O representante especial dos EUA para a Venezuela, Elliott Abrams, acredita que países como Portugal devem ter maior urgência para conseguir a queda do regime de Nicolás Maduro da liderança da Venezuela e para a convocatória de eleições antecipadas.

“Não é chocante para ninguém [dizer] que deve haver um maior sentido de urgência [para a Venezuela] em países como Espanha e Portugal, tal como nos vizinhos da Venezuela, ou seja, a Colômbia, Equador, Peru e Brasil”, disse Elliott Abrams numa mesa redonda com jornalistas portugueses, esta terça-feira à tarde, na Embaixada dos EUA em Portugal.

Na sua passagem por Lisboa, Elliott Abrams tinha como ponto alto da agenda uma reunião com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. A reunião aconteceu depois de Elliott Abrams ter respondido às questões dos jornalistas portugueses.

Questionado pelo Observador sobre as declarações do representante norte-americano, fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros afirmou que “Portugal tem estado atento à situação na Venezuela desde a primeira hora” e que e tem “sempre agido procurando defender os interesses da comunidade portuguesa e luso-venezuelana”. Acrescentou ainda que, no quadro europeu, “se fará muito brevemente a avaliação dos resultados do grupo de contacto internacional e também o regime de sanções.

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“O objetivo é discutir como nós, os EUA e Portugal, vemos a situação na Venezuela, o que podemos fazer para sermos mais eficazes nos esforços para o regresso da democracia no país, o que Portugal acha de mais ações por parte da UE e o que os EUA têm planeado para as próximas semanas e meses”, disse o homem escolhido pelo secretário de Estado, Mike Pompeo, para gerir o dossier venezuelano em Washington D.C..

Do resumo que o próprio Elliott Abrams faz da sua carta de intenções nesta visita ao país, importa reter a parte em que o norte-americano procura saber “o que Portugal acha de mais ações por parte da UE”. Leia-se mais sanções por parte do bloco europeu, que, nesta altura, já congelou os bens e impediu de viajar personalidades de topo do regime venezuelano: o procurador-geral, Tarek William Saab; o chefe das secretas, Gustavo Gonzáles López; a vice-Presidente, Delcy Rodríguez, que é casada com Nicolás Maduro; entre outros.

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Por agora, a União Europeia não tem alinhado com os EUA no embargo petrolífero — um duro golpe na economia venezuelana, já que, segundo a Organização de Países Exportadores de Petróleo, 98% das suas exportações consistem em petróleo e derivados — e não é certo que venha a fazê-lo.

“Quando falamos de sanções contra determinados indivíduos, em que os seus bens são congelados no hemisfério ocidental ou na Europa, não estamos a afetar o povo da Venezuela, estamos a afetar os ladrões que lhes roubaram o dinheiro”, disse Elliott Abrams. “Quando falamos de sanções mais gerais, acompanhamo-las com um esforço para tentar introduzir ajuda humanitária na Venezuela. Temos tentado fazer isso em grande escala há pelo menos dois meses. Porque é que não tem havido mais ajuda humanitária a entrar na Venezuela? Maduro. Maduro é a resposta para isso.”

No final de março, a Cruz Vermelha conseguiu autorização do Governo venezuelano para entrar no país ainda em abril e distribuir ajuda humanitária para 650 mil pessoas. “Obviamente não vai, nem pode, resolver os problemas do país, mas é um passo necessário para salvar vidas”, disse Francesco Rocca, presidente da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.

Esta ajuda, sublinhou Francesco Rocca, decorrerá “sem impedimentos, de forma independente, neutra e imparcial” em relação a tudo o que diga respeito ao conflito político na Venezuela.

