O único debate que colocou frente-a-frente duas mulheres arrancou com as duas líderes partidárias a serem desafiadas a pronunciarem-se sobre o programa da adversária. “Não li o programa do Bloco de Esquerda em detalhe”, reconheceu Assunção Cristas, antes de confessar que daquilo que leu não viu pontos em comum entre os dois partidos. “Eu li [o programa do CDS] porque gosto de ler os vários programas”, disse Catarina Martins, salientando que há uma medida onde os dois partidos se aproximam. “O CDS quer aumentar a licença da parentalidade. Em julho votou contra uma proposta do Bloco que previa aumentar a licença mas registo que esse aumento da licença da parentalidade faça parte do programa do CDS”, atirou a líder do BE, naquele que foi o primeiro ataque direto do debate.
Na resposta, Assunção Cristas justificou-se dizendo que também o Bloco chumbou “uma proposta do CDS sobre esta matéria” e contra-atacou, lançando para o debate o tema da fiscalidade. “Vejo um aumento da carga fiscal no programa do Bloco de Esquerda”, afirmou. “O Estado apropriou-se da riqueza que as pessoas criaram”. Para exemplificar, citou uma proposta que garantiu ter lido no programa do BE e que passa por eliminar o benefício fiscal sobre as mais-valias de quem vende uma casa para comprar outra. “É abuso uma pessoa vender uma casa e comprar outra e ter de pagar uma mais-valia?”, questionou a presidente centrista, respondendo-se de seguida: “Eu acho que não porque no fundo está a trocar de habitação”.
Catarina e Cristas. As descendentes de Keynes e de Chicago só concordaram em discordar
Continuando no mesmo tom de confronto, Catarina Martins devolveu o golpe: “Não sei que famílias é que a dra. Assunção Cristas conhece mas as que eu conheço estão a pagar menos impostos”, ripostou. Lembrou que a proposta mencionada por Cristas tem detalhes e nuances que preveem que quem especula com imobiliário pague imposto.
No entanto, a líder do BE quis seguir em frente e voltou ao ataque, começando por dizer que é uma “boa ideia desfazer o enorme aumento de impostos do governo onde esteve o CDS”, algo que, considerou, os bloquistas tentaram fazer nesta legislatura com a reposição de salários”. Pedindo que se olhe para os números e que “não se fale no ar”, a coordenadora bloquista lembrou “quem ganhou os seus salários e pensões não foi pô-los numa offshore” ao contrário “dos milionários que o CDS apoia com benefícios fiscais”.
Assunção Cristas amparou os ataques e voltou a desferir golpes sobre impostos e carga fiscal. “A Catarina Martins quer comparar tempo de normalidade com tempo de excecionalidade. Isso não é possível. Mas eu recordo-lhe que o aumento de impostos de Vítor Gaspar foi revogado pela carga fiscal máxima de Mário Centeno, do seu governo, do governo que o Bloco de Esquerda apoia”. E acrescentou: “Essa conversa já passou e não tem a desculpa da excecionalidade nem da co-governação com a troika”.
A líder bloquista recusa falar de impostos no geral, sem olhar para quem os paga. “O CDS fala do imposto sobre fortunas como se fosse um imposto sobre classe média. Bem sabemos que a classe média para o CDS é bem diferente”, provocou Catarina Martins, que ainda voltou a usar o passado de Assunção Cristas no anterior governo para lembrar o RERT do tempo do governo do PSD/CDS-PP — “a amnistia fiscal de Paulo Núncio”, disse Catarina Martins.
O debate ia para lá da metade quando o tema dos impostos saiu da mesa, não sem antes haver mais provocações de parte a parte. “Gostava de falar de mais coisas além de impostos”, chegou a confessar a líder do Bloco de Esquerda. Seguiu-se o investimento público, uma das bandeiras prioritárias do Bloco de Esquerda nesta campanha. “O CDS não quer creches públicas, quer contratar com privados; o CDS não quer SNS público, quer contratar com privados“, disse Catarina Martins, numa provocação direta à líder centrista.
Para cada ataque, as líderes partidárias tinham reservado um contra-ataque. Neste caso, Assunção Cristas lembrou que “o investimento público de 2018 ficou abaixo do de 2015” para defender que “o que puxou o país nestes últimos quatro anos foi o investimento privado e não público”.
No fim, e já em contrarrelógio, foram vários os temas aflorados, todos sem grande profundidade: o combate à desertificação do interior, com Assunção Cristas a recordar que o CDS propõe um benefício fiscal para as empresas que se mudem para o interior e com Catarina Martins a lembrar o fecho de balcões dos CTT decorrentes da privatização da empresa; o ambiente, com a líder do Bloco a repetir uma frase que já é quase slogan do partido — “com o clima não se negoceia” — e com a presidente do CDS a sublinhar que a água é um dos principais problemas e que é preciso mudanças estruturais, de fundo para as combater e “para mudar comportamentos”; ou a discriminação das mulheres, com ambas as líderes a reconhecerem que se trata de um grande tema.
Na verdade, a concordância entre as líderes políticas no tema da discriminação de género durou poucos segundos, já que voltaram a trocar acusações sobre impostos, acabando o debate como começaram, com Cristas a acusar Catarina Martins de querer acabar com a isenção fiscal para que tem rendimentos abaixo do mínimo de existência, uma provocação que a líder bloquista desmentiu, terminando a pedir à líder do CDS que fosse “ler o programa do Bloco de Esquerda”.