Ainda antes da apanha das uvas Dirk Niepoort estava convencido de que 2017 seria um grande ano. Podia acontecer “asneira” durante a vindima, mas a meteorologia foi complacente com os grandes vinhos e os resultados remetem para os vintage recentemente declarados por diferentes casas durienses, Niepoort incluída. “Penso que é de longe o melhor vinho que fiz na minha vida”, assegura-nos o produtor sentado à mesa do restaurante Bistro 100 Maneiras, em Lisboa, onde durante a tarde vai dar a provar diferentes Portos da casa, sem esquecer o já mítico vintage de 1945 — aquele que o IVDP assegura ser o “primeiro do pós-guerra” (relativo à Segunda Grande Guerra Mundial).
Dirk Niepoort não vai tão longe ao comparar 2017 com 1945, mas admite que climatericamente os anos são parecidos. Uma ideia também ela defendida pelos Symington, família produtora de vinhos que pela primeira vez na sua história declarou dois vintages seguidos: 2016 e 2017. Desde que chegou a Portugal, em 1882, nunca se viu tal coisa. Agora, aquela que para a Symington terá sido a vindima mais precoce de que há memória em 137 anos de produção deu origem à primeira declaração consecutiva da casa, matemática à qual se junta também o grupo The Fladgate Partnership, que à Agência Lusa disse ser a “primeira vez” que uma declaração vintage acontece em dois anos consecutivos, acrescentando que “nos últimos cem anos não há qualquer registo” de uma decisão semelhante (os seus vinhos do Porto são comercializados com as marcas Taylor’s, Fonseca, Krohn e Croft). Porém, nem todos estão de acordo com a dupla declaração, Dirk Niepoort incluído: “Claramente 2015 é muito melhor ano do que 2016 e 2017 é muito melhor ano que 2016. Não me parece lógico, mas cada cabeça, cada sentença”.
A declaração de um vinho do Porto enquanto Vintage é decisão do produtor, ainda que chegar ao mercado como tal implique passar pelo crivo do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto. Até agora foram muitas as casas que publicitaram a respetiva declaração: à Symington, à Niepoort e ao grupo The Fladgate Partnership juntam-se nomes como Ramos Pinto, Churchill’s, Quinta da Gaivosa, Quinta do Noval, Quinta da Romaneira, Quinta de La Rosa, Quinta Vale D. Maria ou Quinta da Pacheca. Mas o que faz de 2017 um ano tão generoso para o vinho do Porto?
O ano muito quente foi feliz em época de vindima, altura em que não se fez sentir tanto calor e cujas noites chegaram a ser particularmente frias, daí que Dirk Niepoort fale num cenário “perfeito” e num resultado “fácil”. Apesar do registo de algumas quebras de produção, com os rendimentos a serem mais curtos, assistiu-se a uma grande concentração da uva e a decisão de vindimar cedo, no caso da Niepoort, foi crucial para alcançar o estado de maturação “ideal” — a vindima começou a 24 de agosto e terminou a 26 de setembro. O vinho que agora chega ao mercado a custar 90 euros envelheceu em tonéis durante o inverno e em março foi movido para as adegas em Vila Nova de Gaia, onde passou dois anos em tonéis velhos.
Ao Observador, Dirk explica que no que à produção de vinho diz respeito está mais “tentado a voltar para trás do que a andar para a frente”, isto é, trabalha com vinhas velhas, com processos de viticultura antigos, faz vinificações em lagares tradicionais, com pisa a pé e é apologista de usar 100% do engaço. “Nunca fui pelo caminho de provar vinhos frutados, muito bonitos. Sou totalmente contra a sobrematuração e acho que o vinho do Porto nunca viveu disso. Hoje em dia segue-se um caminho fácil de vindimar muito tarde, com muita uva passa, o que cria vinhos muito pastosos, gordos, difíceis de beber.”
Segundo o IVDP, organismo que zela pelo controlo e qualidade dos vinhos nascidos no Douro vinhateiro, com poder para chumbar ou aprovar os vinhos, o Porto Vintage resulta de um vinho produzido a partir de uvas de um único ano, sendo engarrafado dois a três após a vindima. O mesmo tem a capacidade de evoluir gradualmente durante 10 a 50 anos em garrafa. Para Dirk Niepoort, o novo vintage “vai envelhecer para sempre”.
A década começou muito bem com 2011, que foi um ano verdadeiramente excecional, foi muito bem recebido em todos os mercados. 2012, 2013, 2014 e 2015 foram anos bons, mas não considerámos os vinhos desses anos suficientemente destacáveis para declarar o ano clássico, que distingue qualidade fora do normal. 2016 e 2017 foram ambos declarados como vintage, um acontecimento de muita raridade”, diz ao Observador David Guimaraens do grupo The Fladgate Partnership.
2017 é, talvez, o ano mais unânime de todos, depois de 2011. Anunciar 2017 foi, para a Symington, o encerrar de “período de intenso debate dentro do setor” depois de 2016 ter corrido bem. O grupo de peso no sector vinhateiro duriense assegura que a decisão não foi tomada de ânimo leve. Ao Observador, Dominic Symington diz que prevê-se um “ano excecional, muito bom”. “Nós achamos que tem potencial para, no futuro, ser reconhecido como um dos grandes anos vintage. Alguns críticos também já reconheceram esse potencial”, continua.
Dois anos seguidos não significam, no entanto, dois perfis iguais: se 2017 é mais concentrado e opulento, “mais carne no osso” como diz Dominic Symington, 2016 é elegante, “talvez mais feminino”. Questionado sobre qual é melhor, o responsável pelo sector de vendas da produtora diz que não consegue escolher “entre os filhos”. O certo é que, tal como se coloca no site de Jancis Robinson, conhecida crítica de vinhos que trata da garrafeira da rainha Isabel II, o facto de a maior parte das casas terem declarado 2016, tendo em conta que declarações consecutivas são bastante raras, faz pensar que 2017 é um ano especial. Dominc não ficaria espantando se a Confraria de Vinho do Porto declarasse 2017 “ano vintage” — algo que ocorre sempre que mais de metade das empresas de Vinho do Porto estão de acordo.
David Guimaraens, enólogo e diretor técnico do The Fladgate Partnership, já antes admitiu, via comunicado de imprensa, que a vindima de 2017 foi a que começou mais cedo num espaço de um século. A última vez que esteve tão adiantada foi mesmo no já lendário ano de 1945.