Bernardo Silva falhou o jogo da primeira mão dos quartos de final da Liga dos Campeões entre o Manchester City e o Tottenham. De forma surpreende, já que não havia existido qualquer aviso prévio, o médio português apareceu fora dos convocados e essa ausência foi um de vários motivos que acabaram por provocar a derrota da equipa de Pep Guardiola no novo Tottenham Hotspur Stadium. Esta quarta-feira, o City recebe o conjunto orientado por Mauricio Pochettino no Etihad e vai tentar dar a volta à eliminatória e passar às meias-finais. E já vai poder contar com Bernardo Silva.
O jogador de 24 anos está a realizar apenas a segunda temporada na Premier League mas já é normalmente apontado como um dos melhores elementos da Liga inglesa e é constantemente elogiado por Guardiola, que já chegou a dizer que o Manchester City “é Bernardo e mais 10”. Considerações que em nada são semelhantes às de Jorge Jesus quando Bernardo Silva chegou à equipa principal do Benfica, ainda com 19 anos. Em entrevista ao El País, o internacional português fala sobre a forma como foi “devolvido” à equipa B encarnada – depois de ter jogado a lateral esquerdo em particulares – e explica como Messi, Xavi e Iniesta foram uma inspiração devido à baixa estatura aliada à qualidade com a bola nos pés.
“Quando subi à primeira equipa do Benfica, com 19 anos, não foi fácil. Desde muito pequeno que o meu sonho era estrear-me com o Benfica. Era o meu clube de coração. Queria estar ali. Mas quando cheguei descobri que o treinador não me queria. Joguei a lateral esquerdo num treino. Foi durante uma pré-época inteira. Em jogos particulares. Vinha da formação com a intenção de ficar e tentar jogar na equipa principal. Mas o treinador não contava comigo”, começa por dizer Bernardo Silva, referindo-se a Jorge Jesus, então treinador dos encarnados. “Só joguei uma vez na Liga e no final da temporada disse-me que queria que voltasse à equipa B. Sentia que não era bom para mim. Percebi que tinha de sair e encontrei o Mónaco. Na minha primeira temporada com o Mónaco ficámos em terceiro na Liga francesa, chegámos aos quartos da Champions e aprendi com jogadores como Tiago, [Ferreira] Carrasco, [João] Moutinho, Ricardo Carvalho, Fabinho… Entre fazer isso e ficar no Benfica B, acho que foi melhor sair, não?”, questiona o médio com um toque de ironia.
Bernardo desvaloriza então o facto de não ter propriamente um físico típico de um jogador de futebol e lembra a característica que normalmente lhe garante os maiores elogios: a inteligência dentro de campo, com ou sem bola. “Eu era Sub-17 quando começou a época do Barça do Guardiola. Ver jogadores como Messi, Iniesta e Xavi dava-me mais força para continuar. Porque eu estava sem jogar por ser mais pequeno do que os meus colegas. Ver a melhor equipa do mundo naquele momento e ver que estavam ali três dos melhores do mundo e eram quase mais pequenos do que eu…”, explica o jogador do Manchester City, acrescentando então que “o mais importante no futebol é a cabeça, as decisões que o jogador toma”. “Entender no momento certo se tens de pôr a bola na esquerda ou na direita, com mais ou menos força, com mais ou menos efeito. Essa é a grande diferença entre os grandes jogadores e o resto”, defende o médio português, que ainda se lembra do momento em que viu Mbappé jogar pela primeira vez, durante um treino do Mónaco.
“Na primeira vez em que ele foi treinar connosco eu estava com o Moutinho e ficámos assombrados. ‘Quem é este miúdo?’. Tinha 16 anos e já era incrível. Sabia que havia ali qualquer coisa de especial. Uma temporada depois, quando se estreou e fomos campeões, o primeiro jogo importante foi no Etihad para a Champions, nos oitavos. Marcou um golo e a partir daí tornou-se uma bomba”, recorda Bernardo. O “desespero” com que joga, como lhe chama o El País, faz com que tenha 136 desarmes na Premier League, tantos quanto Fernandinho, o médio-centro do Manchester City. Para o português, não é desespero: é energia. “Sempre fui muito enérgico. Gosto de jogar assim porque vivo o futebol ao máximo. Acho que quando os jogos estão fechados, quando está 0-0, se não te mexes sem bola as defesas sentem-se confortáveis”, explica.
O final da entrevista do jornal espanhol a Bernardo Silva revela uma inteligência tática e uma clarividência estratégica por parte do jogador português que deixam entender que um dia, provavelmente, o médio deixará de ser um dos melhores jogadores do mundo para ser um polivalente treinador. “O primeiro dever que tens, em todas as posições, é mexer-te. Se corres e dás tudo em campo, e depois com a tua qualidade, a tua técnica ou a tua força, podes ser decisivo com a bola. Mas isso, o desequilíbrio, só pode ser consequência de muito movimento antes. No corredor tens de driblar e arriscar para passar um adversário ou marcar um golo. Como médio tens de entender todos os momentos, quando atacar, quando conservar a posse, quando circular rápido ou quando conduzir para evitar adversários e assim criar espaços”, indica o jogador português, quase como se estivesse a dar uma aula sobre movimentações, transições e desmarcações dentro das quatro linhas.
Esta quarta-feira, no Etihad, Pep Guardiola já vai poder contar com Bernardo Silva para tentar dar a volta à eliminatória e seguir para as meias-finais da Liga dos Campeões. E em Bernardo, como fica agora claro, o treinador espanhol tem muito mais do que um jogador: tem um médio, um ala e um avançado que entende aquilo que se passa dentro de campo como poucos e que coloca a inteligência dos movimentos acima da força, dos quilos e dos centímetros.