“Mr. Zuckerberg, você é um dos titãs desta época digital e, por isso, tem uma responsabilidade enorme.” O primeiro congressista a dirigir-se a Mark Zuckerberg, que esteve nesta quarta-feira no Congresso norte-americano, não poupou nas críticas que fez ao fundador do Facebook. “Hoje, estamos a fazer um julgamento à inovação americana”, acrescentou o representante da Carolina do Norte. “A tecnologia é uma ferramenta fundamental para a nossa sociedade aqui nos EUA, mas também tem desvantagens: nem todos têm acesso e isso cria problemas.”

Com o congressista de Nova Iorque Gregory Meeks, os ânimos exaltaram-se mais: “As ações falam mais alto do que as palavras. E [você] tem um fator de desconfiança. Falei com investidores seus que saíram da Libra. Isto é um problema para democracias em redor do mundo. O Facebook acelerou a desconstrução da nossa democracia. A campanha de 2016, o Brexit. O Facebook foi sempre encontrado na cena do crime da desinformação”, afirmou.

Mark Zuckerberg esteve a prestar declarações no Congresso dos Estados Unidos da América. Segundo a informação avançada pelo comité de serviços financeiros dos EUA, “Zuckerberg foi a única testemunha numa audição chamada: “Uma análise ao Facebook e ao seu impacto nos setores de serviços financeiros e habitação”. Em causa, está a Libra (o nome é este também em inglês), a moeda digital que o Facebook quer criar e que já foi apelidada por políticos como “uma ameaça ao dólar”.

Durante a audição, Zuckerberg foi comparado a Donald Trump, presidente dos EUA, duas vezes. Primeiro, pela defesa da liberdade de expressão e, segundo, por serem ambos empreendedores e “abanarem o sistema”. A estas comparações, o líder do Facebook nunca respondeu diretamente.

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Na primeira intervenção que fez esta quarta-feira no Congresso, o presidente executivo do Facebook disse que ainda existem “milhões de pessoas que não podem aceder a uma conta bancária”, que “as pessoas pagam demasiado para enviar dinheiro para as suas famílias” e que “o sistema financeiro está estagnado, sem nenhuma infraestrutura digital para ajudar. Acho que isto pode ser resolvido e que a libra pode ajudar”.

Admitindo que a criptomoeda traz riscos, Zuckerberg mostrou-se disponível para debater as preocupações que têm surgido em torno da moeda, mas lembrou que “a China também está a avançar com um sistema semelhante nos próximos meses” e que é importante que os EUA inovem também o façam. “O Facebook não vai ser responsável por lançar este sistema se os EUA não aprovarem, que isto fique claro.”

No final da primeira declaração de Zuckerberg, a chairwoman responsável pelo comité de serviços financeiros lembrou-o que “não era segredo” que o Facebook tinha deixado que “a Rússia interferisse nas eleições” e que a rede social tinha banido, no passado, uma empresa que publicitava uma criptomoeda, a advan.

“Acho que mudou a sua posição pelo poder que tem. Mas, pode dizer-me, como é que o Facebook beneficia com a Libra?”

A resposta de Zuckerberg levou, depois, a um momento de tensão, a propósito das recentes polémicas com os anúncios políticos de Donald Trump e de Elizabeth Warren, no Facebook. Warren conseguiu provar que tinha publicado um anúncio falso na rede social, sem que este tivesse sido banido.

Elizabeth Warren põe anúncio falso no Facebook sobre Zuckerberg e a plataforma não o impede

Posteriormente, Zuckerberg disse numa palestra numa universidade norte-americana que não deviam ser as tecnológicas a decidir o que é verdade. Confrontado várias vezes com a eventualidade de a rede social não estar a fazer fact-checks a estes anúncios, o líder do Facebo0k disse que acredita “que as pessoas devem ver os políticos como são”. “O que fazemos é trabalhar com fact-checkers independentes”, acabou por dizer Zuckerberg.

Questionado sobre se a sua visão sobre a China e a tecnologia tinha mudado nos últimos 10 anos, o líder do Facebook disse que há uma década “era mais otimista de que trabalhar na China contribuía para uma sociedade mais livre” e que, agora, sentia que trabalhar naquele país “pode atacar os nossos valores e a liberdade das empresas em redor do mundo”.

