A profecia concretizou-se. Estávamos no início da segunda semana de campanha, a seis dias da ida às urnas, quando Nuno Melo teve uma visão: “Isto parece o Titanic”. Na verdade, parecia: o cenário era um barco de pescadores, em Setúbal, e Nuno Melo e Assunção Cristas estavam sozinhos na proa da embarcação, local com melhor luminosidade para facilitar o trabalho aos fotojornalistas e operadores de câmara que seguiam a bordo. O comentário saiu-lhe de forma genuína, assim como o abrir de braços à Leonardo DiCaprio. Mas, atenção: a cena parecia de Titanic, sim, “só pelo lado romântico”. Seis dias depois, contudo, a profecia pareceu cumprir-se. Nuno Melo e Assunção Cristas, juntos no Largo do Caldas, ficaram longe da meta que tinham traçado (eleger dois eurodeputados), passaram a noite a medir forças com o PAN e no ambiente percebia-se que as expectativas tinham todas ido ao fundo. No fim, Assunção Cristas saiu da sala e Nuno Melo ficou a responder aos jornalistas: faltaram os violinos a tocar.

Melo e Cristas em campanha: “Isto quase parece o Titanic”. Mas só “pelo lado romântico”

“No CDS mantemos a nossa representação no Parlamento Europeu quando queríamos eleger o segundo eurodeputado, ficámos por isso aquém do objetivo traçado”. Foi assim que Assunção Cristas admitiu a derrota quando subiu ao palco do largo do Caldas, pouco depois das 22h30, naquela que foi a primeira reação de algum dirigente do CDS ao longo de toda a noite. À exceção da reação inicial aos resultados da abstenção, que aconteceu pelas 19h30 pela voz de João Almeida, reinou o silêncio na sede do CDS. A ordem era esperar pelos resultados oficiais, já que ainda havia uma margem de erro que permitia ao partido chegar ao segundo eurodeputado. Foi silêncio até ao fim. Numa sala do Caldas, o núcleo duro da direção do CDS estava reunido e de lá não saiu ninguém — até não dar mais.

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Pelas 20h, quando foram divulgadas as primeiras projeções, ainda houve um grupo de “jotas” que apareceu na sala, onde estavam as televisões e os jornalistas, com algumas bandeiras do partido enroladas. Mas as bandeiras ficariam no chão. Depois de uma campanha “alegre e mobilizadora”, com “a melhor jota do país”, como descreveram Melo e Cristas, esta noite não houve espaço para cânticos e bandeiras ao alto. O CDS não cantou vitória, já que teve o seu pior resultado em eleições europeias: em 1999 tinha obtido 8,16% com Paulo Portas como cabeça de lista.

[Difamações, frustrações e outras lamentações. A noite eleitoral num minuto]

Não cantou mas até podia ter cantado, segundo Nuno Melo. “Olhando para os resultados de hoje e os de 2014, em coligação com o PSD, o CDS até cresceu um bocadinho”, disse, rejeitando “interiorizar a grande derrota que outros queriam que assumíssemos, porque isso também não é verdade”. A ideia é apontar o dedo à CDU que perdeu em mandatos, ao contrário do CDS que manteve o eurodeputado que já tinha. Mas Nuno Melo diz que não faz como o PCP e não aproveita a circunstância de ter mantido o número de mandatos para dizer que o CDS teve uma vitória. Não teve. Ainda assim: “Nós não somos plasticina”, disse várias vezes, numa crítica ao Bloco de Esquerda e a Marisa Matias, que acusa de “mudar a mensagem para captar votos”.

CDS ultrapassado pelo PAN em Setúbal e no Algarve (e mais uma profecia que se cumpriu)

“Ficámos atrás do PAN?”, perguntava um jovem da JP ao ouvido de outro quando, pouco depois das 22h, a sala do Largo do Caldas começava finalmente a encher para ouvir as reações de Assunção Cristas e Nuno Melo. Em termos nacionais, não. Com 99% das freguesias apuradas, o CDS obteve 6,13% da votação e o PAN 5,03%, mas a verdade é que em alguns distritos e concelhos importantes essa ultrapassagem do partido Pessoas, Animais e Natureza ao CDS aconteceu mesmo: é o caso do distrito de Setúbal e de Faro. Na sede do Caldas, silenciosa na grande maioria da noite, ninguém queria acreditar. Nisso e na grande votação do Bloco de Esquerda. Ao telefone, um desconhecido militante procurava saber os resultados de determinados concelhos e ficava surpreendido a cada informação que recebia: “O Bloco ficou à frente do CDS em Vila Real?”, perguntava incrédulo. Ficou, com 9,83% dos votos contra os 5,23% do CDS. E assim sucessivamente.

Pedro Mota Soares, que esteve ao lado de Nuno Melo durante toda a campanha, não prestou declarações públicas na sede do CDS, mas era o rosto da derrota, uma vez que a meta traçada era precisamente a sua eleição. Assunção Cristas deixou-lhe uma “palavra especial”, afirmando que o país perde por não contar com ele no Parlamento Europeu, e assumiu ter compreendido o sinal que os eleitores quiseram dar, numa declaração misteriosa que não aprofundou, já que acabaria por sair da sala sem responder a perguntas dos jornalistas.

“Compreendemos bem o sinal que os eleitores nos quiseram dar”, disse, depois de admitir que a abstenção foi o “maior obstáculo” que o CDS teve. Nuno Melo concretizaria depois, dizendo que o país “guinou à esquerda” e que “a direita preferiu a praia, enquanto a esquerda preferiu as urnas”. Outro dos fatores que, segundo Assunção Cristas, contribuiu para o resultado do CDS foi a “polarização dos votos à direita”. O que vai o CDS fazer para evitar que o desaire se repita nas legislativas, é que não se sabe. Em resposta aos jornalistas, Nuno Melo recusou responder pela presidente do partido, mas isentou-a de quaisquer culpas: “se alguém tem de ser sacrificado sou eu”. “O CDS amanhã tem de estar mobilizado e acreditar que vai ter um resultado bom nas legislativas”, disse ainda, assumindo inteiramente a culpa pelo resultado desta noite.

Outra profecia da campanha que se concretizaria foi a de Laurinda Azevedo, de 65 anos, natural do Porto. Laurinda estava esta sexta-feira, último dia de campanha, na Praça dos Leões, no Porto, discretamente junto ao grupo que se reunia para fazer a última arruada da campanha do CDS. Questionada pelo Observador sobre se era militante, Laurinda disse que não, mas que tinha sabido daquele ajuntamento por um “engenheiro” do CDS, e foi lá dar uma força. Confessaria, contudo, que apesar de “simpatizar” com o CDS, não era por aquele partido que o seu coração batia a 100%. A 100% era mesmo pelo PAN. Por esta altura já Laurinda Azevedo tinha uma bandeira azul e branca na mão e preparava-se para seguir o grupo rua abaixo, a gritar pelo CDS. Ainda assim, a sexagenária não teria pudor em responder ao Observador que, apesar de o voto ser secreto, era no PAN que iria votar no domingo.

Quanto a Pedro Mota Soares, vai “plantar macieiras”, diz ao Observador, numa referência a uma expressão usada por Adriano Moreira. Mas não de forma literal. O amanhã em política é um mistério e cinco anos (tempo que falta até às próximas europeias) são uma eternidade.