A generalidade dos municípios considera que a defesa da floresta deve ser, essencialmente, desenvolvida e financiada pelo Estado central, verificando-se uma “aceitação reticente” dos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PMDFCI), avançou o Tribunal de Contas.

“A eficácia dos PMDFCI depende de uma clarificação do papel de cada responsável e da definição de níveis mínimos de execução dos planos, resultando evidente desta ação que não tem existido o empenho necessário das várias entidades envolvidas, sejam centrais ou locais, públicas ou privadas”, apontou o Tribunal de Contas, no âmbito de uma auditoria aos planos, com análise de 32 dos 278 municípios de Portugal continental, no período de 2015 a 2017.

Segundo o relatório da auditoria, a falta de clarificação das responsabilidades na área da Defesa da Floresta Contra Incêndios (DFCI) conduz a “uma aceitação reticente dos PMDFCI e a uma implementação minimalista das ações neles inscritas”.

“Embora a generalidade dos municípios defenda a importância da DFCI, considera que esta é uma área que deve ser essencialmente levada a cabo e/ou financiada pelo Estado central”, indicou o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas.

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Nas limitações e fragilidades dos PMDFCI, o Tribunal de Contas verificou que a menor clarificação da estratégia de fundo em relação à floresta gera “tensões” entre a rendibilidade e a preservação da biodiversidade, ou entre a dinâmica económica gerada pelo fogo e o planeamento sustentável do espaço rural.

“A vigência dos PMDFCI pressupõe uma estratégia de longo prazo, pelo que este não deve resumir-se a medidas reativas e cosméticas, mas contribuir para gerar uma situação de equilíbrio”, de acordo com a auditoria, acrescentando que o insuficiente conhecimento das causas diretas dos incêndios tende a “inquinar a eficácia” dos planos, que acabam por privilegiar medidas de cobertura total – todo o território e todas as pessoas – e de aumento da dimensão dos meios de prevenção e combate.

Neste sentido, o estudo das causas das ignições pode permitir desenhar medidas direcionadas para as situações ou fenómenos que possam estar na génese da maior parte dos danos.

Referindo que a cobertura do território por PMDFCI tem vindo a ser prosseguida, e tende a acentuar-se “em função das medidas de incentivo financeiro e da pressão mediática”, a que se junta o alargamento do seu período de vigência, de 5 para 10 anos, o órgão de fiscalização afirmou que “a eficácia dos PMDFCI depende da melhoria da sua qualidade intrínseca, da boa gestão, e da monitorização da sua execução, que se encontram ainda longe de estar asseguradas”.

Como fragilidade evidente, o Tribunal de Contas referiu a utilização de dados e cartografia com graus diversos de atualização na elaboração dos PMDFCI, que podem estar disponíveis gratuitamente ou “obrigar a custos mais ou menos elevados”, uma vez que “concebe a possibilidade de produzir diagnósticos desatualizados e planos de ação ineficazes” e “põe em causa a compatibilidade entre PMDFCI de municípios contíguos”.

“Se atendermos ao fim visado pelos planos, não é compreensível que os dados e a cartografia mais atual na posse de entidades públicas não seja disponibilizada sem barreiras”, lê-se no relatório da auditoria.

A avaliação do processo de elaboração, aprovação e execução dos PMDFCI permitiu, também, constatar a existência de uma relação institucional “tensa” entre os municípios e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

“Às divergências relativamente às regras de edificação em espaço florestal e às autorizações de arborização e rearborização, soma-se o entendimento, dos municípios, de que o ICNF não dispõe dos meios necessários para dar resposta às necessidades, nomeadamente em termos de gestão de combustível das áreas que estão sob sua gestão”, revelou o Tribunal de Contas, considerando que o reforço da eficácia dos PMDFCI depende, também, da capacidade de criar um novo paradigma de relacionamento entre os municípios e o ICNF.

As “fragilidades estruturais”

O Tribunal de Contas considerou mesmo que os PMDFCI contêm “fragilidades estruturais” sobre o modelo de desenvolvimento económico, dimensão do investimento e delimitação da atuação dos vários níveis de administração pública.

Entre as razões que contribuem para uma menor eficácia dos PMDFCI, o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas elencou “os fatores socioeconómicos que colocam pressão no despovoamento do território rural (e estão na base das mudanças que aumentam o risco de incêndio), a ausência de clarificação na estratégia florestal (que balança entre lógicas ambientais ou de rendibilidade e de planeamento ou de prevenção e combate), o insuficiente conhecimento das causas diretas dos incêndios (que obrigaria a um maior estudo das causas das ignições) e a desatualização do cadastro dos prédios rústicos (que limita a eficácia das medidas de fiscalização)”.

De acordo com o relatório da auditoria, a compatibilização entre os instrumentos de gestão territorial, nomeadamente os Planos Diretores Municipais (PDM), e a legislação setorial de Defesa da Floresta Contra Incêndios (DFCI) “não está assegurada”, constituindo um fator de “tensão e ineficiência” na implementação dos PMDFCI.

Com relatórios específicos para os municípios de Águeda e Pombal, trabalho de campo em outros oito concelhos, inclusive Monchique, e informação recolhida por questionário em mais 22 municípios, nomeadamente Mação, Pedrógão Grande e Sertã, o Tribunal de Contas apurou que a gestão do processo de elaboração e aprovação dos PMDFCI, que envolve municípios e Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), “não tem permitido a sua atempada entrada em vigor”.

