Vila Franca do Campo, em São Miguel, foi arrasada há 497 anos pelo sismo “mais destruidor” da história dos Açores, que provocou, estima-se, cerca de cinco mil mortos e deixou poucas casas de pé.
Na madrugada de 22 de outubro de 1522, Vila Franca do Campo foi atingida por um forte sismo que destruiu quase por completo aquela que era na época a capital da ilha de São Miguel.
“A grande destruição de Vila Franca do Campo, não podemos saber se foi causada mais pelo sismo ou pela escoada de detritos, foi um evento combinado e conjugado entre um sismo que fica na história por ser o sismo mais destruidor de que há registo nos Açores e por ter desencadeado uma escoada de detritos com uma dimensão que não há igual”, disse à agência Lusa Rui Marques, presidente e investigador do Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores (CIVISA). O investigador destacou ainda que “poucas casas ficaram levantadas” e que “cerca de cinco mil pessoas foram mortas”, apesar de este número poder incluir algumas vítimas da peste negra que assolou a cidade após a catástrofe.
A destruição de Vila Franca, em termos de catástrofes naturais, é apenas superada a nível nacional pelo terramoto que assolou Lisboa em 1755, segundo o investigador. O sismo sentido em São Miguel em 1522 foi de magnitude X na escala macrossísmica europeia (que vai de I a XII, aumentado conforme o grau de destruição) e a escoada de detritos ocorrida em Vila Franca ocupou quatro quilómetros e meio de área, tendo um “impacto brutal” naquela que era a capital de São Miguel de então. “O impacto foi brutal. Quando lemos os documentos, Vila Franca era o principal porto de trocas comerciais dos Açores e, como tal, era revestido de uma importância enorme. É uma vila que fica totalmente destruída. Há relatos que falam de 70 a 100 pessoas que sobrevivem na vila. Estamos a falar de uma mortandade nunca vista nos Açores, sem igual”, apontou.
A reconstrução de Vila Franca não se deu no imediato, devido ao “medo” sentido pela população, que motivou o aparecimento de tradições religiosas que permaneceram até hoje, como as festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres. “As pessoas ficam com medo de viver em Vila Franca e não a reconstroem. Aquilo deve ter ficado um pandemónio, tudo soterrado em lama (…) foi preciso o rei D. João III conceder grandes vantagens para as pessoas irem para a vila”, explicou Rui Marques, destacando que a “tradição dos romeiros nasce devido à subversão de Vila Franca”.
Apesar de este ter sido um episódio “único” desde o povoamento dos Açores, existem registos geológicos de fenómenos de dimensões semelhantes ocorridos no arquipélago “há milhares de anos” devido às características vulcânicas do arquipélago, afirmou. “Taludes muito inclinados e depósitos geológicos muito friáveis (muito soltos), simultaneamente com uma precipitação intensa no inverno em quase todas as ilhas, e ainda com sismos de vez em quando com magnitudes mais elevadas, é um barril de pólvora. É a combinação perfeita para a desgraça e temos todas as condições para que haja instabilidade em todas as ilhas de forma transversal”, alertou o investigador.
Rui Marques disse ainda que os “movimentos de vertentes (derrocadas) e cheias são os dois perigos mais recorrentes e mais fáceis de prever”.
O investigador assinalou ainda que “o que se sabe e se faz hoje em dia está a anos luz do que se fazia nos Açores há dez anos, na área da sismologia, vulcanologia, previsão de movimentos de vertentes e cheias”.