As primeiras notícias sobre o conjunto de explosões coordenadas que mataram pelo menos 310 pessoas em hotéis e hospitais no Sri Lanka durante o domingo de Páscoa chegaram com uma lacuna que ainda está por preencher: a identidade dos atacantes. Até agora, ainda nenhum grupo organizado reivindicou a autoria do ataque. Mas o governo do país suspeita do National Thowheed Jama’ath, um pequeno grupo jihadista do Sri Lanka que até esta segunda-feira era relativamente desconhecido da comunidade internacional.
Foi já na manhã desta segunda-feira que um porta-voz do governo cingalês, Rajitha Senaratne, admitiu pela primeira vez que as autoridades do país tinham sido alertadas há duas semanas para a possibilidade de um ataque terrorista organizado pelo National Thowheed Jama’ath — mas que não tomaram nenhuma ação com base nessa informação nem a remeteram para o primeiro-ministro.
Também o ministro das telecomunicações do país, Harin Fernando, partilhou no Twitter um conjunto de documentos que diz serem informações relativas a este ataque que já estavam na posse dos serviços de informações do Sri Lanka. “É necessário agir de forma séria para perceber porque é que este aviso foi ignorado“, asseverou o governante. Segundo a BBC, o documento não só explicita que a proveniência da ameaça é o National Thowheed Jama’ath como identifica o líder do grupo, Mohamed Zahran.
Some intelligence officers were aware of this incidence. Therefore there was a delay in action. What my father heard was also from an intelligence officer. Serious action need to be taken as to why this warning was ignored. I was in Badulla last night pic.twitter.com/ssJyItJF1x
— Harin Fernando (@fernandoharin) April 21, 2019
À BBC, o secretário da Defesa, Hemasiri Fernando, acrescentou que a informação disponível “nunca indicara que seria um ataque desta magnitude”, tratando-se apenas da possibilidade de “um ou dois incidentes isolados”. Mais: o governante admitiu mesmo que “todos os departamentos importantes da polícia” estavam informados do aviso, mas não foram tomadas precauções adicionais nem a suspeita foi investigada a fundo.
Nesta segunda-feira, na mesma conferência de imprensa em que admitiu a existência deste aviso, o porta-voz do governo disse suspeitar de que os terroristas foram apoiados por organizações internacionais. “Não acreditamos que estes ataques foram levados a cabo por um grupo de pessoas confinado a este país“, disse. “Houve uma rede internacional sem a qual estes ataques não teriam tido sucesso”, acrescentou.
Mais tarde, o gabinete do presidente do Sri Lanka, Maithripala Sirisena, veio mesmo apelar à comunidade internacional que apoiasse o país na investigação às origens do atentado. “Os relatórios indicam que organizações terroristas estrangeiras estão por trás dos terroristas locais. Por isso, o presidente irá pedir a ajuda de países estrangeiros”, lê-se num comunicado do governo cingalês, também citado pela BBC.
A confirmar-se que o grupo National Thowheed Jama’ath está por trás dos atentados, este será o primeiro ataque em larga escala daqueles extremistas islâmicos, que apenas eram conhecidos no país por terem sido os responsáveis pela destruição de estátuas budistas. Segundo a BBC, este grupo será composto por um conjunto de dissidentes de um outro grupo jihadista cingalês, o Sri Lanka Thowheed Jamath — cujo líder foi preso em 2016 por incitar ao ódio.
De acordo com o The New York Times, foi precisamente há três anos que o National Thowheeth Jama’ath se autonomizou enquanto “pequeno mas violento grupo de jovens muçulmanos” que têm atuado essencialmente longe das grandes cidades. Pouco expressivo, o grupo tem adotado uma postura essencialmente anti-budista, lançando pequenos ataques contra templos e figuras sagradas para a religião maioritária do país — cerca de 70% dos habitantes do Sri Lanka são budistas, enquanto menos de 10% são muçulmanos.
Àquele jornal norte-americano, Sameer Patil, investigador de política externa em Mubai, na Índia, explicou que a ocorrência de ataques mais ferozes por parte daquele pequeno grupo jihadista cingalês poderá estar relacionado com o regresso de combatentes do Sri Lanka que viajaram para a Síria e para o Iraque para se juntarem às fileiras do Estado Islâmico. Com a derrota da organização terrorista praticamente consumada no último ano, muitos dos combatentes estrangeiros regressaram aos países de origem.
Isto terá levado, na perspetiva de Sameer Patil, a que tivessem regressado a solo cingalês vários combatentes que treinaram na Síria e no Iraque e que se radicalizaram lá, estando dispostos a levar ataques mais violentos e não apenas contra budistas, mas também contra outras minorias religiosas da região, como é o caso dos cristãos. “Era apenas uma questão de tempo até [o extremismo islâmico] os atingir no seu próprio território“, afirmou Sameer Patil ao The New York Times.
Aliás, o especialista em segurança internacional Rohan Gunaratna, que investiga estes assuntos a partir de Singapura, admitiu em declarações à agência Reuters que o National Thowheeth Jama’ath é “o ramo do Estado Islâmico no Sri Lanka”. Outro especialista na matéria, Pratyush Rao, admitiu que, embora não haja provas de uma ligação direta ao Estado Islâmico, “é plausível pensar que os ataques possam ter sido inspirados pela tática e pela ideologia” da organização.
Na origem do aparecimento dos grupos extremistas islâmicos no Sri Lanka estará, porém, de acordo com outros especialistas ouvidos pelo mesmo jornal, a vontade de responder a grupos extremistas budistas no país que têm levado a cabo frequentes ataques contra a minoria muçulmana — o que explica que até agora a principal atividade do National Thowheeth Jama’ath tenha sido a destruição de estátuas budistas, entendidas pelos muçulmanos como objetos de idolatria contrária à fé islâmica.
Portanto, não se trata de um grupo com pretensões separatistas, mas sim com intenções de combate religioso. Não é a primeira vez que este grupo se envolve em confrontos na localidade de Kattankudy, onde neste domingo explodiu uma das bombas. Em março de 2017, o National Thowheeth Jama’ath tinha estado no centro de confrontos violentos naquela povoação maioritariamente muçulmana, que, na altura, resultaram na detenção de dez pessoas, jovens que, de acordo com a BBC, estudavam sob a orientação do líder do grupo, Mohamed Zahran.