O Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas afirma que os seus associados não vão realizar cargas e descargas de combustível na prestação dos serviços mínimos que vieram a ser definidos pelo Governo para a greve agendada para começar no próximo dia 12 de agosto.

Esta posição estende-se ao trabalho suplementar, que segundo o SNMP, também não deverá ser prestado no quadro dos serviços mínimos e ficou inscrita na ata da reunião que se realizou esta quarta-feira nas instalações da Direção Geral do Emprego e Trabalho que não conseguiu obter um acordo entre sindicatos e empresas quando ao nível de serviços mínimos a efetuar para assegurar um nível de abastecimento de combustíveis que não ponha em causa o funcionamento da economia.

Na ata desta reunião, consultada pelo Observador, o SNMP esclarece que “em face das declarações proferidas veio o SNMP reagir, não aceitando a proposta apresentada pelas associações de empresas, adiantando que não será realizado trabalho suplementar e que apenas serão cumpridas as funções de motorista, isto é, não efetuarão cargas nem descargas”.

Esta postura, que foi acompanhada pelo sindicato independente de mercadoras, a ser seguida significa na prática que os serviços mínimos não vão cumprir o objetivo pretendido de permitir o abastecimento, uma vez que o combustível ficará no camião na tanque e não haverá descarga para o posto ou para o armazém de um cliente. Isto porque nas bombas não há ninguém qualificado e com o know-how para o fazer. Será uma espécie de “greve de zelo” aos serviços mínimos, no mínimo. E pode até configurar um incumprimento que justifique a requisição civil.

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Esta posição, sabe o Observador, apanhou de surpresa os presentes nesta reunião no Ministério do Trabalho e Segurança Social e está a preocupar empresas e Governo, tendo sido manifestado ao Executivo a necessidade de definir serviços mínimos que incluam expressamente as operações de cargas e descargas de produto.

A informação foi confirmada ao Observador por fonte oficial da ANTRAM (Associação Nacional dos Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias) que adianta que esta declaração surgiu depois da associação das empresas de transporte ter manifestado a sua indisponibilidade para ir mais longe nos aumentos de subsídio para 2020 que ficaram acordados no protocolo de maio. Para além de qualificar de “socialmente irresponsável”, a proposta de 25% de abastecimento da rede apresentada pelo SNMP (a ANTRAM queria 70%).

A mesma fonte diz que as cargas e descargas fazem parte da operação dos motoristas de materiais perigosos e lembra que até ficou previsto o pagamento de um novo subsídio de risco para compensar o manuseamento por parte dos condutores destas matérias perigosas. Fonte oficial da ANTRAM adianta que a carga e descarga do produto faz parte do contrato coletivo de trabalho destes condutores, e da certificação específica que recebem face a outros motoristas. Se esta parte do trabalho não for efetuada, as empresas de transporte não estão a cumprir os contratos de fornecimento com os seus clientes e serão penalizadas por isso. E se isso acontecer, acrescenta, haverá lugar a processos disciplinares.

O porta-voz da ANTRAM, André Matias, falou à Rádio Observador

A mesma fonte refere que o boicote ao trabalho suplementar também dificultará o cumprimento de serviços mínimos, dando como exemplo a eventualidade de terminar o turno normal de trabalho de um condutor que esteja a 20 minutos do destino do combustível.

Depois do acordo falhado para a definição de serviços mínimos cabe ao Governo definir a sua dimensão para áreas geográficas, bem como para a rede postos de emergência, a REPA, que foi atualizada, incluindo agora mais de 300 postos para o abastecimento ao público, o que representa cerca de 10% da rede nacional. O ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, já afirmou que esses serviços serão “satisfatórios”, sem revelar a sua dimensão.

ANTRAM alerta para incumprimento do contrato coletivo de trabalho. Sindicato diz que motoristas estão habituados a ameaças

André Matias de Almeida, advogado e porta-voz da ANTRAM, revelou à rádio Observador que foi enviada esta quinta-feira uma carta à Direção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT) e aos sindicatos alertando para o facto de que os seus associados devem ser informados da possibilidade de incumprimento do contrato coletivo de trabalho. “Entendemos que é de uma irresponsabilidade brutal fazer esta declaração numa ata e não informar os seus associados pelo menos do risco que eles correm ao não fazerem as cargas e descargas”, afirmou Matias de Almeida.

