As golas anti-fumo distribuídas pela Proteção Civil não inflamam, mas perfuram, conclui o relatório preliminar encomendado pelo Ministério da Administração Interna ao Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra. Essas são as mais recentes novidades na polémica acerca dos kits de emergência com material inflamável.

Em comunicado de imprensa, a Proteção Civil afirma que a população pode, por isso, continuar a usar as golas: “Estamos seguros de que os cidadãos podem continuar a confiar na Autoridade e a utilizar as golas, tendo presente que as mesmas não consubstanciam equipamentos de proteção individual para combate a incêndios rurais”. “Não obstante, as golas não constituírem equipamento de proteção individual, destinando-se à proteção das vias respiratórias em situações de evacuação e de deslocação para abrigos ou refúgios, os testes realizados afastam os perigos de combustão que foram sendo erroneamente apontados”, justifica.

Os testes foram realizados no Laboratório de Estudos sobre Incêndios Florestais com 28 golas idênticas às distribuídas pela Proteção Civil, a 28 de julho. A densidade do poliéster encontrada foi de 146 gramas por metro quadrado, conclui este relatório preliminar “muito sucinto”. O grupo de trabalho diz que “não foram analisados muitos dos parâmetros” e as conclusões são as possíveis “com base nos dados documentais e nas medições realizadas”.

Foi utilizado “um queimador de mato com uma carga de cinco quilogramas que demorava cerca de dois minutos a arder”. As golas eram colocadas a quatro distâncias diferentes do queimador: um metro, 50 centímetros, 30 centímetros e 20 centímetros. As golas foram testadas quando expostas “ao impacto de partículas incandescentes e ao contacto de uma chama, do tipo chama de isqueiro ou de mato”.

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Neste último caso, verificou-se que as partículas incandescentes “perfuravam a gola, mas esta não se inflamava, isto é, a combustão com chama não era sustentada”. “O contacto com uma chama viva produzia uma perfuração de maior ou menor diâmetro” mas em geral não havia “combustão”. Ou seja, a gola só ardia em situações “de ignição com uma chama permanente” e com o tecido quase na vertical.

Por isso, o grupo de trabalho liderado por Xavier Viegas concluiu que as golas “não se inflamaram — isto é, não entraram em combustão com chama — mesmo quando sujeitas a um fluxo de calor de muito elevada intensidade, mesmo quando colocadas a uma distância inferior a meio metro das chamas, durante mais de um minuto”.

Leia aqui o relatório de cinco páginas na íntegra com exemplos de fotos tiradas durante os testes.

1 Introdução

Por solicitação da ANEPC foram realizados testes com golas iguais as que foram distribuídas à população, no âmbito do programa Aldeia Segura, Pessoas Seguras, no Laboratório de Estudos sobre Incêndios Florestais, para avaliar o comportamento das golas quando expostas a um ambiente próximo de um incêndio florestal. Em concreto pretendeu-se avaliar se as referidas golas se inflamavam quando sujeitas a um forte fluxo radiativo, semelhante ao de uma frente de chamas como as que ocorrem em incêndios florestais, podendo colocar em perigo o seu utente, pelo facto de entrarem em combustão.

A ANEPC entregou-nos um conjunto de 28 golas idênticas as que foram distribuídas a população, para a realização destes ensaios.

Uma pesagem efetuada a um conjunto de 8 artigos permitiu verificar que o peso médio de cada uma era de 26.3g. Tendo em conta as dimensões do tecido utilizado em cada gola (45x40cm2 ), estimamos que a densidade do tecido poliéster utilizado na confeção destas golas é de 146 g/m2 .

Os ensaios foram realizados no Laboratório de Estudos sobre Incêndios Florestais, no dia 28 de julho de 2019, empregando alguns dos recursos disponíveis neste laboratório. Na realização dos ensaios estiveram envolvidas nove pessoas, cuja identificação é apresentada em baixo.

