A entrevista que o príncipe Andrew deu este fim de semana à BBC2 parece em nada ter favorecido a reputação do filho de Isabel II. Na longa conversa, o também duque de York nega ter abusado sexualmente de uma jovem de 17 anos, em 2001, e afirma mesmo que não tem qualquer recordação de alguma vez ter conhecido Virginia Giuffre, a mulher que o acusa, em tempos uma das jovens alegadamente prostituídas pelo milionário Jeffrey Epstein, cuja amizade com o príncipe Andrew é conhecida desde 2011 e muito tem custado à imagem deste.

Jeffrey Epstein foi condenado em 2008 a 18 meses de prisão por prostituir uma menor, o que fez com que, ao ser tornada pública a amizade entre os dois, o príncipe se demitisse do cargo de embaixador comercial britânico. Em julho de 2019, o milionário voltou a ser detido por suspeitas de tráfico sexual e abuso de menores. A aguardar julgamento, Epstein foi encontrado morto na cela — o que poderá afinal configurar um caso de homicídio e não de suicídio, como inicialmente foi avançado.

A entrevista que o duque de York deu à jornalista Emily Maitlis durante o telejornal Newsnight, no último sábado, tem provocado ondas de choque nos dois lados do Atlântico. Não bastasse o escândalo, a defesa que o príncipe apresentou em entrevista está a ser duramente criticada. O The Guardian, por exemplo, dá conta de pedidos para que Andrew peça desculpa e conte ao FBI tudo o que sabe. Advogados que representam 10 vítimas do predador sexual milionário apontaram a falta de remorsos demonstrada pelo príncipe, mas também a defesa implausível deste e exigem que fale com o FBI. Questionado se estaria disposto a testemunhar em tribunal, o príncipe explicou em entrevista que teria de se aconselhar com advogados, mas se a resposta deles fosse afirmativa, seria “obrigado a fazê-lo”.

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Gloria Allred, que representa cinco vítimas de Epstein, disse que a ação “mais certa e honrosa” a tomar por parte de Andrew é voluntariar-se para ser entrevistado pelo FBI e pelos procuradores do distrito sul de Nova Iorque, que estão a dar continuidade às investigações apesar da morte, em agosto último, de Epstein. “O príncipe Andrew decidiu entrar no tribunal da opinião pública ao dar esta entrevista e as pessoas podem decidir se acreditam ou não nele. O mais importante disto são as vítimas e muito pouco se disse sobre elas nesta entrevista. Elas foram quase ignoradas por completo”, continuou Allred.

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Também Lisa Bloom, que representa outras cinco vítimas e é filha de Gloria Allred, descreveu a entrevista de Andrew — a qual foi dada com o aval da rainha Isabel II — de “dececionante”. “Ele tem o direito a negar as alegações e a defender-se. Mas onde está o pedido de desculpas por ter estado tão intimamente ligado a um dos pedófilos mais prolíficos da história?”, questionou. Outro advogado das vítimas do milionário Epstein, agora citado pelo The Telegraph, comentou que as declarações de Andrew podem ser usadas contra ele num interrogatório.

A entrevista gerou uma reação de descrença por parte tanto do público como dos media, com críticos no Reino Unido e nos EUA a dizer que as justificações de Andrew deixam muito a desejar: negando qualquer envolvimento com Virginia a 10 de março de 2001, uma das três datas em que esta diz ter sido forçada pelo Duque de York a ter relações sexuais quando era ainda menor de idade, o príncipe Andrew defendeu-se dizendo que, nesse dia, estava em casa com as filhas e que levou uma delas a um “Pizza Express em Woking”, algo “muito incomum” para ele .

Mais, Virginia Giuffre, na acusação que faz contra o príncipe, apresenta vários detalhes e diz lembrar-se na perfeição do que aconteceu antes deste a ter obrigado a ter relações sexuais com ele: jantaram e foram dançar para uma discoteca em Londres, a Tramps, onde o duque terá transpirado muito. Em resposta, Andrew afirmou que era impossível ter transpirado dessa maneira, uma vez que sofria de uma “condição médica” que o impedia de suar — problema que associou à participação na Guerra das Malvinas (conflito armado entre a Argentina e o Reino Unido, entre 2 de abril e 14 de junho de 1982).

https://twitter.com/ANMarshall/status/1196129411906572288

Pouco tempo depois, uma fotografia que alegadamente mostra o príncipe no exterior de um clube noturno em 2000, e na qual, dizem alguns, parece estar a suar, começou a circular nas redes sociais. Anidrose é o nome de uma doença de pele em que há realmente redução ou ausência de suor e pode ser causada, escreve o The Guardian, por queimaduras derivadas de radioterapia, algumas drogas, diabetes ou alcoolismo, entre outras questões hereditárias.

Questionado no sábado sobre a fotografia em que surge com Virginia, que à data tinha 17 anos, o duque de York reconhece ser ele que aparece nela, embora não tenha “memória absolutamente nenhuma” de a ter tirado:  “Sou eu, mas se essa é a minha mão ou se essa é a posição…não me lembro simplesmente da fotografia ser tirada”.

Entretanto, antigos assessores da realeza e peritos em relações públicas já descreveram a aparição do príncipe Andrew de “excruciante” e “arrogante”. A somar a isso, o The Guardian dá conta de que um relações públicas de relevo, contratado para salvar a reputação de Andrew, desistiu do cargo duas semanas antes da entrevista ser emitida, sobre a qual terá sido manifestamente contra. Os laços de Andrew à Huddersfield University estão também a ser sistematicamente questionados depois da explosiva entrevista.

À BBC2, o duque de York disse no último sábado que não se arrependia da sua amizade com Epstein. “As pessoas que eu conheci e as oportunidades que me foram dadas para aprender com ele ou por causa dele foram realmente muito úteis”, disse. A verdade é que, insiste o The Guardian, a entrevista acabou por levantar algumas perguntas.

Nicholas Witchell, especialista da BBC nos assuntos da coroa britânica, assegurou que esta entrevista — bem como o documentário de Harry e Meghan Markle à ITV News — revela falta de controlo na família real. Alegando que os conselheiros da Rainha não foram consultados tendo em conta a entrevista do duque à BBC2, disse também que Isabel II foi informada, ainda que, aos 93 anos de idade, “não esteja a exercer um controlo forte”, se é que “alguma vez o fez”.