Foi chumbado o texto final que recuperava o tempo integral de serviço congelado aos professores, com os votos contra de PS, PSD e CDS. A esquerda ficou sozinha no voto a favor. Os professores vão apenas poder recuperar dois anos, nove meses e 18 dias desse tempo, que era o que constava no decreto do Governo que está em vigor e que os partidos estavam a tentar alterar no Parlamento.

PSD e CDS tinham votado a favor da recuperação integral, na especialidade, mas entretanto recuaram nessa posição e fizeram depender a aprovação final da garantia de algumas condições. A votação terá posto fim à crise política que António Costa ameaçou na semana passada. Ainda esta quinta-feira, o primeiro-ministro afirmou: “Se toda a gente votar como anunciou que votaria, creio que o país felizmente terá evitado uma crise orçamental que poria gravemente em risco a sua credibilidade internacional”. 

Professores. “Se toda a gente votar como anunciou”, país preserva credibilidade internacional, diz António Costa

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Assim que acabou a votação, Mário Nogueira, que tinha assistido nas galerias do Parlamento, falou aos jornalistas para prometer luta até ao fim e para anunciar que se mantém no cargo de líder da Fenprof. “Podem agradecer ao PS e ao dr. António Costa que me ajudaram a tomar uma decisão”, disse Nogueira. “Se os professores me quiserem mantenho-me como secretário-geral da Fenprof”, disse anunciando que se irá recandidatar ao cargo.

Os professores prometem assim manter a luta viva até ao fim da legislatura, anunciou Mário Nogueira do lado de fora do Parlamento, depois de chumbada a recuperação dos 9 anos. Até quarta-feira, os sindicatos vão anunciar formas de luta e se avançam ou não com greve às avaliações a partir de 6 de junho.

PSD garante que não recuou e BE questiona: “Até onde irá o PS pela ambição da maioria absoluta?”

Antes da votação final global foram debatidas as avocações a plenário de PSD e CDS sobre as condições que exigem para a reposição de todo o tempo que foi congelado aos professores. Depois da ameaça de demissão do Governo, os dois partidos da direita fizeram depender desta norma que propunham (e que foi chumbada na comissão) a aprovação da contagem de todo o tempo. As normas foram votadas de novo, agora em plenário, e votaram a ser chumbadas.

A discussão parlamentar começou com o PSD, pela voz da deputada Margarida Mano, que disse que o debate só acontece por “responsabilidade exclusiva do PS”, o mesmo partido que “em 2007 congelou as carreiras, descongelou em 2009 antes das eleições, e congelou a seguir”. “O PS considera que ludibriar as pessoas é um talento digno de elogio”, afirmou, acusando António Costa de “instalar o caos e esconder-se atrás do superavit“. Trata-se do mesmo partido, continuou, que começou por dizer que queria a reposição do tempo todo e que agora “já é contra a reposição do tempo todo com condições”. Quanto ao PSD, Margarida Mano garantiu que o partido sempre impôs condições para a reposição do tempo integral e não abdica delas. “Não abdicamos destes princípios, nunca o fizemos, porque olhamos para o país como um todo”, disse.

À esquerda, falou primeiro o BE, pela voz de Joana Mortágua, atacando sobretudo o PS, partido que o Bloco apoiou no Parlamento nos últimos três anos e meio. “Hoje é o dia em que caem as máscaras. O PS votará contra travões orçamentais que dizia serem necessários e o PSD e o CDS votaram contra a recuperação do tempo que disseram ser de justiça”, disse a deputada que acrescentou ainda que “para o PS é uma manobra de campanha eleitoral à custa dos professores que nos deixa a pensar até onde irá o PS pela ambição desmedida por uma maioria absoluta”. Mortágua disse que PS “não hesitou em deixar a conclusão desta legislatura nas mãos da direita, fez ultimato à direita e eles recuaram”.

