Dizem que é “o filho preferido” da rainha, ela que continua a demonstrar apoiá-lo mesmo depois deste mergulhar num escândalo sexual sem precedentes. O príncipe André faz, por estes dias, manchetes atrás de manchetes, depois de uma polémica entrevista que protagonizou sobre o caso Jeffrey Epstein, o norte-americano milionário que se terá suicidado na prisão, onde se encontrava detido por suspeitas de tráfico sexual e abuso de menores. Uma amizade que continua a prejudicar a família real britânica e, em particular, o príncipe que é também acusado de abusar sexualmente de uma menor de idade em três ocasiões distintas.

Segundo filho da rainha, André acumulou alcunhas, terá acumulado também romances antes e após o mediático divórcio com Fergie e enfrentou várias críticas ao longo de uma carreira real que terminou esta semana, quando se viu forçado a abandonar todas as funções públicas, 37 anos mais cedo do que o pai, Filipe de Edimburgo. Mas quem é o duque de York, em tempos de herói de guerra, “príncipe playboy” e “party animal”?

Os estudos e a famosa Guerra das Malvinas que o “impediu” de suar

É um dos quatro filhos da rainha Isabel II e de Filipe, duque de Edimburgo. Irmão de Carlos, de Eduardo e da princesa Ana, nasceu a 19 de fevereiro de 1960 na “suite belga” do Palácio de Buckingham, um conjunto de salas que ficam no piso térreo da fachada norte, voltadas para o jardim. À data do nascimento — tal como aconteceria durante os próximos 22 anos — André era o segundo em linha de sucessão ao trono. Atualmente, e numa fase em que abandona as funções públicas no rescaldo da polémica entrevista sobre o caso Epstein, é o oitavo. A não ser que uma verdadeira tragédia se abata sobre a família real, nunca será rei.

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A primeira criança de um monarca regente a nascer em 103 anos, André foi educado por uma governanta até aos oito anos de idade entre as salas e os corredores do palácio. Seguiu-se a escola preparatória Heatherdownl, em Ascot. Aos 13 anos, e à semelhança do que já antes tinha acontecido com o irmão mais velho, Carlos, e com o pai, Filipe, ingressa na Gordonstoun, na Escócia, onde obtém as notas mais altas em Inglês, História, Economia e Ciência Política. Em 1977 faz um curto intercâmbio e entra na Lakefield College School, em Ontário, no Canadá, e dois anos mais tarde frequenta a Britannia Royal Naval College, em Dartmouth.

André foi considerado um herói de guerra pela participação na Guerra das Malvinas. © Keystone/Getty Images

É nesta fase que a carreira naval de André arranca e o príncipe começa a dar os primeiros passos enquanto piloto — recebeu treino em aeronaves de asa fixa e em helicópteros. Não demora muito até que o sangue frio seja posto à prova na Guerra das Malvinas, conflito armado entre a Argentina e o Reino Unido, entre 2 de abril e 14 de junho de 1982. Juntamente com o seu esquadrão, André navega até às ilhas Malvinas, também chamadas de Falkland —  território britânico ultramarino à data reclamado pela Argentina –, a bordo do porta-aviões HMS Invincible. Durante o conflito, serve como piloto de helicóptero e voa em várias missões e ajuda em operações de evacuação, transporte e salvamento. André está na linha da frente até ao final do conflito. Em 1984 é promovido a tenente e permanece no ativo até 1997, quando aceita um trabalho de secretariado no Ministério da Defesa. Reforma-se da Marinha em julho de 2001. São 22 anos ao serviço da Marinha Real Britânica.

É a participação de André na Guerra das Malvinas que serve de justificação para a “condição médica” descrita pelo príncipe na polémica entrevista à BBC2, onde diz que em tempos não conseguia suar, contrariando, assim, as declarações da mulher que o acusa de abuso sexual quando ainda era menor de idade.

