As autoridades de saúde britânicas estão a investigar a possível ligação entre o suicídio de dez jovens e a utilização de isotretinoína, conta o The Guardian. Doze jovens britânicos morreram, dez dos quais por suicídio, após a administração de Roaccutane — o nome comercial do medicamento, também à venda com o nome Accutane. Agora, os reguladores vão reabrir uma investigação ao fármaco após uma nova onda de queixas.

Em Portugal, onde é vendido com o nome principal Isotretinoína, não se registam mortes possivelmente relacionadas com este medicamento, pelo menos desde 2004. Há quatro laboratórios autorizados a colocar este produto no mercado: a Generis Farmacêutica, o Laboratório Medinfar, a IFC Skincare Portugal e a Axone. No entanto, só as duas primeiras empresas comercializam efetivamente o produto.

Em resposta ao Observador, a IFC confirma que tem autorização para comercializar o medicamento, mas que não o faz atualmente. Por não ter “experiência de mercado”, prefere não comentar o caso. O Observador tentou contactar os outros laboratórios para um comentário sobre a investigação britânica, mas ainda não obteve resposta.

Desde 1998 que existem relatórios a alertar para a possibilidade da isotretinoína desenvolver efeitos secundários a nível psiquiátrico e um risco aumentado para a depressão. Em Portugal, a bula de um dos fármacos com esta substância ativa, aprovada pelo Infarmed  (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde), pede ao paciente que fale com o médico antes de o utilizar “se alguma vez teve algum tipo de problemas de saúde mental”: “Estes incluem depressão, tendências agressivas ou alterações do humor. Inclui também pensamentos sobre auto mutilar-se ou suicidar-se. Isto porque o seu humor poderá ser afetado enquanto toma Isotretinoína”.

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O documento lista ainda a “depressão ou perturbações”, “agravamento da depressão existente” ou “tornar-se violento ou agressivo” como um efeito raro do medicamento que pode afetar “até uma em 1000 pessoas”. Entre os efeitos muito raros, que podem afetar “até uma em cada 10 mil pessoas”, diz-se também que “algumas pessoas tiveram pensamentos ou sentimentos sobre magoarem-se ou suicidaram-se (pensamentos suicidas), tentaram suicidar-se (tentativa de suicídio) ou suicidaram-se (suicídio)”: “Estas pessoas podem não parecer deprimidas”, avisa a bula.

Além disso, o Infarmed avisa também que o medicamento pode causar um “comportamento não habitual” ou “sinais de psicose, uma perda de contacto com a realidade, como ouvir vozes ou ver coisas que não existem”, descreve.

No Reino Unido, a Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos para a Saúde no Reino Unido permitiu a comercialização do medicamento porque, no caso britânico, “não há provas de estarem a acontecer efeitos secundários, mas uma suspeita de que a droga pode ser a causa”, afirma o The Guardian. Ou seja, os estudos científicos não identificaram uma ligação direta entre o medicamento e o aumento do risco de distúrbios psiquiátricos e suicídio, embora tenham sido observados efeitos secundários dessa natureza.

Em Portugal, o Infarmed diz que não há registo de pessoas que tenham cometido suicídio após utilizarem isotretinoína há pelo menos 15 anos. Em declarações ao Observador, a entidade explica que, por ser usado sobretudo por pessoas com acne, o fármaco tende a dirigir-se a pacientes “com baixa auto-estima e que já podem ter algumas questões psicológicas para serem tratadas“, o que pode justificar o número de doenças psiquiátricas que parecem estar associadas ao medicamento.

Isso mesmo é o que diz uma circular publicado pelo Infarmed em 2018, depois de uma revisão da Agência Europeia do Medicamento que sugeria novas recomendações sobre o risco desta substância para a saúde psiquiátrica. “Os dados disponíveis apresentam limitações que não permitiram estabelecer se o risco de efeitos neuropsiquiátricos era devido ao uso de retinoides orais ou ao facto de estes doentes, com alterações graves na pele, estarem mais vulneráveis devido à própria natureza da doença“.

“Contudo”, prossegue o documento, “a informação dos retinoides orais será atualizada para incluir uma advertência sobre esse possível risco”. Segundo o Infarmed, é feita uma avaliação entre benefício da utilização do fármaco e o risco que ela pode representar todos os meses. Por ser um medicamento a que se precisa de estar particularmente atento no que toca aos efeitos que pode ter nos utilizadores, a embalagem é vendida em Portugal com uma sinalética especial — um triângulo negro.

Por isso mesmo, a base de dados com as informações dos pacientes tratados com esta substância é mais detalhada, garante o Infarmed. Além disso, a bula informativa dirigida aos profissionais de saúde também contém informações extra sobre os efeitos secundários do medicamento. E tanto os médicos como os pacientes recebem materiais educacionais para aprender a administrar e a utilizar a Isotretinoína — como o que pode ver neste link para o público, por exemplo; e neste para os médicos.

Segundo o jornal britânico, no Reino Unido já se registaram 88 mortes entre os utilizadores de Roaccutane desde 1998, sete dos quais em 2018. Há dois anos, outras queixas alertaram também para a possibilidade de o medicamento estar a provocar problemas de ereção entre os rapazes por diminuir a líbido dos pacientes.

Após esses relatos, o Instituto Nacional de Saúde e Excelência do Cuidado britânico também aconselhou os médicos a prescrever este fármaco apenas em casos graves em que outros tratamentos não tenham resultado. Também o Serviço Nacional de Saúde britânico pediu a todos os pacientes que utilizem Roaccutane para se dirigirem ao médico caso se sintam deprimidos, ansiosos ou tenham pensamentos suicidas.