A Workstation da ModaLisboa é um bocado como a adolescência. Os quatro designers que, esta quinta-feira, apresentaram as suas (pequenas) coleções ou, pelo menos, parte delas, não são crianças, mas também não são adultos. Britney Spears resumiu muito bem este limbo com uma música chamada “I’m Not a Girl, Not Yet a Woman” — tema que, a ser interpretado pelos ditos quatro designers, soaria a algo do género: “Já não sou um finalista do curso de Design de Moda para concorrer no Sangue Novo, mas também ainda não consigo consigo criar uma coleção de 20 coordenados para ocupar a passerelle principal da ModaLisboa”. Não há vergonha nenhuma em admiti-lo (embora o refrão tenha as suas exceções), é o caminho a percorrer até chegar a uma posição com maior visibilidade, até atingir uma certa maturidade, sobretudo enquanto negócio.

António Castro, Cristina Real e Filipe Augusto são repetentes (o que, uma vez que não estamos no liceu, não tem mal nenhum). David Pereira, vencedor do Sangue Novo, em outubro de 2017, juntou-se ao cartel. Durante uma hora, tomaram as Carpintarias de São Lázaro, um espaço recentemente recuperado e convertido em polo cultural. Tiveram de dividi-lo com Jorge Molder, já que o mestre fotógrafo ocupa, por estes dias, as paredes da galeria com a exposição “Jeu de 54 Cartes”. Um privilégio para os rebentos da moda nacional, na nossa opinião. Se na última edição, a estreia da plataforma Workstation decorreu com o verde da Estufa Fria como pano de fundo, agora, a apresentação tirou partido de um espaço amplo, pintado a uma escala de cinzentos.

As Carpintarias de São Lázaro foram o local escolhido para o arranque da 52ª edição da ModaLisboa © JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Num caos perfeitamente harmonioso, António Castro foi o criativo por detrás do quadro mais performático da tarde. O jovem criador passou um mês e meio no Japão, viagem suportada por uma bolsa da Fundação Oriente, e voltou para contar a história. Uma vez lá, foi em busca do que sempre o fascinou: o universo de Kazuo Ohno. Começou pelo guarda-roupa do próprio artista, pai do butoh, dança cunhada no final dos anos 50, passou pelos arquivos da Comme des Garçons e prosseguiu com a jornada em fábricas e oficinas de artesãos no interior do país.

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Ainda na ressaca da “visita de estudo”, como lhe chama, António traduziu referências e materiais na sua própria linguagem — sem género, com uma mistura delirante de padrões, técnicas e texturas e partindo de peças já existentes que desfez e refez, incorporando as suas heranças. Atravessou metade do globo com as malas cheias. Trouxe tecidos e quimonos, mas também teceu as suas próprias peças, às quais juntou ainda restos de fábrica. São peças únicas e irrepetíveis, ao mesmo tempo que a visão geral da coleção não fica alheia a uma imagem boémia e teatral.

Como ondas do mar, as manequins de David Pereira dançaram durante uma hora © JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Quem fez questão de tirar partido do espaço amplo foi David Pereira. As suas manequins deslocaram-se no centro da sala, formando uma roda. Esbracejaram e contorceram-se em movimentos quase sempre ondeantes. A lua e os seus efeitos sobre a água, categoria onde o designer nos inclui a nós, seres humanos, foram o ponto de partida. Afinal, é de água que somos feitos e o jovem criador transpôs a polimorfia deste elemento natural para peças confortáveis, muitas feitas em malha. A produção em massa não é algo que queira seguir. A coleção que acaba de apresentar está garantida, mas não passará de dois exemplares de cada peça.

Cristina Real, ao que parece, deixou muitos coordenados em casa, além dos oito que protagonizaram a apresentação desta quinta-feira à tarde. Na persistente missão de combinar a silhueta feminina clássica com rasgos desportivos, a criadora virou-se para a neve e para os divertimentos que ela proporciona. Na base da coleção está Slim Aarons, o fotógrafo que conseguiu transformar as férias do jet-set em arte. Dos seus retratos em estâncias de esqui e da elite endinheirada que posava como se tivesse nascido só para aquilo, a criadora absorveu as cinturas marcas, os ombros insinuados, a fluidez de um vestido de festa e o volume de um casaco de penas. No final deste mês, Cristina Real voa até à Macedónia e, aí sim, vai levar a coleção completa. Cabe-lhe a tarefa de representar Portugal num encontro de designers de moda provenientes de vários países europeus.

Os bancos da missa de domingo, segundo Filipe Augusto © JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Há um ano, Filipe Augusto sagrou-se vencedor do Sangue Novo. O menswear foi o passaporte para chegar até aqui, a segunda edição da Workstation. O designer no Norte não desilude, nem na forma, nem na história que ela conta. Voltou a trazer aquela que, possivelmente, é a mais quotidiana das inspirações. Fez-nos imaginar uma aldeia do interior, onde os habitantes se aperaltam para a missa de domingo. Uma missa 2.0, convenhamos. Sobre esta base, Filipe Augusto reatualizou as indumentárias — um xadrez berrante aqui, uns calções sobre calças ali, um vestido de renda acolá, tal e qual o véu de uma beata assídua. Com gabardines e pulôveres, o designer completou uma coleção, ainda assim, fiel ao guarda-roupa clássico masculino. Por ele, éramos capazes de nos converter ao catolicismo e de nem nos importarmos que este domingo acontecesse todos os dias.

Conversas, compras e desfiles: saiba tudo sobre a 52ª edição da ModaLisboa

No mesmo dia e local, a ModaLisboa deu lugar às Fast Talks. Na sexta-feira, o evento ruma ao Pavilhão Carlos Lopes para ver desfilar os concorrentes do Sangue Novo, Duarte, Carolina Machado, Valentim Quaresma e Ricardo Preto. O calendário estende-se até domingo, por sinal, dia de missa.