A atriz americana e o casamento com Fergie

André e a agora ex-mulher Sarah Ferguson conheciam-se desde crianças, período em que se encontravam ocasionalmente em partidas de polo, desporto de eleição entre os membros da família real britânica. A proximidade, no entanto, só aconteceu em 1985, com o casamento a marcar os tabloides do país a 23 de julho do ano seguinte. Segundo o The Sun, foi o próprio príncipe quem desenhou o anel de noivado composto por dez diamantes e um rubi birmanês a condizer com o cabelo ruivo de Sarah, uma cidadã comum que foi apresentada a André pela princesa Diana que a convidou para uma festa no Castelo de Windsor.

Depois das polémicas, o regresso: Sarah Ferguson está de volta

No dia do casamento, Isabel II atribuiu a André e à mulher os títulos de duque e duquesa de York. A cerimónia foi emitida no pequeno ecrã e chamou à televisão uma audiência de centenas de milhões. No final da década de 80, garante a CNN, os dois formavam um “it couple”. Uma ideia agora muito longe da realidade, sobretudo depois de em 1992, cinco meses após o anúncio da separação do casal, Sarah ter sido fotografada na companhia de um homem que não o príncipe e de, em 2010, ser apanhada em flagrante a tentar ganhar dinheiro com o nome do ex-marido — Fergie foi filmada a aceitar dinheiro em troca de acesso ao príncipe, sendo que quem a filmou era um jornalista disfarçado de empresário.

O casamento foi seguido de perto por milhões de telespectadores. © Tim Graham Photo Library via Get

Durante os dez anos em que estiveram oficialmente casados, André e Sarah deram as boas-vindas a duas meninas: a princesa Beatrice nasceu em 1988 e Eugenie em 1990. O divórcio chegou em 1996 e até hoje não se conhece o motivo da separação, apesar do muito frenesim da imprensa britânica que, à época, ocupou as manchetes dos jornais com mais um divórcio real — a Hello Magazine escreve que devido à carreira náutica de André, o casal apenas estava junto um total de 40 dias por ano nos primeiros cinco anos do casamento, o que, a par dos rumores de infidelidade, terá prejudicado a união. Se na verdade a separação oficial aconteceu em 1996, o anúncio foi feito em 1992, naquele que é conhecido como o “Annus horrribilis” — expressão em latim para “ano horrível” –, utilizado pela rainha para descrever os 12 meses marcados pela separação de três dos quatros filhos — Carlos, Ana e André –, mas também por um incêndio que consumiu parcialmente o Castelo de Windsor.

Apesar do fim da relação, os dois parecem manter uma amizade improvável. Na verdade, ao fim de tanto tempo, Sarah continua a viver na casa do ex-marido, Royal Lodge, em Windsor, sendo que é este quem lhe garante o estilo de vida desafogado. Numa entrevista de 2013, Sarah descreveu o ex-marido como “o meu lindo príncipe”.

Kathleen Norris “Koo” Stark, o romance de André antes de Fergie. © John Stillwell – PA Images/PA Images via Getty Images

Mas antes de Fergie houve a norte-americana Kathleen Norris “Koo” Stark. Antes atriz, agora fotógrafa, os dois conheceram-se num encontro às cegas em fevereiro de 1981. Em outubro do ano seguinte passavam férias juntos na ilha de Mustique, no mar das Caraíbas, e não muito tempo depois Koo era apresentada à família real em Balmoral. Os dois terão estado prestes a casar, mas a relação sofreu um abalo irrecuperável quando fotografias da atriz em topless surgiram nos jornais, ao mesmo tempo que uma cena de sexo de um filme em que Koo participara estava a marcar a atualidade. A pressão mediática, a perseguição dos paparazzi e o próprio palácio puseram fim ao namoro. Mais tarde, em 2015, Koo contaria em entrevista: “Ele chegou à minha vida e, de repente, ele era a minha vida”.

