Toy, Quim Barreiros e José Malhoa (pelo menos), um trio de peso para aquecer qualquer comício e nem têm de aparecer. Os grande êxitos dos cantores portugueses, tocados no máximo, e a sala do Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa, vai bamboleando, deputados e autarcas socialistas incluídos (Isabel Moreira e Margarida Martins mesmo na fila da frente). Depois chega António Costa e só a dada altura sobe ao palco o cabeça de cartaz… Mário Centeno. Com ele é menos música. É mais futebol e fatos, mas para “homenzinhos” — onde não inclui os adversários políticos.

O ministro das Finanças é uma estrela no meio socialista, mesmo que suba ao palco sem grande jeito para comícios. Centeno disparou números, do investimento, do investimento no Serviço Nacional de Saúde, do investimento na ferrovia, percentagens de crescimento, valores da despesa com juros, dados dos ganhos das famílias com as mexidas que este Governo fez no IRS. Não parece excitante, é certo, mas a dada altura, quando entra no ataque político, desconcerta a sala ao atirar: “Outros querem vestir agora o fato que desenhámos e preparámos, como se com o nosso fato todos parecessem homenzinhos”.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O alvo mais direto era o Bloco — a que já tinha apontado com precisão na semana anterior — que o PS se queixa de lhe querer roubar o mantra das “contas certas” e também a social democracia (tanto que neste comício do arranque da campanha socialista, Ferro Rodrigues cumprimentou, mal subiu ao palco, os cerca de “90% de portugueses que hoje são sociais-democratas”). Mas também atinge em cheio o PSD e o CDS: “Não sabem sequer vestir esse fato”.

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E explica-o com os seus factos. “Falham as contas, prometem o que não têm para dar e gastam os excedente que ainda não geraram. Ou não sabem fazer as contas ou não dizem a verdade. Portugal não vai certamente olhar para trás”, diz em jeito de desejo eleitoral para logo depois acrescentar o seu apelo ao voto. “Não podemos pôr em causa o que conquistámos. Saibamos todos respeitar o esforço dos portugueses”, como quem pede que não lhe tinjam o fato, ou manchem o trabalho que diz ter feito.

A sala aplaudia e ia apupando cada referência a Rio, mas sobretudo a Cristas. Estava cheia no modelo socialista, ou seja, no espaço deixado entre as bancadas laterais avançadas a estreitar a arena no pavilhão — uma forma habitualmente usada pelos partidos para o quadro ficar mais composto na imagem televisiva. Pareciam quase tão fãs de Centeno como outros dois oradores da noite: Ferro Rodrigues e António Costa. O líder porque há quatro anos, quando o trouxe para a cena política e o colocou na coordenação do grupo de economistas que fizeram o cenário macroeconómico do PS, viu “muita gente a olhar para ele com enorme desconfiança. Que bom saber que quatro anos depois todos querem ter o seu Centeno”.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

No dia anterior, tinha havido aquele debate em que disputou com Rio quem tem o melhor Centeno. Ali, ao público socialista presente no pavilhão Carlos Lopes, Costa jurou que o seu é imbatível, tanto que “Schauble até pode achar que ele é o Ronaldo, só que o passe não estará à venda”, garantiu numa altura em que a oposição acusa o ministro das Finanças de se preparar para assumir a pasta só até acabar o mandato na liderança do Eurogrupo (meio de 2020). Já Ferro Rodrigues também se inspirou na mesma personagem futebolística e juntou-lhe outra para compor a figura: “É uma mistura de CR7 com Messi, visto que tem marcado muitos golos e dado muito jogo para outros marcarem”.

Ferro na versão eles falam, falam, mas no dia seguinte entendem-se

Ferro Rodrigues, que Costa quer voltar a ver ao comando da Assembleia da República — não subiu ao palco só para alargar a lista de comparações futebolísticas relativas a Centeno. Tinha uma mensagem para trazer à campanha e dirigida, mais uma vez, ao Bloco de Esquerda –, pelo menos encaixou-lhe que nem fato por medida. Primeiro começou por elogiar os quatro orçamentos aprovados “com os votos afirmativos de todas as forças que estão na maioria parlamentar”, confessando que nem o próprio esperava que isto pudesse acontecer. Depois começou por classificar de “normal” a “demarcação” entre partidos em clima eleitoral, para encerrar a dizer que já não acha “tão normal os excessos de agressividade que têm marcado esta campanha”. Nos últimos dois dias, Catarina Martins tem acusado Costa de tentar reescrever a história da génese da “geringonça” (e Medina entrou esta noite no jogo, em declarações ao Observador).

Fernando Medina ao Observador: “Reunião com Bloco não foi a cimeira fundadora da geringonça”

Mas a mensagem ainda não tinha acabado, já que Ferro não saiu de cena sem antes desdramatizar os mesmos “excessos”. Afinal, lembra, “há quatro anos passaram-se coisas bem piores nos debates e isso não impediu que houvesse soluções para o país”. E Costa não deitou o “Governo PSD/CDS abaixo” sem ter “uma alternativa construída. Espero que isso sirva de exemplo para outros”, deixou, sem se perceber o alvo. Ainda pediu uma “vitória clara e robusta”.

Fernando Medina, outro dos oradores da noite, já tinha falado em vitória “mítica”. Ninguém diz a palavra “absoluta”. Muito menos António Costa que tem passado os dias a pedir a que “quem quer que o PS ganhe tem de votar no PS” e que esse voto significa “estabilidade”. É outra maneira de tentar chegar ao mesmo fim. Fingindo que não é nada disso.