Já foi revelada a primeira fotografia de um buraco negro alguma vez captada por uma máquina construída pelo Homem. A imagem é igual à que tinha sido teorizada com a Relatividade Geral. Está confirmado: as teorias de Albert Einstein confirmaram-se uma vez mais, até nos lugares mais exóticos do Universo. A imagem mostra o buraco negro no centro da galáxia Messier 87, a 55 milhões de anos-luz da Terra, visível na constelação de Virgem. Este buraco negro tem a massa de seis mil milhões de sóis e é muito maior do que aquele que habita o centro da nossa Via Láctea.
The first ever image of a black hole.
Taken by Event Horizon Telescope. #EUFunded.#RealBlackHole. pic.twitter.com/seOgqfkuYL— European Commission (@EU_Commission) April 10, 2019
O anúncio aconteceu assim que o relógio marcou as 14h07 em Portugal Continental e em simultâneo a partir de seis cidades: Bruxelas (Bélgica), Washington (Estados Unidos), Santiago (Chile), Xangai (China), Taipé (Taiwan) e Tóquio (Japão). Este é “um resultado revolucionário”: nunca se tinha tido uma observação tão direta de um fenómeno como este no passado. A fotografia mostra um anel de gás a altíssimas temperaturas a ultrapassar a “fronteira” do buraco negro e a ser engolido por ele.
[Como foi revelada a foto inédita do buraco negro:]
O que se esperava ver era exatamente esta silhueta escura circundada por um disco luminoso a ser engolido pelo buraco negro. Essa foi a previsão que Albert Einstein fez quando postulou a Teoria da Relatividade Geral, afirmando que há regiões no Universo que distorcem o tempo e o espaço porque são de tal maneira densos que nada, nem mesmo a luz, lhes consegue escapar. Até agora, estas afirmações têm servido de inspiração às pinturas e ilustrações de buracos negros. Mas esta fotografia volta a tirar as teimas em redor da Teoria da Relatividade Geral. Ela está correta, uma vez mais.
Que buraco negro é este?
O buraco negro que aparece na fotografia tem um diâmetro de 100 mil milhões de quilómetros, mas por causa da distância a que estamos dele parece ter apenas o tamanho de uma semente de mostarda. O anel que surge à volta dele é tanto maior quanto maior for o buraco negro. Este tem 6,500 mil milhões de vezes a massa do nosso Sol, uma estrela cuja massa é de 1,989 × 1030 quilogramas.
Dentro deste buraco negro, assim como de todos os outros, há um ponto onde as leis da física se quebram. A esse ponto chamamos singularidade. E a singularidade está coberta por uma superfície chamada horizonte de acontecimentos. A gravidade é tão forte nessa superfície que nada, nem mesmo a luz, lhe pode escapar. Esta superfície separa o interior do exterior — e nada do interior pode sair cá para fora. Mas já lá vamos.
Há treze anos que os cientistas envolvidos neste projeto, que foi financiado pela União Europeia, olham para dois buracos negros em busca de os fotografar. Um deles é o Saggitarius A* e fica no centro da Via Láctea; e o outro fica no meio da galáxia M87. O primeiro fica a 25 mil anos-luz da Terra (demoraríamos 25 mil anos a lá chegar se viajássemos à velocidade da luz) e tem a massa de quatro milhões de sóis. Mas o que surge na fotografia é o segundo.
Ao longo de todo este tempo, oito telescópios espalhados pelo mundo ficaram de olhos postos nessas duas regiões do espaço na tentativa de captar a radiação eletromagnética emitida pelos gases em fricção que são engolidos pelos buracos negros. Juntos, esses observatórios formavam o Event Horizon Telescope e por estarem espalhados pela Terra funcionam como um gigantesco telescópio com o tamanho do nosso planeta.
O lugar onde as leis da física se quebram
A obtenção desta fotografia não é apenas importante por causa da inovação que ela representa. Nem sequer apenas porque coloca a Teoria da Relatividade Geral novamente em teste. É também especial porque é o olhar mais direto que teremos de um fenómeno que permanece um verdadeiro mistério na física. Os buracos negros são, por definição, uma região extremamente densa onde não temos certeza se as leis da natureza tal como as conhecemos funcionam.
