Aviso: o debate que se segue pode conter linguagem considerada agressiva. Este podia ter sido o aviso do confronto entre a líder do CDS e o líder do PAN, que ocorreu este sábado à noite na RTP3. Assunção Cristas acusou André Silva de “desonestidade intelectual” e de ser uma espécie de ditador verde e André Silva retribuiu com acusações de “demagogia total“. Na segunda metade do debate lá chegaram os temas ambientais, mas antes da aparição de um ‘lombogate‘ e de um ‘sojagate‘ , a líder centrista conseguiu encostar o líder do PAN às cordas quando se falou de contas públicas. E com um objetivo claro: colar André Silva à geringonça. “O André Silva, ao contrário do que diz, não é oposição“, disse. Para se defender, o líder do PAN — que não renegou a proximidade ao PS na última legislatura — utilizou os mesmos argumentos de António Costa ao avisar que as proposta de redução de impostos dos centristas podem, até, trazer “um eventual resgate“.

Ao longo de todo o debate, Cristas quis alertar os eleitores para o perigo das propostas do PAN, destacando medidas que considera bizarras, obrigando André Silva a referir “a ONU”, a “OMS” ou “entidades externas” como prova de que o que o PAN propõe não são excentricidades de um vegano sonhador.

Cristas diz que PAN não é oposição, André Silva diz que CDS é despesista

Assunção Cristas seguiu o mesmo registo de ataque que já tinha utilizado no debate de sexta-feira com o líder do PS, António Costa. Mas André Silva teve menos habilidade a fugir das armadilhas da líder centrista. Desde logo, percebendo a proximidade do PAN nas sondagens, Assunção Cristas voltou a dramatizar junto do eleitorado de centro e de direita para não darem o país à esquerda, onde coloca o PAN. E quase ignorou a primeira pergunta do moderador para passar ao ataque: “Ouvi-o dizer que era oposição a António Costa, mas olho para estes quatro anos e viabilizou o primeiro Orçamento de Estado, aprovou os três seguintes e votou contra as moções de censura propostas CDS. Na verdade não foi oposição, esteve também dentro desta solução e deste sistema de governo.”

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Para Cristas, mesmo sem assinar um acordo numa sala do Parlamento, o PAN também foi uma peça da geringonça. E, por isso, começou pela “necessidade de despertar as pessoas para a possibilidade de um governo PS ser apoiado pelo PAN“, já que o PS tanto pode formar um governo “com BE e PCP” como “com o PAN”.

André Silva tinha oportunidade para dizer que não queria um acordo pós-eleitoral com o PS, mas nada disse. Optou por contra-atacar o CDS com macroeconomia. O líder do PAN diz que o CDS se apresenta a votos com “um programa de dar tudo a todos, com contas que nos podem colocar numa situação bastante complicada ao nível orçamental, do desequilíbrio das contas públicas, com défices enormes, a caminho de um eventual resgate“. André Silva queria, assim, mostrar que o seu partido é responsável e que o CDS é o aventureiro do despesismo.

O líder do PAN justificou que a redução de impostos do CDS pode conduzir a uma “situação calamitosa financeira”. Assunção Cristas, por seu turno, reforçou que quer utilizar o excedente orçamental que está previsto no Programa de Estabilidade, entregue pelo governo em Bruxelas. André Silva rebateu dizendo, então, que não vai haver excedente e que “entidades internacionais” apontam” para um eventual abrandamento do crescimento económico. “E para isso apontam para défice máximo de 0,5%”. Foi aqui que Cristas apanhou o líder do PAN fora de pé. Dizendo-lhe que devia estar num caso de “falta de memória ou desonestidade política”, já que estava a recusar-se a seguir as contas que estavam “no Programa de Estabilidade que o PAN aprovou no Parlamento”.

Cristas carregou ainda com o programa do PAN com “medidas atrás de medidas que não têm contas”, dizendo que contou ela própria “480 medidas que são de aumento de impostos”. André Silva rebateu as acusações reiterando que o CDS “promete tudo a todos” e que no passado prometeu baixar impostos e, depois, quando chegou ao governo, aumentou a carga fiscal. E ainda apontou o dedo aos governos que o CDS integrou: “Não se podem demitir do estado a que nós chegámos. Entre 2000 e 2017 houve um desinvestimento enorme na área da saúde, que atravessa vários governos”. Mas Cristas tinha a resposta na ponta da língua: “Mas 2017 já é do seu governo, do governo que apoiou“.

As interrupões. E o Sistema Nacional de Saúde

Cristas estava a colar André Silva aos problemas do Serviço Nacional de Saúde na atual legislatura, quando o líder do PAN tentou falar. Implacável, a líder centrista respondei: “Deixe-me falar que não o interrompi“. E rapidamente voltou às críticas: “O André Silva foi conivente com este orçamento desinvestimento de saúde quando a conjuntura externa já era diferente, foi conivente com as novas cativações”.

