António Costa diz que o Bloco de Esquerda é um partido de “mass media” e que, se tiver um resultado forte nas eleições legislativas de outubro, significará a ingovernabilidade do país. Em entrevista ao jornal Expresso, o primeiro-ministro não poupa o partido liderado por Catarina Martins, mas faz rasgados elogios ao PCP. Explica que não quer “ser injusto”, mas que “são partidos de natureza muito diferente”, porque o PCP tem “uma maturidade institucional muito grande”, por já ter feito parte de governo provisórios, por ter liderado grandes autarquias e por não viver “na angústia de ter de ser notícia todos os dias ao meio-dia”.
Isto permite uma estabilidade na sua ação política que lhe dá coerência, sustentabilidade, previsibilidade, e portanto é muito fácil trabalhar com ele”, explica António Costa.
Em contrapartida, o primeiro-ministro, que cita um amigo para descrever os dois partidos, diz que o estilo de atuação de BE e PCP é muito diferente, referindo-se ao Bloco como uma nova realidade partidária, a par dos “movimentos inorgânicos” sindicais:
Há um amigo meu que compara o PCP ao Bloco de uma forma muito engraçada: é que o PCP é um verdadeiro partido de massas, o Bloco é um partido de mass media. (…) Não me compete a mim dizer qual é melhor ou pior, não voto nem num nem no outro.”
Se, em outubro, o PS não tiver maioria absoluta e precisar, de novo, do apoio dos partidos de esquerda, António Costa, não afasta futuros acordos com ambos os partidos, mas não admite um cenário semelhante ao de Espanha, onde o Podemos exige lugares no Governo para apoiar o executivo socialista de Pedro Sánchez. Costa diz que, nesse caso, a estabilidade política do país estaria em causa, porque se “o nosso Podemos” for forte e o PS fraco, não haverá “uma solução governativa feliz”.
Acho que todos devemos olhar para Espanha para perceber os riscos do que pode ser um PS fraco e um Podemos forte — significa a ingovernabilidade e a impossibilidade de haver uma solução governativa feliz. (…) Um cenário à espanhola, com um PS fraco e o nosso Podemos forte, seguramente inviabilizaria a estabilidade política”.
A resposta veio pelo Twitter e pela mão de Marisa Matias. A eurodeputada escreve que, “enquanto precisou de parceiros para ser governo”, António Costa “nunca fez caricaturas de mau gosto” e que “agora parece que vale tudo para tentar maiorias absolutas”.
Nestes 4 anos, enquanto precisou de parceiros para ser governo, @antoniocostaPM nunca fez caricaturas de mau gosto. Agora parece que vale tudo para tentar maiorias absolutas. https://t.co/RYJl4CpupT
— Marisa Matias (@mmatias_) August 24, 2019
Governo pediu à PGR parecer sobre incompatibilidades, mas admite não o seguir
Na entrevista, António Costa assume também que pode não seguir a recomendação da Procuradoria-Geral da República sobre as incompatibilidades de contratos de familiares do Governo com o Estado. Questionado pelo Expresso sobre se vai aceitar o parecer que pediu ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República para esclarecer se os contratos violam a lei das incompatibilidades, não deu garantias sobre se vai seguir qual for a recomendação.
Costa pede parecer a PGR sobre casos de contratos de familiares de governantes
Os contratos de familiares com familiares ministros como Pedro Nuno Santos, de Francisca van Dunen ou Graça Fonseca suscitaram polémicas por serem ilícitos à luz da lei das incompatibilidades. Segundo o primeiro-ministro, há “dúvidas legais” e reencaminha a questão para o que está no “artigo 9.º do Código Civil”, que refere como deve ser interpretadas as leis.
O primeiro-ministro diz que se trata de “uma regra básica da interpretação e que está no artigo 9.º do Código Civil – qualquer aluno que tenha concluído o primeiro ano da faculdade do curso de direito estudou-o. E diz assim (vou citar de cor): a interpretação não se pode cingir à letra da lei”. Apesar de a expressão do artigo que o chefe do governo refere ser “deve”, e não “pode”, António Costa continuou: “Aguardarei com muita serenidade – e uma serenidade ainda maior da verificação que tenho feito de como essa lei foi aplicada desde que foi aprovada.”
Vou analisar o parecer e, se concordar homologo, se não concordar não homologo… ou não”.
Para o primeiro-ministro, os pareceres são de “natureza política e também jurídica e deu como exemplo outro parecer que pediu — no caso da atribuição do nome do aeroporto do Funchal — que depois não homologou.
No final do mês de julho, o primeiro-ministro pediu um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República para esclarecer dúvidas sobre a impossibilidade de familiares de titulares de cargos políticos terem negócios com o Estado. O caso foi suscitado depois da notícia do Observador sobre os três contratos do filho de José Artur Neves, secretário de Estado da Proteção Civil, celebrados com o Estado quando o pai estava em funções políticas.
“Estima pessoal” por Rui Rio, mas espera pior resultado que o de Passos Coelho
O primeiro-ministro recusou ainda comentar o atual momento interno do PSD, dizendo que já tem problemas que cheguem para estar ainda a preocupar-se com os problemas dos adversários, mas voltou a criticar Rui Rio por causa da greve dos motoristas. Questionado sobre se falou com o líder do PSD nessa altura, respondeu que Rio “pretendia manter-se em férias neste período” — “e eu respeito as férias de quem quer manter-se em férias”.
Ainda assim, diz que fala com o social-democrata sempre que um ou outro sentem necessidade disso e diz que tem “estima pessoal” e respeito por Rui Rio, “como respeitava o dr. Passos Coelho”, não deixando de esperar que “o resultado eleitoral do dr. Rui Rio fique aquém do resultado do dr. Passos Coelho”.
Sobre o programa eleitoral do PSD, Costa diz que já o leu, mas não “de fio a pavio”. Do que viu, não gostou: “Pareceu-me um mau exemplo do que deve ser um programa de um partido que pretende ser Governo. Para isso não pode prometer tudo a todos”.