Um oficial do exército norte-americano que fez parte do grupo seleto de pessoas que ouviram a controversa chamada entre Donald Trump e o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, diz que a transcrição oficial que resultou daquela chamada tem algumas omissões.

Foi essa a maior revelação do depoimento do tenente-coronel Alexander S. Vindman, que respondeu esta terça-feira às perguntas da comissão de inquérito que a Câmara dos Representantes pôs em marcha quando os democrata aprovaram o início do processo de impeachment contra Donald Trump. Alexander S. Vindman ouviu aquela conversa por ser o maior especialista no Conselho de Segurança Nacional no tema da Ucrânia.

De acordo como seu relato à porta fechada, do qual o The New York Times foi informado por fontes daquela comissão de inquérito, aquele tenente-coronel diz que a transcrição oficial da chamada não incluiu uma referência que Donald Trump terá feito sobre uma suposta gravação do ex-vice-Presidente Joe Biden a falar de corrupção na Ucrânia. A outra omissão dirá respeito a uma vez em que o Presidente da Ucrânia falou diretamente da Burisma Holdings, a empresa de energia para a qual o filho de Joe Biden, Hunter Biden, trabalhou.

Sem explicar quais terão sido os motivos por trás dessas omissões, o tenente-coronel Alexander S. Vindman referiu ainda que o primeiro rascunho da transcrição contava com outras ocasiões em que esta não refletia o verdadeiro conteúdo da conversa. Essas omissões, porém, e ao contrário daquelas duas, acabaram por ser corrigidas e incluídas na transcrição final da chamada.

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Chamadas são registadas por anotadores e nunca são gravadas

A seguir à administração de Richard Nixon, as chamadas telefónicas dos presidentes dos EUA com líderes estrangeiros deixaram de ser registadas com uma gravação áudio. Em vez disso, aquele registo passou a ser feito por escrito, havendo para esse efeito anotadores responsáveis por transcreverem em tempo real a chamada. Mais recentemente, estes anotadores passaram a contar com a ajuda de um software de reconhecimento de discurso que, sem gravar um ficheiro áudio, faz uma transcrição da conversa.

Além de referir aquelas duas supostas omissões, o tenente-coronel Alexander S. Vindman disse à comissão de inquérito da Câmara dos Representantes que o alegado pedido que Donald Trump está a ser acusado de fazer ao Presidente da Ucrânia (para que aquele país investigasse a passagem de Hunter Biden pela Burisma Holdings, numa altura em que os EUA tinham suspendido um pacote de ajuda militar de que a Ucrânia, em guerra com milícias pró-Rússia, necessitava) poderia colocar em causa a segurança nacional dos EUA.

“Não creio que tenha sido adequado exigir que o governo estrangeiro investigasse um cidadão dos EUA e fiquei preocupado com as implicações [que isso podia ter] no apoio do Governo dos EUA à Ucrânia”, disse aquele especialista em assuntos ucranianos do Conselho de Segurança Nacional. “Tudo isto iria prejudicar a segurança nacional dos EUA.”

Trump e aliados tentam lançar dúvidas sobre testemunho e o seu autor

O testemunho do tenente-coronel Alexander S. Vindman  foi mal recebido por Donald Trump, que reagiu no Twitter. “Porque é que há pessoas sobre as quais eu nunca ouvi nada a testemunhar sobre a chamada? Simplesmente leiam a transcrição da chamada e a conspiração do impeachment está terminada. A Ucrânia disse [que não houve] nenhuma pressão”, escreveu o Presidente dos EUA, com um erro ortográfico no nome daquele país do Leste Europeu.

Noutro tweet, Donald Trump perguntou: “Quantos mais Never Trumpers é que vão testemunhar sobre uma chamada completamente adequada quando o que todos têm a fazer é ler a transcrição?”. “Never Trumper” é o termo utilizado para descrever pessoas do Partido Republicano que se opuseram, e opõem, a Donald Trump.

Além do próprio Donald Trump, houve comentadores da direita norte-americana que saíram a público para lançar a ideia de que o tenente-coronel Alexander S. Vindman não tinha os interesses dos EUA em primeiro plano, podendo inclusive estar a agir como um espião. Nenhuma destas insinuações foi acompanhada de provas.

Alexander S. Vindman nasceu na Ucrânia, país do qual emigrou com os pais aos três anos para os EUA. Foi ali que foz toda a sua formação académica e militar, tendo chegado a cumprir uma missão no Iraque. Por ter sido ferido em combate, recebeu a condecoração Purple Heart (Coração Púrpura).

“Aqui temos um funcionário da segurança nacional dos EUA que está a aconselhar a Ucrânia ao mesmo tempo que trabalha na Casa Branca e que, aparentemente, está a ir contra os interesses do Presidente”, disse a apresentadora e comentadora da Fox News Laura Ingraham. A sua convidada em estúdio, John Yoo, que fez parte da administração de George W. Bush, respondeu que achava que aquilo era “inacreditável” e acrescentou: “Há quem chame àquilo espionagem”.

Na CNN, o ex-congressista republicano Sean Duffy também disse que “parece claro que ele está imensamente preocupado com a defesa da Ucrânia, [mas] não sei se está preocupado com as políticas da América”. “Todos nós temos uma afinidade com a terra de onde vimos”, acrescentou. “Tal como eu tenho, estou certo que Vindman tem a mesma afinidade.”