A inauguração da mais recente unidade das cervejarias Portugália, que fica no bairro de Alvalade, em Lisboa, reuniu uma autêntica multidão. “Não estava à espera que isto estivesse tão cheio”, comenta um senhor de fato enquanto beberica uma imperial. A marca portuguesa já conta com quase 30 estabelecimentos um pouco por todo o país e, talvez por isso, podia estranhar-se todo o alarido causado pelo que parecia ser “só mais uma” cervejaria azul e branca. Mas não, há aqui algo de especial: a última obra do histórico pintor português Júlio Pomar, um painel de azulejos.
“A nossa ligação aos azulejos é uma coisa que vem desde o início, 1925, e desta vez achámos que era altura de pegar de forma diferente naquilo que sempre fez parte do nosso ADN, pedindo a um artista português de renome que criasse uma obra para uma das nossas lojas. Queríamos fazer uma coisa intemporal” — É assim que Francisco Carvalho Martins, o CEO deste gigante da restauração, explica como surgiu este projeto. Pomar sempre teve ligação à marca portuguesa e isso tornou a escolha óbvia: “Nós não tínhamos a certeza de que ele fosse aceitar o nosso desafio, mas fê-lo na hora, para nossa surpresa. Ficámos muitíssimo felizes.”
Dias depois da inauguração, o Observador falou com Alexandre Pomar, filho de Júlio, que discursou na abertura do restaurante. Por telefone, o crítico de arte explicou a longa ligação do pai com a marca de cervejarias, que vinha da amizade próxima que o artista mantinha com Manoel Carvalho Vinhas, histórico líder da Portugália e confesso apaixonado pela arte. “Eles tinham uma relação estreita, o Manoel Vinhas não era só um mecenas de artistas e de grupos de teatro, como também colecionava e comprava coisas do meu pai”, revela Alexandre.
Na altura, a “encomenda” foi feita a pensar noutro espaço que a empresa estava a pensar comprar, na Avenida António Augusto Aguiar, mas, depois, “por culpa de todo um conjunto de razões”, decidiram desistir desse negócio e virar-se para o bairro de Alvalade. Mais concretamente, o espaço da antiga pastelaria Biarritz — que a marca decidiu homenagear deixando o nome na calçada da esplanada –, e que era consideravelmente mais pequeno. “A obra do Júlio foi feito a pensar nessa primeira localização, mas depois fomos obrigados a adaptá-la para esta. O painel é maior do que o que está exposto aqui, tivemos de guardar uma outra parte que será aplicada no futuro, noutra unidade”, junta Francisco.
Esta conversa deu-se “algures em 2017”, Pomar já não estava bem de saúde na altura mas ninguém adivinhava que este pudesse ser o seu último trabalho. “A morte do Júlio foi muito triste, mas deu-nos uma carga de responsabilidade, a sensação de que temos de saber preservar esta obra de forma correta e condizente com o seu nível artístico”, acrescenta o CEO.
Num vídeo com o making of que foi sendo gravado à medida que o artista trabalhava vê-se que pintava com um marcador preso a um pau e que ia riscando uma folha enorme que estava no chão do seu atelier. O desenho “com motivos completamente abstratos” foi nascendo, e mal Júlio o deu por terminado seguiu para a lendária fábrica de azulejos Viúva Lamego, que daria outra vida ao desenho. “Ele [Júlio Pomar] já tinha trabalhado com a Viúva Lamego, desde os anos 50, creio”, revelou Alexandre, que explicou também ao Observador que o designer Henrique Cayatte ajudou o seu pai nesta obra, numa cooperação natural, “uma vez que já tinham feito umas obras de intervenção pública juntos”.