Tudo porque, quando nascem após a explosão de uma estrela muito maior que o Sol, surgem com uma espécie de fronteira chamada horizonte dos acontecimentos. É como se o buraco negro fosse uma pérola e esse horizonte fosse a concha da ostra que lhe protege. Nenhum objeto que atravesse essa fronteira consegue escapar à extrema força de um buraco negro. Mais: alguém que esteja longe dessa fronteira deixa de ver os objetos que a ultrapassem, numa espécie de censura cósmica. Até ao horizonte dos acontecimentos, a Teoria da Relatividade Geral é uma lanterna que permite entender tudo. Dali para a frente, a “censura cósmica” não nos permite ver — nem saber — nada. Estamos na completa ignorância. A lanterna apaga-se.
Como a luz não escapa aos buracos negros, eles são impossíveis de ver diretamente. São invisíveis. O mais perto que podemos estar de olhar para eles é fotografando os efeitos que eles provocam nos corpos celestes em seu redor. O disco luminoso que vemos em redor do buraco negro é gás a temperaturas altíssimas a ser sugado para dentro do buraco negro.
Os cientistas por detrás do projeto Event Horizon Telescope têm passado os últimos seis meses a analisar o que acontece à matéria quando entra num buraco negro. Ainda não descobriram o destino final, mas já têm novidades: a matéria começa a girar a velocidades próximas à da luz, aquece até atingir temperaturas muito altas e começa a emitir radiação eletromagnética, sobretudo ondas rádio.
Tal como Einstein tinha previsto, e como foi confirmado durante um eclipse solar em 1919, quando o espaço e o tempo são deformados — curvados — por um obstáculo altamente denso como um buraco negro, a luz também se “dobra”. Já tínhamos testado isso em deformações mais singelas, como a provocada pelo Sol ou pelo planeta Terra. Mas nunca em situações tão exóticas como as provocados pelos buracos negros. Agora temos a certeza: a Teoria da Relatividade Geral também se confirma em ambientes extremos como esses.
É uma ignorância com que nem todos os cientistas se conformam. Stephen Hawking era um desses inconformados. Segundo ele, só não conseguimos compreender os buracos negros porque não podemos olhar para eles apenas à luz da física clássica de Albert Einstein. Há que mergulhar aos níveis mais elementares e entrar numa área mais minimalista da física chamada mecânica quântica. Segundo ele, é possível que o buraco negro não se limite a engolir coisas, mas também a cuspir algumas — ou então a energia do universo não se conservava, como sempre foi previsto num sistema fechado.
Mas nada disso foi alguma vez provado ou sequer testado. Se fosse, já teríamos casado a física clássica com a mecânica quântica, espreitado para dentro de um buraco negro e descoberto a tão apetecível Teoria de Tudo, uma equação elegante que explicaria tudo, mesmo tudo, o que existe no Universo — até as coisas mais exóticas como um buraco negro ou o Big Bang. Isso nunca foi possível e há quem julgue que nunca será. Mas também é por isto que esta fotografia é tão especial: é o mais perto que poderemos estar de olhar para um mistério inquebrável. Pelo menos por enquanto.
“A existência de buracos negros deixou de ser apenas teórica”
As notícias sobre a primeira observação de sempre de um buraco negro começaram com palavras de Carlos Moedas, comissário responsável pela investigação, ciência e inovação na União Europeia: “A ficção inspira muitas vezes a Ciência e há muito que os buracos negros alimentam os nossos sonhos e a nossa curiosidade. Hoje, graças ao contributo de cientistas europeus, a existência de buracos negros deixou de ser apenas um conceito teórico”.
Entretanto, várias organizações já se expressaram sobre o resultado anunciado esta quarta-feira pelo projeto Event Horizon Telescope. A diretora da Fundação Nacional da Ciência norte-americana, France Córdova, disse em comunicado de imprensa: “Este é um grande dia para a astrofísica. Estamos a ver o invisível. Os buracos negros excitaram a imaginações durante décadas. Têm propriedades exóticas e são misteriosos para nós. No entanto, com mais observações como esta, eles começam a revelar os seus segredos”.
Ramesh Narayan, professor da Universidade de Harvard e líder da equipa teórica por detrás do Event Horizon Telescope, também já se pronunciou sobre o anúncio: “Durante décadas, estudamos como os buracos negros engolem o material e potencializam os corações das galáxias. Para finalmente ver um buraco negro em ação, dobrando a luz num anel brilhante, há uma confirmação de tirar o fôlego de que buracos negros supermassivos existem e combinam com a aparência das nossas simulações”.
“Isto cumpre o nosso sonho de tirar a primeira foto de um buraco negro”, prosseguiu Sheperd S. Doeleman, diretor do projeto: “Agora temos acesso a um laboratório cósmico de extrema gravidade, onde podemos testar a teoria da relatividade geral de Einstein e desafiar nossas suposições fundamentais sobre espaço e tempo”.