Reforçando que não vai lançar a criptomoeda Libra sem o apoio dos legisladores norte-americanos, Zuckerberg afirmou que o sistema financeiro dos EUA estava “ultrapassado” e que uma coisa era criar sistemas digitais em cima do sistema financeiro que já existe. “Estamos já a fazer isso. Depois, há o que estamos fazer com a Libra, que é mudar o core e mudar muitos sistemas na base”.

Porque é que as outras empresas saíram da Libra? “Terão de perguntar-lhes”

Confrontado com o facto de as carteiras anónimas poderem facilitar as transações anónimas e que isso, acontecendo, é “um problema de segurança nacional”, Zuckerberg respondeu que estava a tentar “construir uma alternativa segura e pratica” e que quer “trabalhar com o governo”. “Vou comprometer-me que o Facebook vai fazer o que está a dizer.”

Os congressistas não deixaram Zuckerberg esquecer que empresas como o PayPal, Visa ou eBay abandonaram o projeto recentemente, mas sobre isto, o empresário de 34 anos disse que o projeto era “grande demais” para ser feito por uma empresa apenas e que, por isso, se juntaram a outros nomes. Mas por que é que saíram? “Terão de perguntar-lhes. Acho que saíram, porque é um projeto arriscado e também por causa do escrutínio”, respondeu.

Durante a sessão, Mark Zuckerberg foi questionado várias vezes sobre o que fará o Facebook se a Calibra não obtiver o apoio e aprovação das autoridades norte-americanas e os outros membros da associação quiserem avançar com o projeto. A esta questão, o líder do Facebook disse que sairia da Calibra e que esperaria por encontrar uma solução que reunisse o apoio das autoridades. Mas que, por enquanto, todos os membros da associação estavam “alinhados”.

A multa de 5 mil milhões de dólares que o Facebook foi obrigado a pagar por ter falhado na proteção dos dados também não ficou esquecida. Por que é que o mundo deveria acreditar agora que a Calibra vai proteger os seus dados? “Temos trabalhado para construir segurança. Isso significa fazermos compromissos e até que implique ter de fazer mudanças no futuro”, respondeu.

Sobre o problema das fake news, Zuckerberg revelou que vai anunciar, em breve, um produt que está a ser desenvolvido com muitos parceiros, “para construir jornalismo de qualidade”. “Queremos construir um lugar de parcerias que sejam dignas da confiança [das pessoas]”, respondeu.

O congressista de Nova Iorque, Gregory Meeks, fez uma das intervenções mais empolgadas da audição a Zuckerberg

A discriminação que os algoritmos podem estar a provocar nas redes sociais da marca — o Facebook também detém o Instagram e o WhatsApp — tem sido um dos aspetos mais apontados pelos congressistas. Como é que Zuckerberg pode garantir que não acontecerá o mesmo na Libra? Esta foi a preocupação que o congressista do Texas, Alexander Green, levou para a audição, quando questionou Zuckerberg sobre a quantidade de mulheres e membros da comunidade LGBTQ+ (e outras minorias) que estavam na gestão das empresas que se associaram ao projeto Calibra. Mas Zuckerberg não conseguiu responder a nenhuma destas questões com números concretos.

“Mr. Zuckerberg, é um socialista ou um capitalista”?”, perguntou o congressista Williams. “Considero-me um capitalista”, respondeu o líder da maior rede social do mundo. “Não devemos desencorajar o sector privado de criar estas inovações, está sempre certo, na maioria das vezes. Porque que o sector privado está melhor equipado para criar a calbira do que a reserva federal”, acrescentou o congressista. Mas Zuckerberg disse que não estava naquela audição para dizer aos outros o que é que eles deviam dizer.

Ocasio-Cortez versus Zuckerberg: até onde se deve suprimir uma mentira

Alexandra Ocasio-Cortez, uma das figuras mais proeminentes da ala esquerda do Partido Democrata, já tinha utilizado o Twitter esta terça-feira para dar a oportunidade às pessoas para lhe enviarem perguntas. Fazendo parte deste comité, a congressista mais jovem de sempre das história dos EUA (tem apenas 29 anos), aproveitou o palco da Libra para fazer o mesmo que outros representantes fizeram: falar de casos passados e atuais polémicas do Facebook, como foi o caso Cambridge Analytica e a atual posição em relação a políticos.