Do lado do PCP, a deputada Ana Mesquita esclareceu desde logo que votaria favoravelmente o texto que saiu da comissão, que contabiliza a contagem integral do tempo de serviço e que resulta não só de propostas do PCP, como também de outros partidos onde se incluem PSD e CDS. Um texto que, “de quinta a sábado foi defendido pelo PSD e CDS”, e um texto que motivou a deputada do PSD Margarida Mano a dizer, à saída da comissão, que o “fundamental tinha ficado fixado no texto da comissão”. Paralelamente, na bancada do PSD, ouviu-se Margarida Mano dizer repetidamente “eu não disse isso, eu não disse isso”.

A deputada comunista esclareceu por isso que o PCP “não podia votar a favor de propostas de condições que na prática o que fazem é anular a devolução do rendimento congelado aos professores”. Fazer a devolução depender da dívida, do crescimento da economia e da despesa é o mesmo que dizer, segundo Ana Mesquita, um “rotundo zero” — além de que é um “violentíssimo ataque aos direitos dos trabalhadores ao impor também as revisões das carreiras”. Ana Mesquita finalizou: PSD e CDS ainda têm uma oportunidade de dizer aos professores que “não os enfiou no bolso e que deles fez a muleta de que precisava”.

No PS, Porfírio Silva disse que “Rui Rio não fez as contas” mas mesmo assim o PSD “proclamou que este era um processo de que se orgulhava” de ter feito parte, no final da reunião que votou a recuperação de todo o tempo. E repetiu que se a medida fosse feita para todas as carreiras especiais isso significaria uma despesa de 800 milhões de euros. Da bancada do BE ouviu-se Mariana Mortágua gritar: “Deixem-se dessa aldrabice!”. “Não alimentamos quimeras, não temos uma máquina do tempo para mudar o passado mas cuidamos do futuro”, disse ainda o deputado socialista que diz que o PS não aprova as cláusulas da direita que “servem apenas para enganar todos ao mesmo tempo, dizendo que a uns pagam tudo e a outros não custa nada”: “As nossas cláusulas de salvaguarda são as contas certas, as contas certas de toda uma legislatura”. 

Pela defesa do CDS, Ana Rita Bessa afirmou que proposta do CDS já era conhecida há dois anos e que foi apresentada no Orçamento do Estado de 2019 e novamente apresentada nas apreciações parlamentares. “Perante o que já foi aqui dito, o cenário anunciado é o da rejeição da proposta responsável do CDS, e isto é escolher entre duas irresponsabilidade: ou a demagogia do BE e do PCP, que acham que se deve prometer tudo a todos os funcionários públicos, ou a demagogia do PS que, sabendo que as carreias especiais não são sustentáveis, não teve a coragem política de as renegociar em quatro anos de governação”.

Para a deputada centrista, “rejeitar a proposta do CDS é rejeitar um caminho responsável em que o futuro não seria a maior carga fiscal de sempre mas sim a revisão inevitável das carreias da administração pública”. “Mais uma oportunidade perdida”, resumiu.

“E assim acaba uma crise política”, segreda Mariana Mortágua. Segue-se uma chuva de declarações de voto

Assim que Ferro Rodrigues decretou o chumbo do texto final que tinha saído da comissão de Educação com o carimbo do PSD, CDS, PCP e BE, instalou-se no Parlamento um imenso barulho de fundo. Com ironia, a bancada do Bloco de Esquerda (que está mais próxima da bancada de imprensa), iniciou um coro de “ohhhhh! Então?”, a que se seguiu uma constatação por parte de Mariana Mortágua: “E assim acaba uma crise política”.

A crise política iminente ficou, assim, esvaziada, uma vez que António Costa tinha dito que se demitia caso a proposta fosse aprovada — e não foi. Mas a crise não terminou sem antes os partidos se terem inscritos todos para aquilo a que se chama, em linguagem parlamentar, “uma declaração de voto oral”. Que é o mesmo que dizer que querem ter mais uma palavra para explicar a sua posição. Até Hugo Soares, deputado desalinhado do PSD que ontem fez duras críticas à posição do seu partido neste dossiê, anunciou que iria apresentar uma declaração de voto escrita “a título pessoal”, bem como o mesmo anunciou André Silva, do PAN, que se absteve na votação.

