Não é de hoje que o presidente do partido assume o papel de polícia mau, deixando António Costa resguardado de ataques mais ferozes aos adversários ou das mensagens mais diretas que o partido quer passar. Carlos César foi ao comício de Guimarães, no fim da tarde deste sábado, para acusar Rui Rio de querer fazer do Parlamento “um tribunal”, referindo com todas as letras o caso Tancos, que tantas dores de cabeça tem dado ao PS nesta campanha e que pode roubar aquilo que os socialistas tanto querem. E que até agora não diziam – César também veio a terreiro pedir “uma maioria de valor reforçado”, é o mais próximo que o PS chegou do pedido de maioria absoluta.
Em 2015, foi Carlos César quem assumiu, nessa campanha, os ataques mais duros aos partidos da esquerda com que, no dia seguinte às eleições, o PS precisou de se entender para conseguir que António Costa chegasse a primeiro-ministro. Permitiu, assim, que o líder chegasse a essa mesa negocial quase sem mácula em matéria de acusações mais duras à esquerda. Nestas, apareceu pela primeira vez para voltar a atacar sem rodeios, agora o candidato do PSD, Rui Rio. “Sentencia quem não foi julgado e calunia quem nem é sequer suspeito. E era uma pessoa assim que queria ser primeiro ministro de Portugal…”. Em causa está a comissão permanente (que funciona quando o Parlamento está com trabalhos suspensos, por férias ou por campanha) pedida por Rui Rio para analisar o caso Tancos.
Em contraponto ao líder do PSD, o presidente do partido coloca António Costa como “praticante da concertação, um mobilizador de vontades” e garante que “sem a sua firmeza este Governo não teria subsistido, nem o país tinha resistido às aventuras para que uns nos empurravam ou aos maus agoiros dos adversários da direita“. Ou seja, mais do que a esquerda — a que Carlos César se refere de passagem, sem nomear, referindo-se a PCP e BE como “uns” –, desta vez o socialista entra em campo para atirar ao PSD. A esquerda tem estado, aliás, arredada da linha de fogo do PS (e é um fogo em que César e especialista) no período de campanha oficial e depois do desaguisado entre Costa e Catarina Martins no último debate a seis.
Mas o que é certo é que César também não salva os parceiros do saco onde coloca os causadores de instabilidade e este “diabo” é o argumento político que toma todos os discursos nos últimos dias: “É preciso estabilidade para o país não voltar para trás”. E é aqui, na “estabilidade”, que está o diabo que faz desta ser uma das palavras mais ouvidas, mesmo que nenhum socialista arrisque mais do que um pedido de “votação expressiva” ou “grande votação” para descrever o que entende afinal por “estabilidade”. Mas César apareceu este sábado para ir um pouco mais longe e classificar a maioria que é necessária como “maioria de valor reforçado”.
Ora, em linguagem política, o “valor reforçado” só existe para aquelas leis cuja alteração está protegida pela necessidade de uma maioria de dois terços do Parlamento (154 deputados), muito acima da maioria absoluta (115). Isto garante a sua estabilidade para lá das alterações de maiorias parlamentares. O que César está a pedir é uma maioria que permita ao país “o equilíbrio” que, em 2015, só foi conseguido “porque a liderança de António Costa se impôs”, disse. Uma estabilidade acima da que tem agora e que o coloca nas mãos dos parceiros.
É fundamental, para mantermos esse equilíbrio, que o PS obtenha uma maioria de valor reforçado que permita continuar o percurso que temos feito até agora”.
O socialista diz-se convencido de que “a maioria dos portugueses conhece os benefícios alcançados ao longo destes quatro anos — redução do IVA da restauração ou da cultura, os idosos que passaram a ter mais apoio e os jovens mais oportunidades”. E aqui não ouviu, mas uma senhora lá atrás indignava-se: “Só se forem familiares dele!”.
Os ‘tropeções’ do líder lesionado
À frente, no palco instalado no Largo Donaes, o líder parlamentar socialista prosseguia admitindo que “ainda não vivemos no Portugal que mais desejamos”, mas mostrava-se ao mesmo tempo satisfeito já que é “um Portugal muito melhor do que o que nos deixaram no início da legislatura”.
Deixou o púlpito a um António Costa a dar sinais de cansaço — ele que está oficialmente lesionado nas costas e tem recomendações médicas para desacelerar. No discurso, ao tentar galvanizar o público, saudou o presidente da Câmara de Guimarães e, por segundos, nem sabia onde estava.. “Queria saudar, na pessoa do Domingos Bragança, todos os autarcas do PS do concelho de Bragança”. Gelo (o início de tarde também já não estava propriamente quente) na praça de Guimarães… Costa pára, bate na própria testa e lá corrige para “autarcas do concelho de Guimarães”. Explica entre risos: “Foi por causa das rimas de hoje de manhã do cantar ao desafio: Domingos Bragança, Bragança”.
Depois também tropeçaria na taxa dos juros da dívida, quando explicava a necessidade de ter “um Governo responsável”. “Uma taxa de 0,5… o,55”, gaguejou. E bom, o líder socialista acabou por repetir o apelo “a uma grande maioria”, repetir medidas e promessas do PS e saiu para uma entrevista em direto à TVI antes de se enfiar no carro e seguir para mais umas horas de descanso. Para este domingo de manhã tem previsto um passeio pela praia da Aguda, em Vila Nova de Gaia, que se mantém na agenda, até indicação em contrário. A deste sábado ficou pela metade devido à lesão muscular do candidato socialista.