“Os municípios não diligenciam pela execução das ações constantes dos PMDFCI, pelo que o facto de existir PMDFCI não garante, por si só, maior capacitação na defesa da floresta, embora permita suprir uma obrigação e atestar um estatuto de cumprimento que tem impacto no financiamento municipal”, revelou a auditoria, referindo que uma parte das ações dos PMDFCI compete a outras entidades que não os municípios e outras são de responsabilidade partilhada, “não se encontrando implementados procedimentos que permitam efetuar uma avaliação global da sua execução”.

A análise do Tribunal de Contas verificou, ainda, que “a execução das medidas de DFCI não tem correspondência no PMDFCI”, pelo que os municípios não conseguem apurar o grau de execução financeira do plano de ação, nem quantificar o seu contributo na redução das ignições ou área ardida, acrescentando que o essencial do esforço financeiro dos municípios tem a ver com apoios aos corpos de bombeiros e às entidades associativas com atividades no âmbito da proteção civil.

Assim, os municípios registam “insuficiências” na definição dos critérios de atribuição e no controlo da aplicação do financiamento relacionado com a DFCI.

“A estrutura local de DFCI não está dimensionada e organizada de forma a retirar o melhor partido dos planos. Os Gabinetes Técnicos Florestais não revelaram capacidade para acompanhar a sua execução, as Comissões Municipais de Defesa da Floresta (CMDF) revelam-se pouco operacionais e a coordenação e gestão do PMDFCI não é exercida”, identificou o Tribunal de Contas, explicando que não foram implementados procedimentos e definidos níveis de responsabilidade que garantam uma adequada execução e monitorização.

Segundo o órgão de fiscalização da legalidade das despesas públicas, os sistemas de informação dos municípios não estão parametrizados de forma a permitir a análise da execução financeira dos planos, carecendo de desenvolvimentos ao nível da contabilidade analítica.

De acordo com a informação disponibilizada na aplicação ‘online’ infoPMDFCI do ICNF, 59 dos 278 municípios de Portugal continental não têm PMDFCI atualizados em vigor.

Obrigatório para todos os municípios do continente português, o PMDFCI visa operacionalizar ao nível local e municipal as normas contidas na legislação de DFCI.

Tribunal quer mudanças na lei

O Tribunal de Contas defende  que o Governo deve avançar com medidas administrativas para aumentar a qualidade dos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PMDFCI), assim como promover alterações no quadro legal que reforcem a sua eficácia.

Para clarificar as responsabilidades na regulação do uso do solo rústico e nas ações de florestação e reflorestação, o Governo tem que promover “uma maior harmonização entre a legislação de Defesa da Floresta Contra Incêndios (DFCI) e a de ordenamento e planeamento do território”, indicou o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas.

Entre as alterações à lei destacam-se, ainda, a definição das responsabilidades das entidades envolvidas na execução e no financiamento das ações inscritas nos PMDFCI e a implementação de “mecanismos de monitorização e controlo que garantam a aprovação tempestiva dos PMDFCI e a sua execução pelos responsáveis”.

Outras das propostas legislativas é a aposta num “processo eficaz e universal de cadastro dos prédios rústicos que preveja a sua atualização periódica”, bem como o estabelecimento de uma diferenciação entre entidades e responsáveis cumpridores e incumpridores na execução dos PMDFCI.

Em termos de medidas administrativas, o Tribunal de Contas quer que o Governo promova o conhecimento das causas das ignições, o cálculo do impacto das ações de DFCI e a disponibilização aos municípios dos dados de diagnóstico e dos elementos cartográficos e do acesso ao cadastro atualizado dos prédios rústicos.

A par das alterações legislativas e das medidas administrativas, o Governo deve definir a entidade supramunicipal responsável pela monitorização da execução dos planos.

Além das recomendações dirigidas ao Governo, o Tribunal de Contas propôs ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) que garanta a observação de critérios mínimos de qualidade na elaboração dos PMDFCI, bem como a conformidade legal das regras de edificação e a coincidência entre períodos de vigência e de programação.

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O ICNF deve, também, corrigir a informação relativa aos pontos de situação dos PMDFCI e disponibilizar os dados sobre áreas ardidas por concelho.

Aos 32 municípios objeto da auditoria, inclusive Mação, Pedrógão Grande e Sertã, o Tribunal de Contas sugeriu “o reforço da eficácia da estratégia municipal de DFCI e da atividade de coordenação do PMDFCI e a garantia de funcionamento da Comissão Municipal de Defesa da Floresta (CMDF)”.

Este órgão de fiscalização aconselhou, também, o aumento da qualidade do PMDFCI, o acompanhamento e monitorização da execução física e financeira do PMDFCI, a divulgação do grau de execução anual e o recurso às novas tecnologias para maximizar a utilidade operacional do plano.

As recomendações dirigidas aos municípios auditados incluem, ainda, “a fundamentação e controlo dos apoios concedidos às Associações Humanitárias de Bombeiros e a clarificação da atividade desenvolvida pelas associações envolvidas na proteção civil”.

À Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), o Tribunal de Contas pede que sensibilize a generalidade dos seus associados para a adoção de medidas que permitam ir ao encontro das outras recomendações.

A Lusa questionou a ANMP sobre as conclusões e recomendações da auditoria aos PMDFCI, tendo a associação informado que “o assunto será analisado na próxima reunião do Conselho Diretivo da ANMP”, que está agendada para 17 de dezembro, em Coimbra.