Da voz de André Silva saíu mais uma acusação ao CDS: quer “descapitalizar o SNS” e a prova disso é a medida em que o partido que propõe ADSE para todos, argumentou. Pelo meio Cristas tentou interromper e levou troco na mesma moeda: “Agora também agradeço que não me interrompa”. André Silva destacou então que a aposta do PAN na Saúde passa pela prevenção. E aí conseguiu equilibrar a contenda por momentos.

André Silva lembrou que o programa do CDS diz em certo ponto que se devem seguir as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) em matéria de nutrição. Ora, o líder do PAN exemplificou que “a OMS já veio dizer que as carnes processadas são cancerinogénicas de tipo 1, o que as coloca no campo do tabaco e do amianto, o PAN apresentou proposta para que fossem retiradas das cantinas públicas para crianças, mas o CDS chumbou”. E continuou: “A bastonária da Ordem dos Nutricionistas já disse que não devíamos dar leite com chocolate nas escolas pela elevada quantidade de açúcar, pois estamos contribuir para índice de diabetes, de obesidade infantil. Propusemos o fim disso, o CDS chumbou. O mesmo com as máquinas de venda automática”.

O “ditador verde”, a demagogia e o lombo a 15 euros

Ao chegar à praia do PAN, a ecologia, Assunção Cristas fez tudo para provar como as propostas do PAN são atentatórias da liberdade de escolha. A líder do CDS diz que o PAN “ao contrário do que diz, é profundamente ideológico. E é contra a liberdade. O programa do PAN utiliza 38 vezes o verbo proibir, limitar ou restringir“.

Para Cristas, o PAN de André Silva tem uma “agenda ideológica, autoritária, ditatorial, que quer impor a toda a gente“. E deu o exemplo de nas suas propostas o partido querer acabar com os apoio comunitárias à carne e ao leite em toda a Europa. Depois puxou dos galões de líder partidária e mãe de família, que sabe o preço dos produtos no supermercado: “Não sei se sabe, a maior parte das famílias em Portugal come carne de porco, um lombo de porco andará à volta de cinco euros por quilo, sem descontos daqueles que os supermercados fazem, já o leite andará pelos 50 cêntimos, às vezes menos. Sabe o que acontece se as propostas do PAN forem por diante? Essa carne que custa 5 euros vai custar 15 euros. Vai ter o leite a custar 1,5 euros por litro. E vai ter alimentação deficiente do ponto de vista da proteína animal.”

Para Cristas, André Silva tem todo o direito a ser  “vegeteriano, vegan, o que for“, mas no debate alertou que “no mundo, em Portugal essa opção não é viável para todas as famílias, nem deve ser imposta. Deve ser uma escolha”. “Quero ver quando tiver de dizer a uma mãe que vai pagar 15 euros por um lombo de porco.”

André Silva ouviu mesmo Cristas a registar a sua “pulsão ditatorial”, ao que tentou responder com normalidade. Disse que não quer obrigar a que eventos públicos não se coma carne, uma vez que haverá sempre essa “opção para quem solicitar” e garantiu que os benefícios da redução da alimentação animal estão comprovados pela “comunidade científica, pela ONU”. O líder do PAN disse mesmo que a medida já está a ser adotada pelo governo holandês.

O candidato foi igualmente duro para o CDS na fase final do debate. Disse que o CDS “lida muito mal com evolução, mal com a sociedade que está em movimento, é negacionista nesta matéria [da redução da alimentação animal], capturado que está pelos interesses económicos, dos produtores de carne, de leite e da exportação de gado vivo”.

Cristas lembrou que foi, com orgulho, “promotora da dieta mediterrânea a património imaterial da humanidade”, que incentiva ao consumo de mais vegetais e frutas, mas não obriga a nada. E atirou a soja contra André Silva, dizendo que como é importada “aumenta muito a pegada ecológica” em relação a outros produtos e que a soja e os seus derivados são base da alimentação dos vegetarianos. André Silva garante que não. O líder do PAN explicou que a maior parte da soja importada é em rações utilizada par a criação de gado, que é composta em 30% por soja.

Até ao final do programa, a líder do CDS optou sempre por explorar as propostas mais polémicas do programa eleitoral do PAN, desde os apoios que o partido não quer dar para que haja ações de ecologia apoiadas pelo Estado em “escolas confessionais” (indo até buscar o Papa Francisco para o argumentário) ou, por exemplo, o facto de o PAN garantir um apoio psicológico com menos reservas para quem comete abusos do que para as vítimas. Já António José Teixeira tentava dar o debate por terminado e Assunção Cristas dizia, num misto de condescendência e ralhete: “O André Silva vai ter de rever estas propostas“. André Silva limitou-se a ajeitar as folhas com os apontamentos que levou.