Depois de praticamente 30 anos de poder, ao longo dos quais foi acusado de crimes de guerra e genocídio, o Presidente e ditador do Sudão, o tempo de Omar al-Bashir chega ao fim. O até agora vice-presidente e ministro da Defesa, o general Ahmed Awad Bin Auf, anunciou na tarde desta quinta-feira que o regime de al-Bashir caiu, comunicando que será o próprio a comandar um governo provisório durante dois anos.

Para além dos dois anos de governo de gestão militar, Bin Auf anunciou também que o Sudão ficará sob estado de emergência nos próximos três meses, depois da queda de al-Bashir. Foi igualmente proclamada a libertação de todos os presos políticos. Porém, a situação parece não estar a agradar à população, já que Bin Auf é vice-presidente de al-Bashir, o que deixa alguns receios. Para além disso, o facto de o novo governo ser liderado pelos militares e durante tanto tempo parece não oferecer confiança aos sudaneses, disse uma jornalista do canal Al Jazira.

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Pelas redes sociais e nos meios de comunicação social, vários comentadores têm deixado patentes os seus receios quanto ao caminho encontrado para afastar al-Bashir. No tweet abaixo, uma antiga jornalista sudanesa diz mesmo que o regime “não caiu” e que os militares apenas convenceram al-Bashir a sair provisoriamente.

O antigo líder sudanês foi preso pelos militares, depois de ter sido detido em casa, de acordo com a CNN. A equipa de segurança pessoal de Omar al-Bashir terá sido substituída por membros do exército, que terão assumido o poder durante esta quinta-feira.

A expectativa de que este viria a ser um dia fulcral na História do Sudão formou-se logo pela manhã, quando um apresentador de telejornal fez, sem adiantar mais detalhes, o seguinte anúncio: “O exército sudanês vai emitir um importante comunidade em breve. Fiquem à espera”.

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O anúncio levou a que as manifestações nas ruas de Cartum, a capital do Sudão, se transformassem em festa.

Horas depois chegou então o comunicado que anunciou o fim do regime. Este foi o culminar de vários meses de protestos, que têm marcado a vida socio-política do Sudão. Em dezembro, um anúncio que apontava para a subida do preço do pão levou milhares de pessoas à rua, que desde então têm protestado. O protesto rapidamente tomou proporções políticas, tendo posteriormente o regime respondido violência. De acordo com números oficiais, citados pela Al Jazeera, já morreram 49 pessoas nesses protestos.

A “rainha núbia” que representa o povo oprimido no Sudão

Em vários deles, houve uma personagem especial. Alaa Salah, uma estudante de engenharia e arquitetura de 22 anos, tornou-se o símbolo dos protestos no Sudão. Vestida de branco e de dedo erguido no ar, a imagem desta “rainha núbia” tornou-se viral nas redes sociais. Fosse no chão ou em cima de carros ou muros, Salah foi uma autêntica líder do povo, incitando aos protestos.

O único Presidente em funções acusado de genocídio

Omar al-Bashir assaltou o poder em 1989, após liderar com sucesso um golpe de Estado contra o então primeiro-ministro Sadiq al-Mahdi, que governava o país enquanto este se dividia numa guerra civil iniciada em 1983.

Logo após o derrube daquele governo, Omar al-Bashir assumiu a liderança do Conselho do Comando Revolucionário, que governou até 1993. Depois dessa data, autoproclamou-se Presidente do Sudão. De seguida, foi eleito em 1996 (75,7%) e em 2000 (86,5%), em duas eleições fraudulentas onde nenhum candidato da oposição conseguiu quebrar a barreira dos 10%. Durante todo este tempo, a guerra civil no Sudão continuou, com tensões entre o Sul e o Norte, além do Norte com a região do Darfur, a Oeste, na fronteira com o Chade.

Em fevereiro de 2003, os conflitos entre o Movimento de Libertação do Sudão e o Movimento Justiça e Igualdade (ambos compostos maioritariamente por muçulmanos negros) de um lado, e as milícias pró-governo Janjaweed (composta sobretudo por muçulmanos árabes) do outro, levaram ao que hoje é internacionalmente reconhecido como o genocídio do Darfur. De acordo com a estimativa das Nações Unidas, foram mortos 300 mil darfuris e outros 2 milhões estão deslocados dentro do próprio sudão. Além disso, outros 250 mil darfuris fugiram para o Chade.

Em 2008, o Tribunal Penal Internacional condenou Omar al-Bashir pelos crimes de guerra, crimes contra a Humanidade e também genocídio, fazendo do Presidente do Sudão o primeiro chefe de Estado a ser acusado daqueles crimes enquanto ainda exerce funções. No caso do crime de genocídio, Omar al-Bashir foi dado como responsável e não como autor direto.