PCP e BE defenderam esta quarta-feira no parlamento a inscrição na lei da gratuitidade dos manuais escolares para combater desigualdades no acesso à educação, mas as bancadas de direita questionaram a justiça social e sustentabilidade da medida.
O plenário da Assembleia da República discutiu dois projetos de lei, um do PCP, outro do BE, que pretendem inscrever na lei a gratuitidade dos manuais escolares no ensino público em toda a escolaridade obrigatória, para que a continuidade da medida deixe de ficar dependente da sua previsão em Orçamento do Estado.
Ana Mesquita, do PCP, a quem coube abrir o debate, defendeu que os manuais devem ser olhados como outros “materiais universais” que constituem uma escola e que ninguém questiona, como secretárias e cadeiras, desde logo pelas “responsabilidades que a Constituição da República Portuguesa imputa ao Estado em matéria de Educação”, afirmando ainda que “a distribuição gratuita de manuais escolares é uma medida de enorme alcance social, contribuindo para combater situações de desigualdade no acesso à educação por motivos económicos e sociais”.
“O que hoje aqui trazemos é precisamente a garantia de que não se andará para trás, colocando na letra da lei dos manuais escolares aquilo que foi alcançado por via das propostas em sede dos Orçamentos do Estado para 2016, 2017, 2018 e 2019. […] Não estamos condenados a ter como caminho a liquidação de direitos ou o agravamento das condições de vida”, defendeu a deputada.
Pelo lado do BE, Joana Mortágua defendeu que o projeto de lei dos bloquistas pretende garantir que a medida dos manuais gratuitos não será “assistencialista, uma caridade para os pobres”, nem “uma renda para editores”, evitada pela reutilização dos livros escolares, que defendem também por razões ambientais.
Joana Mortágua disse ainda que o texto do BE quer garantir que os manuais não serão um veículo para reproduzir “visões da sociedade contrárias aos direitos humanos” ou até mesmo aos objetivos enunciados no Perfil do Aluno à saída da escolaridade obrigatória.
A deputada Ana Sofia Bettencourt, do PSD, afirmou a defesa do partido em favor da “distribuição e empréstimo” dos manuais escolares, mas manifestou “reservas quanto à despesa permanente que se assume” com os dois projetos de lei apresentados, insistindo que esta é uma medida sem justiça social, que beneficia as famílias com mais recursos, e afirmou que “não vale a pena entrar na discussão entre Estado social e assistencialista”.
“O PSD manterá tudo o que disse nesta legislatura. Ainda há tanto para remediar nas escolas que não nos parece adequado que rico, pobre e remediado beneficiem da mesma maneira”, disse a deputada social-democrata, que afirmou ainda que os dois projetos de lei “revelam a desconfiança” de PCP e BE no Governo.
Acusou ainda o executivo de “quatro anos de desinvestimento” na educação e nas escolas, às quais apontou falta de recursos e funcionários, e disse que o Governo “não pode usar a estafada desculpa de a culpa ser dos outros”.
A deputada do CDS-PP Ilda Araújo Novo foi mais dura nas críticas, classificando a medida que PCP e BE querem que passe a ter força de lei como “uma irresponsabilidade que começou no primeiro ano de Governo e que visa agora toda a escolaridade obrigatória”.
A deputada centrista lembrou a auditoria do Tribunal de Contas que dizia que a gratuitidade dos manuais estava suborçamentada em 100 milhões de euros, as dívidas às livrarias que aderem ao sistema de vouchers para levantamento dos manuais e as baixas taxas de reutilização, as quais, lembrou Ilda Araújo Novo, foram apontadas pela secretária de Estado da Educação como um problema para a continuidade da medida.
“Agem PCP e BE como se isto nada fosse. […] É nosso dever garantir que a gratuitidade do ensino não dispensa nem prescinde das condições de sustentabilidade. […] As alterações propostas não podem, não devem prevalecer de forma alguma”, disse.
Pelo lado do PS a deputada Odete João reconheceu a importância da medida no combate às desigualdades sociais e admitiu que a reutilização “ainda está a dar os primeiros passos e precisa de ser aprofundada”, afirmando ainda que os manuais gratuitos permitem “evoluir para outros patamares”, como o da digitalização ou de modelos de ensino em que os manuais não são a fonte de transmissão de conhecimento por excelência.
Às dúvidas que deixou ao PCP sobre o projeto de lei dos comunistas, também levantadas pelo PSD, sobre a abrangência da gratuitidade prevista no diploma, Ana Mesquita viria depois esclarecer que o objetivo é apenas a gratuitidade no ensino público, como consta no preâmbulo do documento.
Ao PSD apontou ainda uma mudança no discurso sobre os manuais, que disse não ser “por acaso”, mas por o partido ter percebido que “o impacto no orçamento das famílias é enorme”.