As (más) ligações a Jeffrey Epstein

A recente entrevista que o duque de York deu à BBC2 resgatou, de alguma forma, a controversa relação que o filho de Isabel II manteve durante décadas com Jeffrey Epstein, milionário norte-americano condenado em 2008 a 18 meses de prisão por prostituir uma menor e detido, em 2019, por suspeitas de tráfico sexual e abuso de menores — a aguardar julgamento, em agosto Epstein foi encontrado morto na cela depois de alegadamente ter cometido suicídio. Se agora tanto a imprensa como a opinião pública estão de costas voltadas para André, já antes a dúbia relação provocava estragos à reputação deste — após conhecer-se a amizade entre ambos, André foi forçado a demitir-se do cargo de embaixador comercial britânico. Agora, abandonou por tempo incerto todas as funções públicas, deixando quase 200 instituições de caridade à procura de patrono.

Tigres embalsamados, móveis portugueses do século XVIII e um príncipe André apanhado à porta. A “mansão de horrores” de Epstein

Na entrevista gravada a 14 de novembro no Palácio de Buckingham e emitida dois dias depois, André refere que conheceu Epstein em 1999, uma data que suscita muitas dúvidas, sobretudo depois de surgirem cartas assinadas pelo anterior chefe de gabinete do príncipe onde este assinala que os dois homens conheceram-se no início dos anos 1990, tal como conta o The Guardian. A carta de Alastair Watson, que foi o secretário particular do príncipe durante nove anos, cargo que findou em 2012, foi enviada ao The Times em 2011 para rejeitar relatos de que o duque de York era amigo de Saif Gaddafi, filho do ex-ditador da Líbia. Mas esta é de longe a única declaração dada em entrevista que levanta dúvidas. André conta ainda que frequentava jantares organizados por Epstein, nos quais também participavam figuras políticas, académicas e do mundo empresarial, e que tanto ele como Epstein visitaram as casas um do outro várias vezes.

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A verdade é que as justificações de André à BBC2– tendo em conta de que é acusado de ter abusado sexualmente de uma menor de idade há quase 20 anos, uma das jovens alegadamente prostituídas por Epstein, em três ocasiões distintas — deixam muito a desejar: negando qualquer envolvimento com Virginia Guiffre, a mulher que o acusa, a 10 de março de 2001, o príncipe defendeu-se dizendo que nesse dia estava em casa com as filhas e que levou uma delas a um “Pizza Express em Woking”, algo “muito incomum” para ele. A isso acrescenta-se a “condição médica” que o impedia de suar no encontro que ambos terão tido, que terá passado por dançar numa discoteca londrina, e a fotografia onde André surge com a mão à volta da cintura de Viriginia, sobre a qual disse “Sou eu, mas se essa é a minha mão ou se essa é a posição…não me lembro simplesmente da fotografia ser tirada”.

Na entrevista que muitos meios britânicos equiparam a um “acidente de carro” — e que outros tantos apontam o dedo a Sarah Ferguson por ter alegadamente incentivado o ex-marido a dar a entrevista –, o duque de York mostra ainda pouca empatia para com as vítimas do milionário pedófilo e não renega a amizade devido às pessoas que diz ter conhecido através de Epstein. Uma afirmação claramente oposta àquela que consta no comunicado oficial, emitido a 20 de novembro, onde se afasta das funções públicas e onde garante que “ficou claro” que a relação com o milionário tornou-se “num grande transtorno” para a família real e para o trabalho até então por si desempenhado. Na mesma nota, esclareceu que “simpatiza profundamente” com as vítimas de Epstein.

Reveladas novas fotografias da estadia do príncipe André na mansão de Jeffrey Epstein

Não é certo o rumo que o caso vai tomar, com André a admitir também que, se for necessário, irá colaborar com as autoridades. A família real britânica já antes enfrentou vários escândalos — como o casamento falhado entre Carlos e Diana, a morte desta ou a abdicação da coroa de Eduardo VIII –, mas este tem ganho contornos que, nos tempos que correm, são uma genuína preocupação para a família real. Não só André abandonou as funções públicas, como perdeu múltiplos apoios de financiadores e foi destituído de cargos honoríficos. Apesar disso, e no rescaldo de uma entrevista que parece ter aberto uma caixa de pandora, a rainha surge do lado daquele que, segundo algumas publicações, é “o filho preferido”. Prova disso é o facto de recentemente ter-se deixado fotografar a cavalgar na companhia do príncipe nas imediações do Castelo de Windsor. Isabel II é conhecida por não fazer nada por acaso, pelo que os jornais ingleses encaram isto como uma demonstração “desafiante” de apoio.