Foi nesse espaço de explicação adicional que Fernando Negrão, líder parlamentar do PSD, proferiu uma frase que motivou risadas à esquerda: “Nós não suportamos o PS”. Heloísa Apolónia estranhou o que ouviu: “Por momentos pensei que estava a ouvir mal quando disse que não suportava o PS: o que se passou aqui não foi uma ilusão de ótica, ou foi?”. O intuito de Negrão era dizer que o PSD não serviu de muleta ao PS para ver chumbada a reposição do tempo integral de serviço, e que esta sexta-feira caiu “a máscara ao primeiro-ministro”. “Confiar ao PS a responsabilidade pela contas públicas é como confiar à raposa a guarda do galinheiro”, disse ainda Fernando Negrão, defendendo que é o PSD que é o garante da sustentabilidade das contas públicas — “sempre foi e sempre será”. Mas o PS não se ficou e atirou as últimas palavras contra o PSD, com Porfírio Silva a sublinhar as divergências que existem dentro do próprio PSD: “Quem andou a mudar de barrete que se entenda porque não é o nosso caso”.

Como tudo começou?

Na comissão parlamentar de educação da semana passada, PSD, CDS, PCP e BE acertaram uma proposta conjunta para a recuperação do tempo integral. A proposta foi aprovada em coligação negativa, com o PS isolado no voto contra. De seguida foram chumbadas as normas propostas por PSD e CDS que colocavam condições a esta recuperação, mas no final do dia ambos os partidos festejaram a recuperação do tempo todo para os professores. O primeiro-ministro acabou por vir dizer no dia seguinte que o Governo se demitia caso a contagem integral fosse aprovada em votação final global.

Primeiro, o CDS e, depois, o PSD, recuaram no regozijo inicial e colocaram o foco nas normas chumbadas relativas às condições. Era preciso que elas fossem aceites pela esquerda para que a direita aceitasse o tempo todo. Só seriam recuperados os nove anos, quatro meses e dois dias, com condições. No caso do CDS, o partido exige que a reposição do tempo remanescente (o que fica a faltar depois de contabilizados os 2 anos, 9 meses e 18 dias admitidos pelo Governo) só aconteça, a partir de 2020, tendo em conta “as condições económico-financeiras do país, designadamente em função da taxa de crescimento do PIB; a possibilidade de revisão do Estatuto da Carreira Docente; e, no caso dos docentes posicionados no 9.º e no 10.º escalões, e mediante requerimento do docente, a utilização desse tempo remanescente para efeitos de aposentação”.

Já o PSD faz duas avocações, ou seja, impõe duas condições. Primeiro, diz que para que os 9 anos, 4 meses e 2 dias sejam contabilizados, é preciso que essa contabilização “seja tendencialmente considerada de forma proporcional ao crescimento da economia, se se confirmar o respeito pela regra contida no Pacto de Estabilidade e Crescimento, de forma a que o aumento das despesas com o pessoal não possa significar a ultrapassagem do limite anual de crescimento da despesa”. Depois, em relação ao pagamento do tempo remanescente (o que resta face aos dois anos e 9 meses já admitidos pelo Governo), o PSD impõe que esse pagamento atenda a “critérios de compromisso da sociedade com os recursos disponíveis face à situação económica e financeira do país”. Nesses critérios inclui-se o crescimento do PIB, a evolução da dívida pública, bem como a “sustentabilidade futura do sistema público de educação , designadamente ao nível da necessidade de rejuvenescimento do pessoal docente, revisões de carreiras, ritmo de aposentações e necessidades futuras do sistema educativo”.

Costa demite-se se for aprovada lei dos professores em votação final global

Crachá da Fenprof no plenário

A assistir ao momento esteve, nas galerias do plenário, o líder da Fenprof Mário Nogueira, ali sem o crachá que costuma usar alusivo à recuperação do tempo integral: 9A 4M 2 D, ou seja, nove anos, quatro meses e dois dias. Mas nem por isso o símbolo deixou de entrar na sala da sessões. Joana Mortágua, a deputada do BE que faz parte da comissão de Educação, entrou no hemiciclo de mochila às costas com esse mesmo crachá da Fenptof preso.

Joana Mortágua entrou no plenário com o crachá da Fenprof na mochila