O que interessa saber
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Nome: Taberna do Calhau
Abriu em: Maio de 2019
Onde fica: Largo das Olarias, 23, Lisboa
O que é: O novo poiso do chef Leopoldo Calhau, arquiteto que anteriormente fez o seu caminho no A Sociedade, na Parede, e no Café Garrett, em Lisboa
Quem manda: O próprio Leopoldo Calhau
Quanto custa: Entre 20 e 25€ por pessoa.
Uma dica: Leopoldo é um confesso amante de azeite e nesta Taberna do Calhau há muitas referências nacionais, umas mais conhecidas que outras, à venda. Aproveite para provar e levar para casa aquelas que mais gostar.
Contacto: 215 851 937
Horário: Das 12h às 15h e das 19h às 00h; quarta-feira e domingo só se servem almoços; fecha terça-feira.
Links importantes: Facebook, Instagram
A História
Do tijolo ao prato — é desta forma meio a brincar, meio a sério, que o chef Leopoldo Calhau descreve o seu percurso de vida. Arquiteto de formação (e coração), o responsável desta novidade lisboeta só decidiu aprofundar o seu conhecimento na cozinha, paixão que sempre teve, mais tarde do que o habitual. “Quando decidi que queria tentar ter o meu restaurante, fui aprender”, conta ao Observador sentado numa das mesas da sua Taberna do Calhau. Estudou, estagiou e lançou-se “ao mar” num projeto chamado “A Sociedade”, espaço que fazia parte da Sociedade Musical União Paredense, mais conhecida como SMUP. Foi debaixo desse teto que começou a mostrar-se a título próprio, ainda num registo de comida simples mas genuína.
Passados alguns anos Leopoldo finalmente dá o salto e aterra no Café Garrett, mesmo no centro de Lisboa, no projeto que lhe viria a dar muito mais exposição e onde apresentaria uma visão ainda mais apurada daquilo que agora, nesta nova Taberna, é a sua consolidada identidade gastronómica: um jogo entre o novo e o antigo sempre com o Alentejo como pano de fundo. A família de Leopoldo é de Vila Alva, perto da Vidigueira, e o cozinheiro não hesita em dizer que apesar de não ter vivido lá, é como se de lá nunca tivesse saído — “Era o destino de férias todos os anos, passava lá muito tempo e sempre me identifiquei com aquela realidade, aquela cultura e modo de ser”, explica.
Confesso apaixonado pela ideia de “taberna” portuguesa (alentejana ainda mais), Leopoldo decide virar de rumo e apostar neste formato, uma espécie de versão cuidada do clássico nacional, depois do seu tempo no Café Garrett ter chegado ao fim há quase um ano. Nesse espaço de tempo o cozinheiro apostou no estrangeiro e fez uma série de viagens em busca de inspiração e conhecimento, percursos que o levaram a percorrer Espanha, Londres, Bélgica e Itália.
Do tijolo ao prato é, portanto, o caminho que fez do mundo da arquitetura para o do bem comer.
O Espaço
Quando a passagem de Leopoldo pelo Café Garrett chegou ao fim, o chef cedo percebeu que queria voltar a aventurar-se noutro projeto. Porém, é importante não esquecer que estávamos em 2018, plena época de um mercado imobiliário selvático para todos os que procuravam começar um projeto a solo feito de raiz. Encontrar um imóvel foi desafiante mas “num golpe de sorte, quase”, como o próprio define, lá deu com o número 23 do Largo das Olarias, no bairro da Mouraria.
“Estamos aqui entalados, por um lado, em 100 anos de arquitetura portuguesa [brincadeira com uma paisagem onde se veem vários edifícios, cada um de uma altura diferente], por outro, com o Castelo de São Jorge — o que podia pedir mais?”, revela o chef ao descrever este seu novo poiso, um edifício totalmente remodelado que une traços mais modernos a características tradicionais. Ocupando todo o piso térreo desse prédio branco temos esta Taberna do Calhau que se estende ao comprido e tem capacidade para receber 26 pessoas de cada vez. O lado esquerdo deste paralelepípedo é ocupado por um frondoso balcão, primeiro, e a zona de empratamento que esconde atrás de si a cozinha propriamente dita. Tudo o resto são mesas e bancos havendo ainda espaço para a zona onde se armazenam os vinhos, que fica no fundo do restaurante.