As festas, as ligações controversas e o “estilo de vida luxuoso”

Na entrevista à BBC2, já acima citada, André argumenta que não entende de onde vem a imagem de que é um “party prince” porque, diz, “nunca realmente” festejou, uma declaração que o The Guardian contesta num artigo onde explora o passado do príncipe. Na década de 1990, após o divórcio com Sarah Ferguson, André ganhou a alcunha de “playboy prince”. Há jornais que referem rumores de que, após o mediático divórcio, André terá tido 15 namoradas. A Hello Magazine acrescenta, por exemplo, que uma vez chegado à meta dos 40 anos, André transformou-se numa espécie de “party animal” nas cenas sociais de Londres e de Hollywood.

Na juventude do príncipe, ir a festas “era o que era esperado dos segundos filhos” dos monarcas, lê-se no The Guardian. O facto de ele ter sido em tempos um dos solteirões mais cobiçados e de ter estado associado a vários possíveis romances valeu-lhe também o cognome “Randy Andy” (“randy”, em inglês, remete para “excitado”).

Margaret Holder, comentadora real, já antes afirmou que a imagem de um “playboy prince” não era completamente desencorajada por André que muitas vezes foi visto em festas em iates privados. Associado a nomes como Kylie Minogue ou à atriz e ex-modelo Angie Everhart, em 2006 a artista Courtney Love detalhou um encontro com o duque de York, este que terá aparecido à porta de sua casa depois da meia-noite porque queria festejar.

Ainda no rescaldo da polémica entrevista, os tabloides The Mirror e The Daily Mail reuniram várias fotografias que mostram o duque na companhia de diferentes mulheres e em diferentes ambientes de festa, retratos que contrariam o que o duque afirmara dias antes: que não tinha por hábito participar em festas e que evitava demonstrações públicas de afeto.

Uma das muitas polémicas em que o nome do príncipe está colado tem precisamente que ver com o hábito de sair e divertir-se. Enquanto embaixador comercial britânico — cargo que recebeu após abandonar a Marinha e que abandonou depois de descoberta a amizade com Epstein — somou escândalos após escândalos, lê-se no The Independent, a começar por uma das primeiras tarefas que desempenhou nessa condição, quando numa viagem a Nova Iorque, após o 11 de setembro, foi criticado por participar numa festa durante a estadia. O príncipe ganharia com este cargo uma outra alcunha — “Air Miles Andy” — pelas muitas viagens. André foi ainda acusado de usar em demasia o helicóptero à custa dos contribuintes e enfrentou várias críticas devido às sua ligações a figuras políticas de países como Azerbaijão, Cazaquistão, Tunísia, Líbia e Turquemenistão.

De acordo com o Evening Standard, o julgamento do príncipe foi questionado depois deste se ter reunido com o filho do líder líbio Muammar Gaddafi, Saif Gaddafi, e quando recebeu o genro do presidente deposto da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali, no Palácio de Buckingham. As relações com Timur Kulibayev, genro daquele que à data era o presidente do Cazaquistão, também fizeram erguer muitas sobrancelhas, sobretudo depois deste comprar uma propriedade do duque em Berkshire, Sunninghill Park, por 3 milhões de libras a mais do que o preço pedido, isto em 2007. Relatos que também o The Guardian expõe.

Mais recentemente, o The Sun fez título com o alegado “estilo de vida bilionário” do príncipe, ainda que este receba “apenas” 270 mil libras por ano. A pergunta é: “De onde vem o dinheiro?”. Da rainha, André recebe 249 mil libras já sem impostos, valor ao qual se somam as 20 mil libras da pensão naval, assegura este jornal, que refere ainda algumas despesas milionárias do príncipe, que em 2014 comprou um chalet em Verbier, na Suíça, por 13 milhões de libras e gastou outros 7,5 milhões de libras para remodelar a casa Royal Lodge em Windsor Great Park.