Em ano de três eleições, o 25 de Abril de 1974 foi celebrado na Assembleia da República com os olhos no futuro (e nos jovens que vão ser o futuro). Com a esquerda (e alguns deputados do PSD também) a ostentar os habituais cravos na lapela, da esquerda à direita houve alertas contra os populismos que culminaram com um forte — e muito aplaudido — elogio de Ferro Rodrigues a Marcelo Rebelo de Sousa, a “muralha simbólica contra o crescimento do populismo”. Os jovens, contudo, foram o denominador comum a todas as intervenções, começando com o deputado do PAN, passando pelo BE e pelo PS, que elogiaram o movimento de luta juvenil contra as alterações climáticas, e terminando no discurso do Presidente da República, que falou, de cravo na mão, no jovem que foi em 1974 e no que os políticos têm de saber responder aos jovens de hoje, em 2019.

O ano de 2019, contudo, é ano de eleições e, apesar de tanto PSD como PS terem sublinhado a importância da “diversidade política”, tempo houve para apontar o dedo ao Governo. PSD e CDS não esqueceram, por isso, os casos do familygate, com os centristas a exigir um “pedido de desculpas” ao Governo pelo “compadrio político”. Ética, transparência, escrutínio, tudo foi defendido por todos. Mas com a certeza de que, não é só hoje, 25 de Abril, que se deve apregoar estas bandeiras. Como disse Ferro Rodrigues, “a democracia é a ação contínua do cidadão”.

Os casos familiares do Governo e o dever da ética

Pedro Roque (PSD): “Rejeitamos que critérios ‘clubístico-partidários’ ou de nepotismo familiar se sobreponham ao mérito e interesse coletivo”.

Filipe Anacoreta Correia (CDS): “O que precisamos de ver ainda para ouvir um pedido de desculpas por parte de um governo, partido ou regime, pelo escândalo do que foi tirado aos portugueses em compadrios políticos e económicos que destruíram riqueza e atiraram empresas nacionais como a CGD, o BES ou a PT para perdas que todos suportámos?”. “A deferência diante das instituições em que se tem a honra de servir o país aconselha prudência e repúdio de banalizada familiaridade. A promiscuidade com o poder, seja de âmbito económico, partidário ou familiar, é incompatível com a dignidade democrática”.

Ferro Rodrigues (Presidente da Assembleia da República): “A política de casos é a arma dos fracos, daqueles que não têm ideias nem alternativas. Só serve para minar a democracia e envenenar a vida pública”.

Foi um dos temas presentes nas entrelinhas dos discursos políticos. PSD e CDS não deixaram esquecer a polémica recente das nomeações de familiares de governantes na máquina do Estado e referiram como esse tipo de casos é “incompatível com a dignidade democrática“. Filipe Anacoreta Correia, do CDS, foi mais ao detalhe no ataque ao Governo, falando não só nos “compadrios políticos e económicos que destruíram riqueza e atiraram empresas nacionais como a CGD, o BES ou a PT para perdas que todos suportámos”, como também referiu as tragédias dos fogos, do assalto a Tancos, ou da rejeição do governo pela presença de privados no setor da saúde. Também Pedro Roque referiu a ideia de que o PSD rejeita que critérios familiares ou “clubísticos” se sobreponham ao critério do mérito e tudo para pedirem mais ética na política. Uma  “ética exigente e um escrutínio constante” que deve ser mais amplo do que “o mero ciclo eleitoral ou mediático”, disse o deputado centrista.

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Familygate provoca terceira demissão no Governo

O tema voltaria à baila com o discurso do Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, um dos mais aplaudidos da sessão, que pediu “mais e maior escrutínio” para o Parlamento — já que esse é “o melhor antídoto contra o crescimento da cultura antiparlamentar”. Isso, por um lado. Por outro, contudo, Ferro não quis deixar de dar uma reprimenda aos partidos políticos que se dedicam à intriga uns contra os outros e que, juntos, contribuem para o descrédito da classe política e, consequentemente, da democracia. “Não é com desinformação nem alvitando o papel do Parlamento e dos deputados que se avança. É com responsabilidade, respeito e dedicação à causa pública”. Mais: “A política de casos é a arma dos fracos, daqueles que não têm ideias nem alternativas“. Esta, sim, foi a frase mais aplaudida.

O ataque e o elogio a Marcelo

Jorge Falcato (BE): “O Serviço Nacional de Saúde pode voltar a andar de cravo ao peito, como António Arnaut o sonhou, ou manterá a porta aberta para o negócio dos privados em cedência à pressão presidencial?”

