Foram 72 horas de greve mais que suficientes para provocar uma crise energética que afetou todo o país e que levou o governo a declarar uma situação de alerta. E foi mais. Três dias e uma madrugada de greve serviram para mostrar quem são os motoristas que transportam os materiais perigosos, como trabalham, o que ganham e a falta que fazem para a sociedade funcionar. Foi este o retrato traçado pelo advogado que representa o sindicato, Pedro Pardal Heriques, com a consciência de que chegara a hora de parar. “Temos noção que se continuássemos com esta greve iríamos causar problemas ao país, e não é nossa intenção. Queríamos apenas alertar para a importância que estes homens têm”, disse, logo após a comunicação do ministro das Infraestruturas ao país, Pedro Nuno Santos, pouco depois das 8h00 desta quinta-feira.
De uma reunião que se prolongou ao longo de 10 horas, e que só terminou pelas 4h00, saiu um acordo assinado entre o recém criado Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) e a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM). A primeira reunião ficou já marcada para dia 29 de abril e as negociações deverão ser supervisionadas pelo Governo. Aliás, vão todas decorrer nas instalações do Ministério das Infraestruturas e Habitação, na Rua Barbosa du Bocage, em Lisboa. O processo deverá estar concluído no final do ano.
Greve dos motoristas de materiais perigosos. O que está em causa?
No acordo divulgado esta manhã, o SNMMP reconhece que a greve que convocou a 28 de março, para começar a 15 de abril, “tem causados prejuízos muito significativos à economia nacional, a todos os agentes do setor e, acima de tudo, à população em geral” pelo que aceita pôr fim à paralisação. A ANTRAM, por seu turno, assume-se como a associação mais representativa do patronato para poder negociar com os motoristas. E o governo revela a necessidade de garantir a paz social e a satisfação coletiva, assumindo o papel de mediador.
Assim, comprometem-se todos, até 31 de dezembro de 2018, começar um processo de negociação que “promova e dignifique a atividade de motorista de mercadorias perigosas”, lê-se no acordo. A negociação assenta em cinco reivindicações distintas:
A individualização da atividade no âmbito da tabela salarial
No atual contrato coletivo de trabalho, só existe a categoria “Motorista de Pesados”, que tem uma remuneração base de 630 euros. Não há categoria própria para os cerca de 800 motoristas que todos os dias transportam materiais perigosos. O presidente do SNMMP, Francisco São Bento, quer que na base salarial dessa categoria profissional esteja o correspondente a dois salários mínimos (ou seja, duas vezes 600 euros). Para a ANTRAM, no entanto, em declarações aos jornalistas, este é já o salário que estes profissionais levam para casa.
Subdídio de Risco
Para que não existam dúvidas entre salário e subsídios, e pela perigosidade da profissão que exercem estes profissionais com uma certificação que os outros motoristas não têm, o sindicato — que representa 600 trabalhadores — quer uma atualização do subsídio de risco, atualmente de 7,5 euros por dia. O advogado do sindicato já alertou que há motoristas a trabalharem mais de 16 horas por dia e que não recebem mais por isso. Denunciou também situações de fraude fiscal por algumas empresas.
Formação especial
O novo contrato coletivo, aprovado para o setor em setembro de 2018, obriga as entidades empregadoras a custearem os custos de formação para que os motoristas obtenham as suas certificações legais – CQM (para a generalidade dos motoristas) e, também, ADR (um acrónimo que ficou do tratado europeu sobre transporte de materiais perigosos por estrada, no caso dos motoristas de matérias perigosas), como já referiu a ANTRAM. Mas o sindicato do setor exige uma formação especial.
Seguros de vida específicos
Às reivindicações, o sindicato juntou também o pedido de um seguro de vida específico para quem transporta substâncias consideradas perigos.
Exames médicos específicos
Os motoristas estão também preocupados em discutir com as entidades patronais, na presença do Governo, a possibilidade de serem sujeitos a exames médicos mais específicos dados os perigos a que a profissão os expõe.
O ministro das Infraestrutras, Pedro Nuno Santos, acredita que esta negociação chegue a bom porto. E lembrou, na conferência de imprensa desta manhã de quinta-feira, o papel da FECTRANS, Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações, com quem, em setembro de 2018, chegou a um “acordo histórico”. Não deixou, no entanto, de avisar a ANTRAM, face às informações prestadas pelo sindicato nos últimos dias em horas de reuniões: “sabemos que há ainda empresas que não cumprem o acordo, o Estado usará de todos os mecanismos ao seu dispor para que o acordo coletivo de trabalho seja cumprido. Ninguém está acima da lei e é fundamental que todas cumpram da mesma forma”, disse.
A ANTRAM foi uma das signatárias do contrato coletivo, em setembro de 2018, que resultou da negociação entre a FECTRANS e o governo.
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