“Ainda não é certo que a Cruz Vermelha tenha conseguido entrar”, disse Elliott Abrams, referindo ter ficado a par da situação pelo anúncio de Francesco Rocca. “É tudo quanto sabemos sobre esse acordo [para a entrada da ajuda humanitária]. Gostávamos de saber mais sobre a natureza desse acordo. Digo isso porque a neutralidade e a independência são fulcrais. Este regime usou a ajuda humanitária e a comida como armas políticas no passado. Por isso, entregar as coisas nas mãos do regime não faria bem nenhum ao povo venezuelano.”

Elliott Abrams sublinhou, porém, que o anúncio da Cruz Vermelha falava de uma assistência “neutra, independente, tendo como base as necessidades” do povo venezuelano. Mas logo contrapôs: “Mesmo que sejam capazes de fazer isto, só iriam ajudar 2% da população, 650 mil pessoas. Claramente, é preciso ajuda numa escala muito maior”.

“Quando Trump diz que todas as opções estão na mesa, é porque estão”

Não é de agora que Donald Trump diz que, para fazer frente ao regime de Nicolás Maduro, “todas as opções estão na mesa” para os EUA. A ideia de uma intervenção militar foi levantada pelo próprio Donald Trump logo em agosto de 2017 e, desde então, esse discurso tem sido repetido várias vezes — sobretudo depois de, em janeiro de 2019, Nicolás Maduro ter tomado posse na sequências de umas eleições fraudulentas e após Juan Guaidó ter sido nomeado Presidente interino pela Assembleia Nacional.

Porém, desde janeiro de 2019, os EUA não têm dado sinais evidentes de querer levar avante uma intervenção militar na Venezuela. Há vários indicadores que apontam, ou pelo menos sugerem, que essa opção poderia ser desastrosa.

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O primeiro remete para a História recente dos EUA, que, 17 anos volvidos desde o início da guerra no Afeganistão, ainda não têm a certeza como conseguirão sair daquele país em guerra.

O segundo, decorrente do primeiro, diz respeito ao reduzido apetite do público norte-americano para novas intervenções estrangeiras, que por norma saem caras em vidas e em dólares.

O terceiro tem a ver com as condições na própria Venezuela. Ali, apesar de deserções mais pontuais do que sistemáticas, os militares parecem estar do lado de Nicolás Maduro; os colectivos, grupos paramilitares, saem em ajuda do exército com frequência, aumentando o número de “soldados” que os EUA defrontariam; e a Rússia destaca para solo venezuelano cada vez mais meios, chegando a fazer ali um treino das suas forças de ação rápida, no final de março.

Apesar de todos estes fatores, Elliott Abrams recusou a hipótese de a insistência da administração de Trump em dizer que todas as opções estão na mesa não passar de bluff. “O Presidente Trump sempre disse que todas as opções estão na mesa e diz isso porque todas as opções estão na mesa. Ele di-lo porque é verdade”, disse.

“Ninguém quer uma solução militar aqui. Presumo que ninguém o queira, dentro e fora da Venezuela. Mas essa opção existe. Não me parece que qualquer um de nós saiba ao certo qual será a situação da Venezuela, na região e nas suas fronteiras, daqui a três meses. Não conseguimos prever o futuro.”

Sobre a Rússia, que não só destaca meios militares como tem ali, através da Rosneft, investimentos na indústria petrolífera que vão dos 7 aos 9 mil milhões de dólares (6,2 a 7,9 mil milhões de euros), dos quais cerca de 2,5 mil milhões de dólares (2,2 mil milhões de euros) de petróleo pago antes do ato de entrega, Elliott põe alguma água na fervura.

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Embora diga que “o papel da Rússia na Venezuela é completamente negativa e não ajuda em nada” e que Moscovo atua naquela região “por razões geopolíticas, tanto ou mais do que por razões económicas”, o representante especial dos EUA para a Venezuela desvaloriza a presença militar russa no país de Nicolás Maduro.

“Os russos têm à volta de 100 homens no terreno. Diria que, se a situação chegasse [a um conflito armado], é melhor que saiam do caminho”, disse.

*Artigo atualizado às 20h51 com as respostas do Ministério dos Negócios Estrangeiros