Estava agendada para as 14.00 horas e passou para as 15.00. Mas quando os jornalistas tentaram entrar na sala esta quarta-feira, o acesso foi-lhes vedado porque houve uma reunião à porta fechada antes de discutirem e votarem propostas de alteração ao relatório da comissão parlamentar de inquérito à CGD.
Só que, durante algum tempo, sem que os deputados se apercebessem, o canal Parlamento emitiu esse encontro em direto (via streaming) durante quase 50 minutos. Até que alguém se apercebeu, avisando que estava a ser transmitido.
Apesar de interrompida a gravação, o Jornal Económico disponibilizou o vídeo com a parte emitida por se tratar de um tema “de interesse público”.
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Neste encontro à porta fechada, os partidos tentaram conciliar posições sobre as conclusões da comissão de inquérito e uma parte considerável do vídeo mostra a discussão sobre se deveria ser incluída a expressão “gestão danosa” no relatório. Foi Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, que levantou a questão, mostrando-se preocupada com o rigor da expressão: “Eu não sei se juridicamente isto é verdade e se é factualmente comprovado”.
“Se banalizamos o conceito do ponto de vista jurídico, somos levados a concluir que qualquer gestão irresponsável ou negligente é danosa. Eu não tenho problema com as palavras e acho que devemos chamar ‘danosa’ se for danosa, mas temos de ter o cuidado de garantir que o facto da conclusão corresponde ao facto do inquérito ou então sermos cautelosos na forma como escrevemos”, disse ainda.
De imediato, Cecília Meireles, do CDS, concordou, lembrando que “comissões de inquérito não são tribunais” e que os papéis não devem ser misturados. “Estamos aqui para apurar factos e para retirar conclusões políticas, não estamos aqui para deduzir acusações ou fazer julgamentos e produzir acórdãos”.
A deputada centrista lembrou que “gestão danosa” é um crime tipificado e sugeriu que se usasse uma formulação diferente. “Que nós possamos dizer que dos factos apurados nesta comissão pode eventualmente resultar responsabilidades criminais que o Ministério Público deve apurar é uma coisa que me parece até sensata”, esclareceu Cecília Meireles. A palavra-chave aqui seria “eventualmente”.
No PCP, Paulo Sá subscreveu “integralmente” as palavras de Cecília Meireles, sugerindo alterar o título daquele capítulo para “falta de racionalidade económica na gestão da Caixa” em vez de “gestão danosa”. O deputado comunista disse que bastariam pequenas alterações para que o documento pudesse ser “subscrito por todos”.
De consenso em consenso, de seguida Rocha Andrade subscreveu “tudo o que foi dito” até então, acrescentando que é uma qualificação que não deve ser feita pelos deputados, porque os “coloca em eventual conflito com o Ministério Público”. Avisou também para “uma certa leviandade em atirar com tipos de crime de forma genérica”.
O deputado socialista lembra que “a imputação da prática de um crime é uma coisa muito séria” e que seria necessário identificar pessoas concretas em circunstâncias específicas. Rocha Andrade disse que se houvesse uma redação “mais conforme aos princípios do Estado de Direito” então o PS estaria recetivo.
Duarte Pacheco, do PSD, que tinha proposto aquela formulação de “gestão danosa”, concordou que a comissão não é um tribunal e sublinhou que o título desse capítulo não era fundamental. Poderia ser alterado para “gestão causadora de danos” ou “gestão irracional”.
Importante, disse o deputado, seria manter a referência às regras “de uma gestão económica racional indiciadoras de gestão danosa”. Ou seja, o título poderia ser alterado, mas os indícios ficariam. E lembrou que, “noutra comissão de inquérito, a Camarate, até por unanimidade”, os deputados concluíram “que existem factos que indiciam a existência de um atentado”.
“E aí as pessoas assumiram as suas responsabilidades — indiciam”, disse Duarte Pacheco, que entende que os deputados não devem ter “medo das palavras”.
Mariana Mortágua sugeriu então para título do capítulo a expressão “gestão imprudente e irracional”, mas não ficou totalmente convencida se haveria, de facto, esses indícios. Pediu por isso ajuda a outros deputados com conhecimento de Direito para que garantissem que há enquadramento jurídico. “Não quero votar incorreções”, concluiu a deputada bloquista.
Rocha Andrade, do PS, referiu então que para haver gestão danosa teria de ser provada intencionalidade, porque “o gestor tem de ter atuado para intencionalmente provocar o prejuízo”. “Não basta ser incompetente, imprudente e irracional”, explicou.
No final desta discussão, Duarte Pacheco, do PSD, reconheceu que tem as mesmas dificuldades, por não ser jurista, mas apontou intencionalidade à administração da CGD. “Quando a administração avança para determinadas operações, por decisão própria, contrariando nomeadamente os pareceres de risco, é porque tem intenções claras que aquelas operações se concretizem”, considerou o social-democrata.
O imbróglio foi remetido depois para votação, mas essa parte já não é captada pelo vídeo que o Parlamento publicou. A reunião aberta começaria às 16.30, com o presidente da comissão, Luís Leite Ramos, a explicar que a reunião à porta fechada foi preparatória e de trabalho e que foi transmitida por lapso. E os “indícios de gestão danosa”, como constava da proposta do PSD, acabaram mesmo ser chumbados, com os votos contra do PS e do PCP, contando com a abstenção do Bloco de Esquerda.
Caixa. Relatório proposto por deputado do CDS aprovado por todos. É inédito em inquéritos à banca
Texto atualizado às 19:00