Ekrem İmamoğlu. O nome não é fácil de fixar nem de pronunciar para um português. Exige uma leitura mais demorada para que se possa dizer com alguma fluidez. Lê-se assim: I-ma-mô-ôlu. Este é certamente um nome que a comunidade internacional vai começar a ouvir com mais frequência. Tudo porque no domingo este ex-empresário turco, com 49 anos recém-cumpridos, derrotou o partido do Presidente da Turquia, Recep Erdoğan, nas eleições para a Câmara de Istambul. Recebeu mais 800 mil votos do que o seu adversário, Binali Yildirim, e confirmou o estatuto de estrela em ascensão na política da Turquia. İmamoğlu obteve 54% contra os 45% do adversário.
O The New York Times chama-lhe a maior derrota da carreira política de Erdoğan, sobretudo por acontecer pela segunda vez, já que a vitória em março, então por uns escassos 13 mil votos de vantagem, foi considerada nula pelo governo turco e obrigou à repetição deste ato eleitoral. O segundo round realizou-se assim no domingo e embaraçou ainda mais o partido do presidente, o AKP. Mas de onde vem este candidato, capaz de infligir tamanha perda ao Chefe de Estado da Turquia, há 16 anos no poder, e ao AKP, que controla Istambul há 25 anos?
Partido de Erdogan volta a perder eleições para a câmara de Istambul
Para responder diretamente: do nada, como explica o The Guardian. Ekrem İmamoğlu era até há pouco um perfeito desconhecido para a maior parte dos turcos. A primeira aventura política aconteceu em 2009, quando decidiu candidatar-se às eleições do partido para o bairro de Beylikdüzü, em Istambul. Até então tinha uma carreira feita no ramo imobiliário sendo presidente de uma empresa de construção, que nunca lhe dera muita visibilidade. E, verdade seja dita, tão pouco a tinha procurado ativamente até esse momento.
Venceu essas eleições internas e tornou-se dirigente do partido naquela freguesia. Poucos adivinhariam que dez anos depois aquele homem a quem a primeira incursão pela política se tinha selado com uma vitória partidária local seria o rosto mais firme e visível da oposição ao regime de Erdoğan.
Foi apenas em 2014 que decidiu candidatar-se a um cargo político fora do partido, concorrendo para o lugar daquilo que em Portugal seria o de Presidente da Junta de Beylikdüzü, o bairro que o viu nascer para a política. Venceu com pouco mais de 50% dos votos, derrotando pela primeira vez na sua carreira um candidato do AKP.
Casado e pai de três filhos, dois rapazes e uma rapariga, İmamoğlu foi crescendo no seu partido CHP depois de ter sido eleito autarca naquele bairro de Istambul, onde foi ganhando calo político. Ainda assim, o seu nome continuava pouco conhecido junto da maior parte do eleitorado. Foi por isso com alguma surpresa que alguns eleitores olharam, no início de 2019, para a sua indicação como candidato do CHP para disputar a Câmara de Istambul.
Se no partido podia ser uma escolha lógica o mesmo não o era aos olhos do eleitorado da maior cidade turca, que se preparava para as eleições autárquicas de março de 2019. Mas este cenário rapidamente foi alterado pelo discurso com que İmamoğlu se apresentou aos eleitores. Desde cedo que disse querer fazer a campanha pelo lado positivo. A sua estratégia foi construída na base da “boa fé” e da “esperança”. Para apresentar tinha um currículo maioritariamente empresarial que ligava a esta postura de sobriedade: era um ex-administrador competente, que tinha levado os seus negócios a bom porto, e colava isto à ideia de manter a mente aberta. No fundo, um tipo normal, vindo da sociedade civil com quem as pessoas podiam identifcar-se facilmente.
Um discurso e uma postura simples que contrastavam com a imagem austera, agressiva e até intransponível de Erdoğan e do candidato do AKP. Um contra-ponto que permitia a İmamoğlu utilizar argumentos anti-populistas com alguma legitimidade, já que os telhados de vidro que existiam noutras candidaturas não foram vislumbrados na sua.
