares que acompanhem estes casos. Francisco Ibérico Nogueira diz ter trabalhado com um psicólogo, em permanência, na sua equipa, mas a ideia nunca foi bem recebida pelos seus clientes. “Continuam a associar [o psicólogo ou psicanalista] a doença mental e, por isso, desisti de ter essa valência na minha clínica”, admite, realçando sempre a importância daquele especialista em determinados casos.

Do lado da psicologia, há o entendimento de que a existência de uma equipa multidisciplinar é “fundamental”. Contudo, Filipa Jardim Silva reconhece que nem sempre existe este acompanhamento e muitas dessas tais equipas que combinam funções são apenas “uma montra”. “Os psicólogos estão lá, as pessoas passam muito brevemente por esses profissionais, mas independentemente do que tenham a dizer, os resultados vão ser sempre os mesmos: as intervenções vão ser feitas. Não é um requisito porque o foco é comercial”.

A psicóloga remete para um “trabalho educacional que os profissionais [da saúde] devem fazer”. “Pode ser só retocar o nariz, mas é importante compreender e conhecer os seus níveis de ansiedade, estilo de vida, perceção de dor, tolerância à frustração ou, ainda, os níveis de expetativa em relação à intervenção. Só um profissional da área da Psicologia é que pode chegar a todas estas respostas de forma mais rápida”, avisa.

Médicos da área da estética e psicólogos parecem concordar com a necessidade de coexistirem e trabalharem em conjunto quando um paciente procura alterar as suas formas. No meio de tentativas falhadas, outras que apenas aparentam funcionar e ainda a resistência de alguns pacientes, parecem ainda haver arestas por limar. Para Filipa Jardim Silva “ainda existe um caminho longo a percorrer” no que toca às intervenções estéticas e o recurso a estas para mais do que potenciar caraterísticas que os que as procuram já possuem.