É na decoração da casa (e muito mais, na verdade), que mora um dos principais pormenores deste projeto e tudo começou com a chamada de um amigo. “Ele queria vender o recheio de uma taberna em Beja, tudo o que estava lá dentro, e eu vi aí uma oportunidade”, conta. Ficou com tudo o que em tempos existiu nesse espaço e transportou para Lisboa, para a esta nova casa no bairro da Mouraria. “Mais de 70% do que está aqui foi aproveitado da taberna antiga”, revela. Falamos de todas as mesas (“a pedra do tampo é original, nem sequer foi retocada e olha que ainda levou uns safanões no transporte”) e bancos (“não foram pintados, estão como estavam, genuínos”), de todos os retratos nas paredes, dos candeeiros que os iluminam, as portas da zona de armazém, os talheres, os pratos, muitos copos e quase todos os elementos de decoração, sejam eles os malotes gigantes ou as latas e garrafas.
“Eu queria ter um sítio que fosse o reflexo da maneira que eu gosto de comer — de forma relaxada mas com alguns cuidados”, afirma Leopoldo. Ora é isto que aqui se encontra: uma perfeita combinação do descontraído Q.B. com a qualidade e atenção (e não obsessão) ao pormenor.
A Comida
Tudo nesta Taberna do Calhau rema na direção certa, não há desvios no conceito que procura juntar o universo típico destes sítios de comida popular ao da contemporaneidade e da comida criativa despretensiosa. Neste novo formato Leopoldo apresenta aquela que será a versão mais solta e apurada daquilo que é a sua cozinha, mantendo a tradição portuguesa viva com recurso aos produtos — praticamente todos oriundos de pequenos produtores nacionais — típicos que usa e às receitas que vai ajustando consoante o que a sua criatividade dita. Há muito Alentejo, claramente, mas também há referências de outras geografias nacionais: por um lado temos pratos como o gaspacho (3€) servido quase como se fosse uma salada montanheira mas depois também temos as alheiras (“são de Trás-os-Montes, só as sirvo quando há”) que se fazem acompanhar por aipo e pera, prato que vale 8€.
Apesar do nome desta novidade ela não pretende ser apenas uma Taberna, também quer ser restaurante, “espaço onde as pessoas possam fazer mais que simplesmente petiscar”, daí haver opções para ambos os casos. A carta vai mudando com frequência mas quem quiser apenas “picar” alguma coisa terá sempre referências como o queijo fresco e azeite (2€), o paio e painho (6,50€), a deliciosa homenagem às cervejarias que se chama simplesmente Camarão e Tremoço (4,50€, é uma sopa de camarão com uma espécie de tapenade de tremoço) ou a cabeça de xara da Dona Otávia (5,50€), essa grande figura dos enchidos e fumeiro alentejanos. A caminho dos pratos mais substanciais temos a linguiça assada (7€), o pato de escabeche (7,50€) e a gulosa pescada com ovo e coentros (9,50€).
Finalmente, no campeonato dos pratos mais cheios, encontramos o bacalhau e xerém (9€ e um piscar de olho ao Algarve), o porco bísaro no pão (7,50€) e viciante “Alentejaninha” (9€), uma espécie de bifes de bochecha de porco que são grelhados na chapa e depois levam um banho de molho de francesinha do chef. Para sobremesa não há como evitar o pudim de noz da Joana (6,50€), a mãe de Leopoldo, que faz e envia esta pequena delícia, para que a sirva no restaurante. Há ainda vários pratos de queijo à disposição, sejam eles o de São Jorge DOP (9€), o de ovelha curado (5,50€) e o amanteigado (5€).
Como em qualquer taberna que se preze o vinho tem um papel essencial nesta casa e a escolha de tudo o que se serve passou sempre pelas mãos (ou melhor, copo) de Leopoldo. “Conheço pessoalmente quase 80% dos produtores que tenho aqui à venda”, explica. Há uma carta rica em referências nacionais mas também com os olhos postos lá fora, havendo algumas referências italianas e francesas, por exemplo. No geral fala-se, mais uma vez, de pequenos produtores, quase todos dentro do registo dos chamados vinhos naturais ou de intervenção reduzida. Isto significa que representam “sem maquilhagens” o terroir de onde vêm.
O panorama da restauração em Lisboa tem vivido uma mutação galopante e esta evolução vem muito a reboque não só do maior fluxo de turismo e expatriados, que cria um novo e mais exigente tipo de procura no mercado, mas também do crescente interesse e curiosidade do português comum. Apesar de ainda haver muita gente que só valoriza a política do prato cheio e barato, descurando a qualidade e proveniência daquilo que compra, espaços como esta Taberna do Calhau tem conseguido surgir e florescer, oferecendo uma cozinha criativa que não se prende ao formalismo e ao old schoolismo. Espaços onde nos “podemos sentir em casa mas sem esquecer que estamos num restaurante”. Há tascas ótimas e espetaculares estrelas Michelin — por que não haver algo que fique no meio destes dois? É essa faixa que tem aumentado, aos poucos, e ainda bem.
“Cuidado, está quente” é uma rubrica do Observador onde se dão a conhecer novos restaurantes.