Não se trata, ainda assim, de um empresário que foi parar à política por acaso. Desde que entrou para o CHP que teve ambições de chegar longe, embora tenha mantido sempre uma imagem desempoeirada que ajudava a fazer o contraponto de algum taticismo político. Um exemplo dessa visão tática da política aconteceu no início do ano quando se reuniu com o presidente Erdoğan para lhe apresentar os seus planos para o futuro de Istambul. Uma jogada que serviu para mostrar ao eleitorado o quão empenhado estava no seu projeto ao mesmo tempo que passava a ideia de que conseguia nadar na piscina dos grandes.
Para garantir que a reunião com o presidente turco não tinha sido apenas para eleitor ver, İmamoğlu apostou forte na crítica ao populismo de Erdoğan e do AKP, em particular do seu adversário direto Binali Yildirim. Um discurso que parecia estar a convencer parte do eleitorado mas que não parecia ser suficiente para derrotar o partido do Presidente turco, pelo menos a julgar pelas sondagens efetuadas na véspera das eleições de 31 de março.
Mas as sondagens estavam erradas, o AKP não estava preparado e İmamoğlu preparava-se para ser o símbolo do combate ao populismo de Erdoğan. Mas naquela noite de março ainda não o sabia.
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Foi uma vitória à tangente, por cerca de 13 mil votos — o que numa cidade com mais de 15 milhões de habitantes é manifestamente pouco. Mas uma vitória. No entanto, a margem era tão curta que levou o AKP a pedir a repetição das eleições por alegadas irregularidades ao longo do processo. Depois de uma batalha jurídica, foi ordenada a repetição do ato eleitoral. O caso tornou-se assim nacional. İmamoğlu disse que não tinha medo, que queria combater “a repressão e o ódio” com “amor radical” e voltou a concorrer contra Binali Yildirim.
Rapidamente os holofotes dos media turcos mas também os dos internacionais começaram a olhar para o candidato do CHP como a cara mais visível da oposição ao regime de Erdoğan e às suas práticas governamentais. Vestiu essa pele com orgulho e tentou capitalizar a ideia de ser o candidato anti-sistema e anti-populista para travar uma batalha pela Câmara de Istambul. Aquilo que começou por parecer um volte-face acabaria por tornar-se um trunfo para İmamoğlu.
As eleições foram reagendadas para domingo, dia 23 de junho. Para muitos cidadãos de Istambul começou a representar o sinal de esperança, o símbolo de que era possível moderar Erdoğan e o seu regime. Uma ideia que a sua campanha se esforçou por passar e que o apoio de parte da comunidade internacional credibilizou.
Desta vez as sondagens não se enganaram e a vitória de İmamoğlu era mais expectável, embora a margem de vitória pudesse variar bastante. Era necessário que a vitória fosse clara, para não dar lugar a uma nova investida de Erdoğan e do seu partido junto dos tribunais para impugnar ou anular o ato eleitoral. Assim foi: foram mais de 800 mil votos de diferença entre os dois candidatos. Um resultado que levou milhares de pessoas às ruas da cidade para celebrar mais do que uma vitória municipal a vitória da ideia de que é possível fazer frente a Erdoğan através das urnas.
Turkish opposition leader #Imamoglu fought Erdogan with “radical love” and he won. What a beautiful day not just for Turkey but for those all@around the world who are looking for a way out of populism’s message of hate and exclusion.
— Gönül Tol (@gonultol) June 23, 2019
Ekrem İmamoğlu, o tipo normal com um nome difícil de pronunciar, o ex-empresário bem sucedido que entrou para a política há dez anos para disputar uma concelhia do seu partido, é agora o rosto do combate ao regime de Erdoğan e do AKP. Resta saber o que fará agora aos comandos da maior cidade da Turquia para enfrentar o presidente e se, quando a altura chegar, irá desafiar diretamente o Chefe de Estado, concorrendo às presidenciais turcas. A acontecer, não deixará de ser curioso notar que também Erdoğan venceu o país depois de passar pela Câmara de Istambul.