O Partido Popular Europeu atravessou-se como nunca antes no caminho da Hungria de Viktor Orbán, ao aprovar esta quarta-feira a suspensão imediata, e por tempo indefinido, do Fidesz daquela que é a maior família política europeia. A votação, em voto secreto, foi expressiva: de um total de 194 votos, 190 foram votos a favor, houve um nulo e três votos contra.
“Como família política, não podemos apenas ter princípios e falar de valores. Temos, além disso, liderar pelo exemplo. Esperamos de todos nós e dos nossos partidos-membro e associações que cumpram esses valores e esses princípios”, lê-se na moção apresentada pela presidência do PPE, à qual o Observador teve acesso.
“Somos uma família e, por isso, não podemos tomar uma decisão destas de ânimo leve.”
O Fidesz, partido que governa em maioria a Hungria desde 2010, e que desde então tem merecido várias críticas dentro e fora da sua própria família política, está agora obrigado a dar (e a demonstrar que dá) quatro passos, de acordo com a moção.
O primeiro é a retirada de todos os cartazes pagos pelo Estado húngaro, em que, juntamente com uma mensagem eurocética, aparece o Presidente da Comissão Europeia e membro do PPE, Jean-Claude Juncker. O segundo é um compromisso do Fidesz no sentido de garantir que não torna a repetir estes “ataques” no futuro. O terceiro, é a “clarificação” das “questões legais” que levaram a Central European University, fundada e financiada pelo multimilionário e filantropo húngaro-americano George Soros, a sair daquele país. Por fim, o quarto compromisso será o cumprimento da resolução de emergência assumida por toda as partes do PPE no congresso de Helsínquia, em novembro de 2018.
Nessa ocasião, numa declaração que em quase tudo parecia ser dirigida à Hungria de Orbán, o PPE assinou como um todo o compromisso em torno do “funcionamento das instituições democráticas (…) em questões relacionadas com a justiça constitucional; separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário; legislação eleitoral, Direitos Humanos e direitos das minorias”.
A suspensão do Fidesz do PPE será por tempo indeterminado — e a extensão das quatro exigências, que muito dificilmente serão cumpridas nos próximos dois meses, deverá significar que a suspensão durará vários meses para lá das eleições para o Parlamento Europeu, agendadas para 26 de maio deste ano.
O cumprimento das quatro exigências do PPE será monitorizado por um comité liderado por Herman Van Rompuy (ex-primeiro-ministro da Bélgica e antigo Presidente do Conselho Europeu) e composto ainda por Hans-Gert Pöttering (ex-líder do PPE e antigo Presidente do Parlamento Europeu) e Wolfgang Schüssel (ex-chanceler da Áustria).
Até que seja apresentado um relatório em que fiquem demonstradas as alterações exigidas pelo PPE ao Fidesz, o partido de Viktor Orbán estará suspenso de funções na família política do centro-direita. Durante esse período, o Fidesz “não terá quaisquer direitos como partido-membro” do PPE. Quer isto dizer, por exemplo, que não terá direito a voto em reuniões do grupo e tampouco poderá estar presente nelas. Além disso, o Fidesz estará impedido de propor candidatos para cargos.
De acordo com o documento, a retirada de direitos do Fidesz em caso de suspensão foi acordada entre o próprio Viktor Orbán e a presidência do PPE. Fonte do PPE adiantou ao Observador que estas condições foram negociadas até à noite de terça-feira, véspera do encontro. Porém, na reunião desta quarta-feira, diz a mesma fonte, Viktor Orbán e os representantes do Fidesz apresentaram resistências a aceitarem este acordo, o que deixou a impressão de que o partido húngaro podia abandonar o PPE. Porém, o líder do Fidesz acabou por ceder no final — momento em que soaram palmas na sala.
A gota de água foram os cartazes, mas o copo já estava cheio
Esta foi a primeira vez que o PPE levou à mesa de discussão a possibilidade de suspender ou expulsar o Fidesz, previsto no Artigo 9 dos estatutos daquela família política.
Este processo teve início depois de vários partidos do PPE — entre eles o PSD e o CDS — se terem insurgido contra a decisão do governo húngaro espalhar cartazes pelo país com as caras do Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e do multimilionário e filantropo húngaro-americano George Soros. Na legenda, em tom conspiratório, lia-se: “Você também tem o direito de saber o que Bruxelas está a preparar!”.
O cartaz mereceu várias críticas, que lhe apontaram tanto o tom eurocético como também anti-semita. “Já chega”, reagiu Jean-Claude Juncker. “Estou muito surpreendido por ver estes cartazes repletos de ódio espalhados pela Hungria.”
Fidesz. Ainda há espaço para a Hungria de Orbán na União Europeia?
Esta foi a gota de água para vários partidos do PPE, alguns dos quais já tinham votado no Parlamento Europeu de forma favorável relatórios que apontam falhas graves no respeito da liberdade de imprensa, do funcionamento do judiciário ou no respeito dos direitos das minorias. Em setembro, alguns dos eurodeputados do PPE, inclusive do PSD e do CDS, votaram favoravelmente a aplicação do Artigo 7º do Tratado da União Europeia à Hungria, que suspende alguns dos direitos de um Estado-membro.
“Até agora tinha havido alguma capacidade de moderar o Fidesz dentro do PPE, mesmo que isso nos obrigasse a alguma ginástica. Mas agora chegou o momento em que a tolerância não pode ir para lá de determinados limites e, aí chegados, temos de clarificar as coisas”, disse uma fonte do PPE ao Observador.
Após ser conhecida a iniciativa de vários partidos PPE — todos oriundos de países de pequena-média dimensão — para discutirem a suspensão ou expulsão do Fidesz, Orbán classificou-os de “idiotas úteis” numa entrevista ao jornal alemão Welt. “Enquanto pensam que estão a lutar numa batalha intelectual, estão, na verdade, a servir os poderes que servem os interesses dos nossos adversários”, disse.
Porém, mais tarde, já perto da data da reunião desta quarta-feira, o primeiro-ministro húngaro viria a enviar cartas a cada um desses líderes partidários a pedir desculpas. “Quero apresentar as minhas desculpas, se a minha citação o ofendeu pessoalmente. Desejo-lhe saúde e muito sucesso nas suas funções de alta responsabilidade”, lia-se na carta enviada ao líder do D&V, partido cristão-democrata da Bélgica flamenga.