Em semana de greve, é tempo de voltar a falar do que realmente importa e o que se retira da profissão no presente momento, bem como o impacto que pode advir destas questões no regular e normal funcionamento do SNS. Assim, optei por abordar dois eixos, que julgo serem fundamentais, no momento, para a estabilidade da profissão: primeiro, os enfermeiros estão exaustos e, segundo, a profissão é de desgaste rápido e de alto risco.

Os enfermeiros estão exaustos?

Não, os enfermeiros já se encontravam exaustos antes da pandemia surgir em Portugal… agora estão para além de exaustos!

Em 2019, os enfermeiros em Portugal já praticavam milhares de horas extraordinárias para compensar a passagem das 40 para as 35 horas nos regimes de contrato individual de trabalho por todo o país, tendo-se verificado, nesse ano, um aumento de 27% no recurso ao trabalho suplementar. O SNS já se encontrava em grande pressão, com sacrifício dos profissionais de todas as classes e, já antes da pandemia, em 2019, se falava sobre o colapso eminente do SNS.

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A única maneira de compensar esta exaustão, é permitir aos profissionais de saúde terem mais conforto no desempenho das suas funções através da contratação de mais profissionais.

No início de 2020, com a pandemia em Portugal, foram canceladas as férias aos profissionais de saúde. E estes períodos de férias nunca se conseguiram devolver totalmente no presente ano. Em Julho de 2020, o Governo entendeu atribuir um prémio aos profissionais de saúde sob forma monetária e mais dias de férias (o qual ainda não vimos!). Estas férias também não poderão ser devolvidas aos profissionais, enquanto estes não forem em número suficiente no SNS.

O Governo anunciou com pompa e circunstância a abertura de concursos para a contratação de mais enfermeiros. O que se esqueceu de referir, é que estes concursos estão a ser realizados com oferta de contratos a termo de quatro meses. Estão, desta forma, a contratar e a despedir enfermeiros, sem incentivos à fixação no local de trabalho. Um enfermeiro, para trabalhar, tem que ser integrado num serviço e realizar aprendizagens complexas sobre a área em que se encontra. Não somos descartáveis e temos de ter tempo para aprender e desenvolver!

Assiste-se, desta forma, a uma contratação insuficiente de pessoal para o desempenho correcto de funções, mantendo-se a sobrecarga laboral com recurso ao trabalho suplementar na maioria das instituições. É necessário mudar! É necessário realizar contratos dignos e conseguir manter os profissionais nos locais. É necessário dotar o SNS de recursos humanos necessários, nomeadamente enfermeiros, mas é também necessário proporcionar-lhes segurança e dignidade nas contratações. Só assim poderão reforçar com segurança o SNS.

A profissão é de desgaste rápido e de alto risco

Focando-nos apenas na patologia SARS-CoV-2, os números falam por si, as conclusões deixo-as a quem lê este artigo.

A 30 de Março de 2020, afirmava-se que estavam 853 profissionais de saúde infectados, dos quais 209 eram médicos e 177 eram enfermeiros.

Quase sete meses depois, a 28 de Outubro de 2020, anuncia-se que estão infetados 6596 profissionais, dos quais 800 são médicos e 1801 enfermeiros.

Conclui-se, desta forma, uma média de 232 enfermeiros infectados mensalmente, ou seja, sete enfermeiros infetados diariamente.

Não podemos, porém, esquecer que a profissão é de desgaste rápido e de alto risco, não só pela exposição ao vírus SARS-CoV-2, mas também por múltiplos factores:

  • Os enfermeiros trabalham com citoestáticos e estes agentes prejudicam, a longo prazo, gravemente a sua saúde;
  • Existem acidentes comprovados com agulhas e outros materiais pontiagudos, com consequências profissionais graves;
  • A tuberculose é uma doença profissional reconhecida e os riscos inerentes a lidar com esta patologia estão comprovados;
  • Existem outros riscos biológicos na profissão, tais como ​Hepatite A, Giardia, Shigela, Cmpilobacter, Enterovírus e Rotavírus, Citomegalovirus, Varicela, Rubéola e o Parvovírus B19, bem como resistências bacterianas – está descrita e comprovada a facilidade de transmissão dos mesmos na profissão pela prestação de cuidados directa;
  • Radiações ionizantes e não ionizantes estão presentes na profissão e são um factor contributivo para o alto risco profissional, com graves repercussões a longo prazo;
  • Stress, bullying, violência, burnout e alterações cronobiológicas associadas à nutrição são elementos intimamente associados e comprovados cientificamente na profissão, com forte impacto psicológico e estimulante ao desenvolvimento de patologias ao longo da vida;
  • Existem variadas alergias associadas ao contexto profissional (por exemplo aos materiais das luvas, aos desinfectantes, entre outros), com consequências graves físicas, algumas irrecuperáveis;
  • Estão comprovadas as lesões músculo-esqueléticas no exercício profissional, bem como o absentismo associado às mesmas;
  • Sabe-se que as dotações não são seguras na maioria dos serviços, contribuindo para um alto risco de vida dos doentes.

Estas são situações que, de momento, não são possíveis evitar. Como tal, é necessário, mandatário e prioritário compensar o trabalhador de forma a equilibrar todo o mal que é provocado constantemente.

É preciso regulamentar, por exemplo, a reforma antecipada dos enfermeiros. É inadmissível que se continuem a reformar enfermeiros aos 67 anos de idade, sem condições físicas ou mentais para o exercício da profissão.

É urgente proporcionar um subsídio de risco profissional, pelos riscos inerentes que não são possíveis de minorar, atenuar ou excluir.

Não restam duvidas de que este é o percurso para um SNS mais eficiente, robusto, mais capaz e vigoroso. Se não forem tomadas estas medidas, sem dúvida que o seu colapso será inerente… e não será por culpa dos enfermeiros, mas, sim, pela incapacidade do Governo em manter os seus profissionais motivados e fixos nos seus locais de trabalho.