Como Ocasio-Cortez desmontou e ridicularizou o sistema político norte-americano em cinco minutos

“Em que ano ficou a par do caso Cambridge Analytica?”, perguntou Ocasio-Cortez. O fundador do Facebook continuou a responder defensivamente, sem referir uma data em concreto. A congressista pressionou-o com mais questões sobre datas do caso e insistiu que o responsável pela maior rede social do mundo respondesse diretamente a polémica, mas sem grande sucesso.

Continuando a aproveitar o palco para sustentar a teoria de que não se pode confiar no Facebook para uma criptomoeda porque, no passado, houve motivos que mostraram que não é prudente fazê-lo — Cambridge Analytica –, Ocasio-Cortez falou de como a plataforma trata a propaganda política. “As políticas oficiais do Facebook permitem que eu pague por desinformação. Segundo a vossa política, posso pagar para escolher códigos postais de pessoas negras e dizer uma data errada das eleições?”, perguntou. Perentoriamente, Zuckerberg respondeu: “Não”.

Zuckeberg defendeu-se e falou sobre como, mesmo permitindo que políticos possam mentir na rede social, continuam a existir regras que proíbem alguns conteúdos em todos os casos, como tentativa de restrição do processo eleitoral ou riscos de danos para os cidadãos.

A principal promotora do Green New Deal, um tratado político para tentar resolver as alterações climáticas que vários membros do partido democrata dos EUA têm tentado que seja aprovado, perguntou depois: “Seria capaz de fazer anúncios para escolher republicanos para votarem no Green New Deal?”. Aqui, teve a resposta que queria: “Não consigo responder agora”, disse Zuckerberg.

Zuckerberg ainda tentou defender-se e disse: “Acho que mentir é mau”. O objetivo era claro, à semelhança de muitos democratas, Ocasio-Cortez quer que o Facebook remova conteúdos de políticos que sejam mentiras. O líder da rede social tem defendido que, “numa democracia, acho que as pessoas têm de ver de o que os políticos fazem” e, por isso, é um atentado à liberdade de expressão censurar mentiras de políticos.

Esta é a segunda vez que Mark Zuckerberg presta declarações ao órgão legislativo norte-americano. A primeira vez que foi ao Congresso aconteceu no seguimento da revelação do caso Cambridge Analytica, uma empresa de análise de dados que utilizou indevidamente 87 milhões de perfis da rede social. Ao todo, foi questionado por congressistas durante cerca de 10 horas. Passado pouco mais de um ano, o Facebook pagou uma coima multimilionária de cinco mil milhões de dólares (cerca de 4,5 mil milhões de euros) para fechar o caso.

“Compreendo que não sejamos o mensageiro ideal”

A audição tinha marcada hora de início para as 10h00 de Washington D.C. (15h00 de Lisboa). No discurso de abertura, que foi relevado em antecipação pelo The New York Times, Mark Zuckerberg refere a crise de confiança que o Facebook, enquanto empresa que detém também o WhatsApp e o Instagram, atravessa. O líder da rede social mais utilizada do mundo diz que compreende que a criptomoeda libra que quer lançar tenha obstáculos devido à influência e perceção que o público tem do Facebook.

Acredito que [a Libra] é algo que tem de ser construído, mas compreendo que não sejamos o mensageiro ideal, neste momento. Sei que algumas pessoas têm dúvidas de que possam confiar em nós para criar um sistema de pagamentos que proteja os consumidores”.

O Facebook anunciou a criptomoeda Libra em junho. A rede social vai utilizar a tecnologia de encriptação para permitir efetuar transações virtuais entre pessoas e organizações sem intermediários. Além disso, criou uma subsidiária chamada “Calibra” para o investimento nesta moeda digital. A Calibra vai fazer parte da “Rede Libra”, a associação da criptomoeda que ainda conta com a participação de empresas como a Visa, a Vodafone, a Uber, o Ebay, o Spotify.

As criptomoedas são unidades de dinheiro digital que utilizam como base a tecnologia blockchain. Esta inovação tem gerado bastante interesse entre os investidores — e assustado a banca. Em 2018, a bitcoin, criptomoeda mais conhecida, bateu recordes, com os primeiros investidores a tornarem-se multimilionários. Depois, desceu a pique — mantendo, mesmo assim, uma valorização de cerca de dois mil euros — para, agora, ter subido novamente. Contudo, as quedas num espaço de horas de oscilação de valor desta moeda rondam, por vezes, os milhares de euros (uma bitcoin vale, atualmente, cerca de 6.700  euros, há um mês valia cerca de 8.770).