É uma defesa de honra de José Sócrates que tem um título que mais parece um recado (“Sem querer ir mais longe”) mas que começa com um desabafo: “nunca pensei que as coisas chegassem a este ponto.” O caso não é para menos, porque nunca atacou António Costa como o faz agora num artigo de opinião publicado no Expresso. O ex-líder do PS acusa o atual primeiro-ministro de atacar a “história do Partido Socialista” e dos “anteriores governos socialistas”, diabolizando nomeadamente a maioria absoluta que o próprio Sócrates conseguiu em 2005 — a primeira e única que o PS obteve até hoje.
A propósito da crítica às maiorias absolutas formulada por António Costa na entrevista que deu ao Expresso no 24 de agosto (“os portugueses têm má memória das maiorias absolutas, quer as do PSD quer a do PS ”), Sócrates começa por ser irónico:
Sim, não têm boa memória da maioria absoluta do PS, nem terão – pelo menos enquanto a direção do PS [de António Costa] se mantiver apostada em desmerecê-la, juntando-se, assim, ao discurso de todos os outros partidos que têm óbvio interesse político em fazê-lo”, censura o ex-primeiro-ministro.
O artigo até pode começar por um desabafo mas o tom é violento e duro em relação a António Costa. Sócrates não deixa o atual líder socialista sem resposta e recorda-lhe os principais feitos do seu Executivo como, entre outras, o fim défice excessivo, o “maior crescimento económico verificado nesses anos difíceis ( 2007), a “prioridade política” dada às “energias renováveis”, a “reforma da segurança social”, o “saldo positivo” da “balança tecnológica” e a vitória “nas eleições de 2009, já no meio da maior crise económica mundial”.
Pior: José Sócrates faz ainda questão de enfatizar que António Costa fez parte do seu Governo, sendo o n.º 2 do Executivo como ministro de Estado e da Administração Interna até maio de 2007, altura em que saiu para se candidatar às eleições intercalares da Câmara de Lisboa.
Para dizer a verdade nunca pensei que as coisas chegassem a este ponto. Nunca me ocorreu vir a encontrar-me na desconfortável situação de ter que recordar a alguém que o governo que agora maldiz foi, afinal, um governo no qual participou”, escreve Sócrates.
É neste contexto que o ex-líder do PS diz que António Costa quer uma maioria absoluta mas sem assumir esse objetivo. “Também nunca imaginei que alguém pudesse conceber como estratégia para ter maioria absoluta, desacreditá-la enquanto solução política . No fundo, o que parece querer dizer é que todas elas são horríveis — com exceção daquela que ele próprio obterá e que se diferenciará das outras justamente por ter sido obtida escondendo essa ambição e até negando esse propósito. É talvez a isto que chamam estratégia”, ironiza.
Enfatizando que quer por de lado “questões pessoais”, José Sócrates diz que nunca pediu nenhum “apoio à direção do PS” — uma possível alusão ao seu processo da Operação Marquês onde é arguido por corrupção passiva, fraude fiscal e branqueamento de capitais — mas também, acrescenta, “nunca esperei que esta me atacasse de forma tão injusta, ensaiando, agora, ao que parece, um segundo andamento — a diabolização dos seus próprios governos”, conclui.