A moda conhece muitas plataformas e dispositivos e o verde da Estufa Fria foi um deles, no arranque da 51ª primeira edição da ModaLisboa, esta quinta-feira. Felizmente, a mudança de hora é só no final do mês. Pelo final da tarde, cinco jovens designers aproveitaram os últimos raios de sol para apresentarem as suas coleções, ou melhor, parte delas para o próximo verão. António Castro, Cristina Real, Filipe Augusto, João Oliveira e Tiago Loureiro podem ter servido de aperitivo para um fim de semana em que a cidade vai respirar moda, mas são mais do que isso. São um vislumbre do caminho que a criatividade nacional está a traçar e uma amostra do que podemos esperar do futuro.

O recreio foi mais real do que parece. Espalhados pelo interior da estufa, os criadores mostraram-se através de grupos de manequins. Esqueça os castings megalómanos, como para cima de 20 corpos em movimentos cadenciado. As apresentações do Wonder Room não foram desfiles, foram pequenas encenações com os modelos a interagirem em jogos tradicionais. Enquanto os observávamos, víamos as roupas. No caso de Tiago Loureiro, cujas cores e comportamento dos materiais formava uma espécie de postal na paisagem verde, o formato é inquestionavelmente mais vantajoso. Privilegia o contacto direto com buyers e clientes finais e não exige o investimento que uma coleção com, no mínimo, 20 coordenados implica.

Coordenado de António Castro © Pedro da Silva

A plataforma desfile é, por isso, questionável. Por duas vezes, a ModaLisboa convidou Tiago a integrar o LAB, para muitos, sinónimo de um desfile a sério, logo, de um passo em frente na construção de uma marca. O jovem designer recusou e soma agora oito participações no evento lisboeta — as primeiras três enquanto participante do concurso Sangue Novo, as últimas quatro num formato de apresentação pop up, integrada no Wonder Room. O nome não mudou, os jovens criadores é que ganharam um espaço próprio.

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“Fazemos o Sangue Novo, mas depois nem toda a gente tem capacidade para saltar logo para o LAB, no entanto há um tecido criativo muito interessante aí no meio e esse estava disperso. Então, criámos uma mini plataforma intermédia para pessoas que, a desenvolverem marcas, não as desenvolvem no sentido de coleção completa, mas sim num sentido mais ágil, mais dos dias de hoje, de coleções cápsula, de mono produto”, explicou Eduarda Abbondanza, presidente da ModaLisboa, numa entrevista dada esta semana, ao Observador.

Coordenado de Filipe Augusto © Pedro da Silva

A “mini plataforma” de que fala Abbondanza não tem de ser só um corredor de acesso à grande passerelle, como prova a estratégia de Tiago. Não admira que lhe tivessem atribuído o passaporte para o calendário principal. O criador pensou o próximo verão em todas as camadas que uma coleção merece ser pensada — cores, materiais, silhuetas, estampados, conceito, modelagem, construção — e todas elas estão em harmonia. Quando soube que a apresentação seria aqui, na maior estufa de Lisboa, pensou imediatamente nas garden parties inglesas. Mas esse foi só o ponto de partida para “The Garden of Today’s Delights”. Qualquer semelhança com a obra de Bosch está longe de ser pura coincidência. Pecados modernos? Sim, Tiago Loureiro ilustrou-os a todos — poluição aquática, gentrificação, aquecimento global e turismo massificado, entre outros — e usou os desenhos para construir os estampados da coleção.

Ao lado, encontramos Filipe Augusto, ele que ganhou a última edição do Sangue Novo, que representou Portugal no festival holandês Fashion Clash, também aí conquistando o primeiro lugar, que voou até Milão para frequentar os cursos de verão oferecidos pela ModaLisboa e que regressou para desenhar a coleção que agora apresenta, de seu nome “Maria”. “É uma referência às senhoras que são domésticas e que usam aquelas batas e aventais, bem à portuguesa”, explica. Dado importante: Filipe Augusto desenha roupa para homem, mas está tudo certo. O xadrez e os padrões florais continuam a ser expressões comum da linguagem do criador, ao mesmo tempo que as camisas e casacos, no corpo dos manequins como se de aventais e bibes se tratassem, continuam a poder ser vestidos da forma mais convencional. Digamos que esta é só uma sugestão de apresentação.

Coordenado de Cristina Real © Pedro da Silva

“Estar aqui também é uma forma de percebermos se estamos a ir na direção certa, em termos estéticos ou mesmo em termos de futuro. Perceber se é mesmo isto que queremos continuar a fazer”, afirma o jovem criador. Mas estar aqui também implicou um processo de seleção. Filipe resolveu-o trazendo para a estufa as peças mais arrojadas da coleção que, naturalmente, é maior. “Há mais liberdade criativa, permite-me trabalhar com materiais menos comerciais, embora 90% da coleção seja, de facto, mais comercial”, conclui.

Tiago Loureiro e Filipe Augusto, tal como Cristina Real, António Castro e João Oliveira vão ter estas e outras peças à venda no Wonder Room, junto ao Pavilhão Carlos Lopes, até ao próximo domingo. No mesmo dia em que se perderam na Estufa Fria, aconteceram as Fast Talks, um debate de ideias em torno do conceito de street fashion e da forma como a rua e os seus fenómenos passaram a ter uma palavra a dizer (a ditar até) sobre o que vestimos.

À noite, o cenário mudou-se para os Paços do Concelho. Numa cerimónia presidida por Fernando Medina, Eduarda Abbondanza foi distinguida com a Medalha de Mérito Cultural da Câmara de Lisboa.

A 51ª edição da ModaLisboa ainda agora começou. O calendário de desfiles arranca esta sexta-feira, 12 de outubro, no Pavilhão Carlos Lopes, e, até domingo, mais de 20 criadores vão apresentar as suas propostas para o próximo verão.