O presente documento constitui um relatório preliminar muito sucinto, uma vez que não foram ainda analisados muitos dos parâmetros que foram objeto de medição e registo durante os ensaios. Os resultados e as conclusões que se apresentam são, no entanto, as que é possível retirar com base nos dados documentais e nas medições realizadas.

2 Metodologia

Para testar a resistência de cada amostra a um fluxo radiativo de grande intensidade, foi utilizado um queimador de mato com uma carga de 5kg, que demorava cerca de dois minutos a arder, produzindo uma taxa máxima de perda de massa de cerca de 200g/s, a que corresponde uma potência nominal máxima de cerca de 3MW.

A amostra era fixa numa estrutura metálica, que se colocava a diferentes distâncias da face do contentor de arbustos. As distâncias utilizadas nos ensaios foram de 1.00m, 0.50m, 0.30m e 0.20m.

A massa de combustível era registada durante o ensaio numa balança digital com a frequência de 1hz. Um sensor de fluxo total e outro de fluxo radiativo arrefecidos por água foram utilizados para medir o fluxo de calor emitido pelas chamas à distância de 1.0m e de 0.5m.

Uma câmara térmica de IV registou continuamente a temperatura da amostra e os ensaios foram registados utilizando duas câmaras de vídeo e varias câmaras fotográficas digitais.

As temperaturas máximas indicadas na Tabela foram determinadas com a câmara de infravermelhos, admitindo que o coeficiente de emissividade do tecido era =1.0. As medições preliminares dos fluxos de calor, com sensores de fluxo total e radiativo, dão uma indicação de fluxos totais máximos da ordem de 8 kW/m2 a um metro de distância e de 14kW/m2 a 0.5m de distância.

3 Imagens dos ensaios

Apresentam-se em seguida algumas imagens de cada um dos ensaios, para ilustrar as condições de operação e os resultados obtidos.

3.6 Ensaios complementares

Foram realizados ensaios complementares com algumas golas, no final dos ensaios GO4 e GO5, tendo em vista analisar o comportamento das golas face ao impacto de partículas incandescentes e ao contacto com uma chama, do tipo chama de isqueiro ou de mato.

Verificou-se que as partículas incandescentes perfuravam a gola, mas esta não se inflamava, isto é a combustão com chama não era sustentada.

O contacto com uma chama viva, produzia uma perfuração de maior ou menor diâmetro, mas em geral a combustão não se sustentava com chama viva. Esta situação de combustão com chama apenas ocorreu em determinadas situações de ignição com uma chama permanente e com o tecido da amostra situado praticamente na vertical.

4 Conclusão

Em conclusão podemos dizer que as golas testadas não se inflamaram – isto é não entraram em combustão com chama – mesmo quando sujeitas a um fluxo de calor de muito elevada intensidade, produzido por chamas cuja altura variou entre um e quatro metros, mesmo quando colocadas a uma distância inferior a 0.5m das chamas, durante mais de um minuto.

Nota final: Estamos presentemente a analisar os dados recolhidos nos ensaios, a fim de poder quantificar os resultados e observações e suportar melhor as conclusões retiradas. Dispomos de registos fotográficos e de vídeo de cada um dos ensaios e as golas testadas foram guardadas para análise.

5 Participantes no ensaio

Participaram na preparação e realização destes ensaios, assim como na análise dos dados, os seguintes elementos afetos à equipa do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais:

  1. Domingos Xavier Viegas (CEIF, Coordenador)
  2. Luís Reis (CEIF, Investigador Doutorado)
  3. Carlos Xavier Viegas (CEIF, Investigador Doutorado)
  4. Cláudia Pinto (CEIF, Investigador Mestre)
  5. Nuno Luís (CEIF-Técnico de Laboratório)
  6. Gonçalo Rosa (CEIF-Técnico de Laboratório)
  7. José Pedro Barge (Licenciado em Engenharia Mecânica, Estudante de Mestrado)
  8. André Albino (Licenciado em Engenharia Mecânica, Estudante de Mestrado)
  9. Bruno Sampaio (Licenciado em Engenharia Mecânica, Estudante de Mestrado)