Além da questão do “manuseamento das cargas e descargas”, existe “uma questão profissional” relacionada com “o seu próprio contrato de trabalho. “Acreditamos que, face ao que está no contrato coletivo de trabalho, [se trata de] o incumprimento do mesmo contrato de trabalho, ainda mais com os serviços mínimos que o despacho do Governo determinar, o que não poderá deixar de acontecer, naturalmente. Não vai a senhora que trabalha na cafetaria fazer a descarga do gasóleo e da gasolina”, disse ainda o porta-voz.

Face “ao anúncio prévio” e ao “incumprimento dos serviços mínimos”, o Governo deve, na opinião do advogado da ANTRAM, “responder com uma requisição civil, também ela antecipada”.

Questionado sobre a carta enviada pela ANTRAM aos sindicados referindo o contrato coletivo de trabalho, Pedro Pardal Henriques lembrou que “ameaças têm sofrido estes motoristas a vida toda e ainda assim têm continuado a trabalhar. Estes motoristas, ao dizerem que não vão fazer cargas e descargas, estão a dizê-lo com base na Lei”, disse, em declarações à rádio Observador.

De acordo com o vice-presidente do SNMP, “o contrato coletivo de trabalho diz que os motoristas não tem o dever de fazer cargas e descargas, a não ser que esteja previsto no contrato individual. Ora, o contrato individual destes motoristas não prevê, na sua larga maioria, as cargas e descargas, até porque existe uma categoria profissional própria, que é o do montador de cargas”. Segundo o contrato coletivo, deve ser este “a fazer as cargas e descargas”. Mas há ainda um outro problema: “A maior parte dos motoristas nem contrato tem ou, se tem, não lhe foi entregue”, apontou Pardal Henriques, lembrando que estas situações estão relatadas “em vários processos” judiciais.

“Por isso, e a não ser que haja uma obrigação judicial destes motoristas fazerem as cargas e descargas, eles não as irão fazer durante o período da greve”, concluiu o vice-presidente do SNMP. “Os motoristas trabalham cerca de 18 horas por dia, fazem o trabalho de duas pessoas, de motorista e manobrador, e a ANTRAM quer que trabalhem — que trabalhem 18 horas por dia, que trabalhem por motorista e trabalhador mas, por outro lado, diz que não quer pagar. Assim é fácil gerir empresas e é muito fácil fazer com que elas deem lucro.”

Pardal Henriques falou à Rádio Observador

Reservas de emergência disponíveis, mas não se sabe como chegarão às bombas

A semana tem sido marcada por várias reuniões que envolvem o Governo, mas também os operadores do setor que estão a preparar tudo para minimizar os efeitos desta nova paralisação. A antecipação de abastecimento pedida pelo ministro aos condutores, será também acompanhada de um reforço preventivo do armazenamento disponível nas bombas e clientes diretos. No entanto, esta capacidade continua a ser limitada. E isso não mudou desde a última paralisação em abril.

Greve dos combustíveis. Regulador pronto a usar reservas de emergência do Estado

Outra das medidas anunciadas foi a prontidão para o uso das reservas estratégicas de Portugal por parte da ENSE (Entidade Nacional do Setor Energético). No entanto, esta disponibilidade não terá grande efeito na resolução do problema criado pela greve, porque não está em causa a falta de produto, mas sim de meios de transporte para o levar onde ele é preciso e onde estão os consumidores, ou seja, nas bombas de gasolina e nos grandes clientes diretos como as empresas de transportes. E sobre essa parte a ENSE não prestou qualquer esclarecimento adicional, quando questionada pelo Observador.

As reservas estratégicas servem para 90 dias de consumo, em quantidades normais de procura. No entanto, apenas uma parte dessas reservas é composta por produtos refinados prontos a usar, como o gasóleo e a gasolina. Outra parte, provavelmente a maior, é constituída por petróleo que tem de ser processado.

É “provável” que falte gás no Algarve. Fornecimento poderá demorar “vários dias a ser reposto”

Nas declarações prestadas à rádio Observador, Matias de Almeida revelou ainda que é “provável” que venha a faltar gás no Algarve, uma vez que o fornecimento só pode ser feito por camião. Se isso acontecer, a reposição não poderá ser feita “rapidamente”. “Ou seja, não é como colocar gasóleo numa bomba de gasolina. O gás demorará vários dias a ser reposto”, afirmou.

Questionado sobre o impacto que a greve terá, o advogado disse que, “para as mais de duas mil empresas que a ANTRAM representa”, este será “sobretudo económico, mas não será nada comparado com aquilo que será para a vida dos portugueses, para as suas férias”.

(Artigo atualizado às 11h35 de sexta-feira com as declarações de André Matias e Pedro Pardal Henriques à Rádio Observador.)