Ferro Rodrigues (Presidente da Assembleia da República): “Vossa Excelência [Presidente da República] tem sido uma muralha simbólica contra o crescimento do populismo, pelo papel decisivo e essencial que tem assumido durante a sua Presidência”.

Marcelo Rebelo de Sousa é sempre uma figura central na sessão solene do 25 de Abril, na medida em que é a única vez em que discursa no Parlamento. E esta sua terceira vez não foi exceção, para o bem e para o mal. Enquanto o Presidente da Assembleia da República lhe tinha reservado um rasgado elogio, a bancada bloquista escolheu uma alfinetada. Primeiro, o elogio: Ferro reservou a parte final do seu discurso para elogiar o mandato de Marcelo (que estava sentado ao seu lado), e para lhe dizer que nos últimos anos tem agido como uma “muralha simbólica contra o crescimento do populismo“. Antes, em entrevista ao Público, até já tinha admitido que votaria nele se as presidenciais fossem amanhã.

Depois, a alfinetada. O deputado bloquista, Jorge Falcato, passou ao de leve num dos temas do dia: a lei de bases da saúde, que começou por ser negociada à esquerda (com o BE a anunciar mesmo ter chegado a acordo com o Governo), prevendo-se a exclusão dos privados do setor e o fim das PPP, e que agora, num aparente recuo do PS em relação à possibilidade de entrada dos privados, poder vir a ser negociada ao centro (com a mão do PSD). Falcato chamou-lhe “pressão presidencial“, e a verdade é que Marcelo chegou a ameaçar com veto uma lei de bases que fechasse portas em vez de abrir.

Os jovens, a ambição dos jovens e a luta contra as alterações climáticas

Carlos César (PS): “As novas gerações, moldadas nas sociedades conectadas e no mercado digital, confrontadas com a sobre-exploração e esgotamento dos recursos naturais, com as disparidades demográficas e as dificuldades dos sistemas de saúde e segurança social, com a desregulação e terrorismo, e com alterações imensas nas funções profissionais e nas relações de trabalho, têm, assim, outras ansiedades e procuram outras soluções. Os nossos cuidados devem estar, pois, centrados na procura dessas soluções”.

André Silva (PAN): “Em Portugal precisamos de dois planetas para suportar o atual modelo de consumo. Estamos a viver acima das possibilidades do planeta, com bancarrota antecipada. Os jovens têm-se manifestado na rua e à rua vão voltar”.

Jorge Falcato (BE): “Os estudantes que saíram à rua pela urgência climática são cravos semeados por abril que se transformam em agentes principais de uma mudança inadiável”.

Os jovens que têm saído à rua para defender a luta contra as alterações climáticas (e interromperam mesmo o discurso de António Costa no 46.º aniversário para contestar o aeroporto do Montijo) foram referidos em muitas das intervenções. É neles que a classe política deposita esperança, mas também é a eles que a classe política tem de dar resposta.

Os protestos em Portugal, as detenções em Londres e as ligações ao BE. Quem são os ativistas que interromperam o discurso de António Costa?

Foi essa a mensagem de Marcelo Rebelo de Sousa em toda a sua intervenção, onde pediu mais “ambição” aos políticos para acompanharem as novas exigências e os desafios do mundo global que são hoje diferentes dos que eram os dos jovens de 1974. A revolução digital, que vai mudar a forma como se olha para o emprego, foi uma das mais referidas como um desafio para o futuro.

Também Carlos César a referiu: “As novas gerações, moldadas nas sociedades conectadas e no mercado digital, têm outras ansiedades e procuram outras soluções. Os nossos cuidados devem estar, pois, centrados na procura dessas soluções”.

A lembrança do 25 de Novembro

Pedro Roque (PSD): “O processo de democratização conducente a um Portugal progressista inaugura-se nesse momento fundador e também com o 25 de Novembro de 1975. Torna-se imperativo que, ano após ano, possamos honrar aqueles que nos conduziram nesse caminho”.

Filipe Anacoreta Correia (CDS): “Neste 25 de Abril cumprem-se 45 anos do início do processo democrático que viria a consolidar-se no dia 25 de Novembro de 1975”.

Já é uma referência habitual nos discursos do 25 de Abril: PSD e CDS fazem questão de evocar o 25 de Novembro de 1975 nesta sessão solene, por entenderem que só aí se conseguiu dar por bem sucedido o processo de democratização da sociedade. Foi nessa data que se pôs fim ao Processo Revolucionário em Curso, abrindo portas, no seu entender, à democracia como hoje a conhecemos.

A esquerda, contudo, não vê da mesma maneira e a data não é celebrada.